Assassino

Inferno. Castelos de ratos assassinos, mesquinhos e de espadas empunhadas. Era para o próprio inferno que Nezu olhava, para a horda de demônios da qual ele fazia parte. Lá de cima tudo aquilo lhe parecia irreal, um sonho ou, quem sabe, um pesadelo. O sol começava a se esconder e as sombras dos prédios se alongavam, deitavam sobre o asfalto frio. Era depois que sol se punha que a festa começava de verdade. A cidade se infestava de bandidos, capangas dos senhores que moravam nas coberturas dos prédios luxuosos. O crime era sua única lei e ninguém podia se defender dela. Quando o sol desaparecia entre as nuvens, as espadas deixavam suas bainhas e se tornavam mais do que armas, transformavam-se na própria morte.

Nezu saltou do beiral de granito negro para o terraço do prédio vizinho, caminhou sobre o parapeito. Estava pensativo, talvez um pouco preocupado. Começou a correr, curvou um pouco o corpo para frente e acelerou. Segurava o cabo da espada com a mão direita e mantinha os olhos fixos no fim do parapeito. Quando atingiu a extremidade saltou sobre a placa de um restaurante. Estava bem mais próximo do chão, podia sentir o cheiro de um latão de lixo e ouvir os gritos de uma mulher. Não deu importância, deixou seu corpo cair e ganhou a calçada. Andava calmamente e preferia ignorar toda a confusão que acontecia à sua volta. Ninguém ousava abordá-lo, sua reputação como discípulo de Teishan era grande e seu nome corria na boca de bandidos menos graduados, todos o conheciam. Suas habilidades também eram notórias e ele ainda não terminara seu treinamento. Alias, havia boatos que nem mesmo o poderoso Teishan conseguia realizar todos os movimentos Frenji.

Nezu continuou pela avenida, absorto em pensamentos, ainda com a mão na espada.

Tirou um isqueiro do bolso e acendeu um cigarro. Tragou demoradamente, sentiu a fumaça queimando seus pulmões. Os letreiros começavam a iluminar as ruas com seus anúncios brilhantes. Nezu seguiu sob a placa azul de um restaurante de carnes. Algumas pessoas brigavam na entrara, ele nem mesmo levantou os olhos.

Seu destino era a casa de um dos capangas de seu mestre. Ficava no final daquela mesma avenida, ao lado de uma loja de roupas. Quando chegou, Nezu pulou o portão com facilidade, atravessou o pequeno jardim furtivamente e parou diante da porta. Jogou as cinzas do cigarro no chão e desembainhou sua arma. Arrombou a porta usando a espada para cortar o trinco de metal, como se ele fosse feito de manteiga. Era uma casa simples, praticamente sem móveis e sem conforto. Havia dois quartos ligados à sala e um corredor que levava ao que, provavelmente, era a cozinha. No primeiro quarto ele encontrou um garotinho de sete anos. Ele dormia profundamente enrolado em um cobertor. Nezu se aproximou, fechou os olhos e segurou a espada sobre a cabeça. O fio prateado riscou o ar e depois mergulho no pescoço do garotinho. Ele nem mesmo acordou. O sangue esguichou por toda parte, exalando inocência e covardia. Nezu segurou a cabeça decepada do garoto pelos cabelos. Olhou nos olhos dele e riu maliciosamente. Riu de si mesmo, de como tudo aquilo era mesquinho. Levando a cabeça consigo, ele foi para o outro quarto. Deixou um rastro de sangue para trás, arrastava a ponta da espada no assoalho. As tábuas estalavam e pareciam gritar de medo e nojo.

- Hayashi! – ele gritou. – Acorde.

Hayashi se levantou assustado. Nezu apenas ergueu o braço e mostrou a cabeça para ele. O sangue ainda pingava. Hayashi empalideceu, seu corpo congelou. Tinha vontade de gritar, mas não conseguia.

- Teishan não suporta covardes – Nezu ria entre as palavras, o cigarro no canto da boca. – Não cumprir suas ordens é falta de coragem – ele soltou a cabeça que caiu com um estalo molhado e rolou até onde Hayashi estava. – Algum dia, Teishan já lhe pediu para poupar as crianças?

Nezu segurava sua espada apenas com a mão esquerda, alinhou o braço com o ombro e mirou no rosto de sua vítima que ainda estava paralisada. Ele olhou para Hayashi e abaixou a arma lentamente, como se tivesse mudado de idéia. Mas não foi isso que lhe ocorreu, “matá-lo não seria o bastante”. Colocou a espada na bainha e procurou alguma coisa ao seu redor apenas com os olhos. Sobre uma prateleira estava a espada que Teishan dera a Hayashi no momento de seu contrato. Nezu a pegou, era mais pesada e de pior qualidade que a sua, e fez a mesma posição que fizera com sua própria arma. Quando Hayashi pensou em reagir, Nezu desferiu um golpe certeiro em seu abdômen. A lâmina da espada ficou completamente enterrada. Hayashi caiu na cama imóvel e sem força, com a espada trespassada em sua barriga. Seus olhos estavam vidrados e viam apenas a imagem da cabeça de seu irmão, viam sangue, tudo lhe parecia vermelho e assustador. Nezu limpou as mãos no lençol, amarrou os pés e as mãos de sua vítima que, certamente, morreria afogada em seu próprio sangue. Deu as costas para ele e saiu. Podia ouvir os gritos desesperados de Hayashi, nem mesmo olhou para trás.

Havia um grupo de pivetes na rua, ao redor de um tambor enferrujado que abrigava uma pequena fogueira. Ele jogou algumas moedas para eles e mandou que queimassem a casa. Deu uma última tragada em seu cigarro e voltou pelo mesmo caminho que viera.

[este texto foi escrito como presente para uma amiga. ele faz parte do livro q ela está escrevendo. ele eh, provisoriamente, o capítulo 3 q se chama "Voire". o livro, por sua vez, chama-se Samur e jah eh muito interessante, mesmo antes d ser finalizado]

Fillipe Evangelista
Enviado por Fillipe Evangelista em 19/05/2007
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