Angélica e a Espada de São Miguel

1. Foi quando a noite despencava

dos Céus

Carlos Magno já não reinava sobre

a França

Nem a França estava mais protegida

pelos Doze Pares

Mas o Cavaleiro Rolando ainda caçava

três javalis no Mato Alto

E os levava mortos no lombo do cavalo

Angélica veio à procura do Graal:

“De onde vens tu, menina”?

“De onde vêm os operários, dum Vale no Brasil.

Nem sou cristã, mas busco o Graal”.

“O que és o Graal para ti”?

“Não sei, por isso o procuro”.

“Então estás procurando uma coisa que nem sabes o que é”?

“É”.

2. Se o Graal que Angélica procurava

Fosse os dos olhos carnais

Não havia de passar

De uma taça lavada pelo sangue de Cristo

O cálice da Última Ceia

Por vezes objeto dourado

Em outras, transparente vidro

Ou mesmo latão

Isso só dependia do dedo indicador

De algum padre ou louco ou bispo ou conde

Que apontava: “É esta a taça” e afirmava

em tom solene: “Eis o Graal”!

Explicou assim o Cavaleiro Rolando

O fogo crepitava

A fogueira aquecia

Embora frio não fizesse

Naquela época do ano.

3. Se o Graal que Angélica procurava

Fosse o dos olhos espirituais

Continuou explicando o Cavaleiro

A busca deveria começar em outro lugar

Rolando desembainhou

A Espada de São Miguel: Durandal

Ela reluziu tão forte que

a noite se fez dia

a fogueira esfriou

Embora fizesse calor

Entre os dois.

4. “Mais de mil mouros matei

Na Andaluzia”.

E Durandal podava os galhos do cipreste

Ao lado de Angélica

Com os golpes de Rolando

“A mais de mil mortes sobrevivi

Em Marselha

Aos 16 anos

Já sabia o que era carregar

A França

Digo

O mundo

Nos ombros”.

Com o Sol da lâmina de Durandal

Nos olhos

Angélica mal pode observar

O cabelo desgrenhado do Cavaleiro Rolando

Mas contemplou as formigas que carregavam em

fila indiana

O seu mundo

A sua França ,

de folhas caídas,

Indiferentes a Rolando

Mas não talvez quanto ao Graal.

5. “Jurei sob a Cruz

E desde então tenho rezado

- Com o cantar do galo;

antes e depois de cada refeição;

ao anoitecer e ao dormir. –

Engajei-me nas 7 Missas Solenes

Da Catedral de Reims

E uma vez por ano tenho até lá

Peregrinado

Jurei no altar do Santo Sepulcro

Em Jerusalém, onde os caminhos se cruzam

Beijei a mão da Rainha

Da princesa, não!

Ela já estava comprometida!

Desfraldei a bandeira

Ergui o estandarte

Ambos sujos de sangue

Do Império carolíngio

Em nome da Ordem da Cavalaria

Benzi 33 escudeiros

E quando a camponesa

Estava prestes a sujar seus pés no lodo

Joguei minha capa ao chão para que passasse

Em meio à chuva, ao vento e ao frio

Muitos palavrões dela ouvi

No campo de batalha

Zelei por Carlos Magno, meu tio”.

Rolando cortou a estrela mais próxima

entregando a pontinha a Angélica

Ela sorriu.

6. Colocou as mãozinhas

Sobre as mãozonas

Do Cavaleiro Rolando

Um sentindo o hálito do outro

A menina dos cabelos ruivos falou então

“Sim. Eu sei de tudo isso

Foi quando o Rei lhe entregou

O poderio de Durandal

A lâmina forjada pelo Arcanjo

A lâmina das Cruzadas

Que picotou o Corão no Oriente

Na Espanha rasgou mesquitas inteiras

E prostrou mil virgens aos teus pés

Calejados

Ou melhor, mil e duas

Pois houve Houria e Nassíria que

O historiador esqueceu de anotar”.

Rolando trazia os olhos cansados

A barba áspera

Fiapos de branco

Uma cicatriz enorme na testa

Que Angélica inclusive

Ainda não havia reparado.

“Este é o teu Graal, Rolando.

Este é o teu Graal, Cavaleiro”.

Angélica tocou com a ponta dos dedos, pela primeira e última

vez,

Na lâmina de Durandal

Não estava nem quente nem fria.

7. É possível fugir das respostas fáceis?

A essa pergunta não existia uma resposta fácil

Acreditando nisso

Angélica enveredou campo afora

O Arcanjo São Miguel lhe esperava

Enquanto Rolando se punha a dormir

Somente o Arcanjo

Talvez

Pudesse esclarecer

Alguma coisa

Por menor coisinha que fosse

(Mesmo para um não cristão)

Acerca do Graal

De cada um

De cada dia.