O Tesouro do alto da montanha

Era uma vez três irmãos, que se chamavam Pedro, João e Paulo. Viviam em uma antiga aldeia de lavradores, situada em região extremamente montanhosa. Moravam com o pai e o ajudavam a cultivar as lavouras e a tratar dos animais.

Naquela aldeia passava o caminho para o pico da montanha mais alta do mundo e por esse motivo era comum passarem por ali os caminhantes que iam em busca da aventura de escalar a montanha. Não era um caminho muito íngrime, mas seu percurso era longo e para chegar ao ponto mais alto era preciso caminhar durante muito tempo, enfrentando provações e perigos.

Certo dia, o velho pai ficou muito doente e, deitado no leito de morte, chamou os três filhos para contar-lhes um segredo. Disse que a pessoa que sobe até o topo da montanha mais alta do mundo encontra um tesouro. Em seguida acrescentou que morreria feliz se os três prometessem conquistar esse tesouro. Pedro, Paulo e João juraram realizar a vontade do pai e este morreu confiante no bom futuro dos filhos que deixava.

Dias depois do enterro, os três se puseram a caminho. Era outono e logo começaram as chuvas e o ventos frios. Chegando a uma aldeia de montanheses, pararam para descansar e resolveram passar o inverno ali. Um dos moradores convidou-os a ficarem em sua casa, em troca de trabalho. Foi assim que Pedro, Paulo e João passaram o inverno ajudando os aldeões a cortar lenha, preparar o feno, dar comida aos animais, reforçar os telhados e a fazer todos aqueles serviços que tão bem conheciam. Veio a neve e cobriu as casas durante várias semanas. Os aldeões passavam os dias dentro de casa, ocupados com as tarefas domésticas ou nas rodas de conversa e cantoria ao redor das lareiras.

Chegando a primavera, João chamou seus irmãos e disse.

— Já podemos prosseguir na caminhada. Vamos, então?

Paulo respondeu:

— Eu não vou. Quero ficar morando nesta aldeia. Lá em cima não existe nenhum tesouro. É apenas uma lenda. Aqui vive gente de bem e quero casar-me, ter filhos e ganhar o meu sustento da mesma forma que nosso pai.

Pedro ouviu seu irmão com desdém e falou:

— Eu também não vou. Mas não quero ficar mofando nas montanhas. Há na vida coisas muito mais interessantes que escalar montanhas lendárias ou viver na mediocridade de uma aldeia. Vou viver nas grandes cidades, onde há conforto, diversão, belas mulheres, opulência, enfim, coisas que realmente permitem gozar a vida.

— Você tem certeza do que pretende fazer? – perguntou João.

— Vou seguir a sabedoria da vida – respondeu Pedro. A vida é como um rio e os rios correm montanha abaixo. Se desejo encontrar um verdadeiro tesouro, devo procurá-lo nas cidades que florescem em regiões planas, nos vales férteis ou à beira do mar, onde não é tão cansativo viver. Encontra um tesouro quem chega aos pés da montanha e é lá que vou procurá-lo – respondeu Pedro, com cinismo.

Os três irmãos separaram-se, então, tomando cada um seu destino.

Paulo dirigiu-se à casa dos anfitriões e pediu para morar com eles definitivamente. Na verdade estava apaixonado por uma bela jovem que conhecera durante o inverno e com ela pretendia casar-se e ter filhos.

Pedro se pôs a caminho montanha abaixo. Enquanto andava, ia pensando: "se um tesouro é coisa agradável, com certeza deve ser mais fácil encontrá-lo caminhando de forma agradável, isto é, morro abaixo. Se nada encontrar, pelo menos terei aproveitado melhor minha vida. Acaso a água dos rios corre morro acima? Considero mais sábio obedecer às leis naturais que lutar contra elas. Não acredito que para conquistar uma vida boa seja necessário sofrer escalando montanhas ou cavocando a terra. Isto é para quem não possui imaginação" – raciocinava.

João voltou-se montanha acima e colocou-se a caminho, logo desaparecendo no horizonte.

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João caminhou pacientemente durante vários meses, para chegar ao cume da montanha mais alta do mundo. Enfrentou perigos e passou fome, em algumas ocasiões. Quando já vislumbrava o objetivo final de sua aventura, viu um jovem em perigo, dependurado nos arbustos que cresciam entre as pedras de um precipício. Para encurtar o caminho, o jovem resolvera usar um atalho, subindo por uma rampa muito íngreme, mas se dera mal. Agora não conseguia ir em frente nem voltar atrás. Por sorte João o salvou e ambos retomaram a caminhada juntos, ajudando-se um ao outro nos momentos mais difíceis do percurso. Até o momento em que não havia como subir mais, pois haviam chegado ao topo da montanha do tesouro.

Depois de descansar durante uns minutos passaram a procurar pelo tesouro. Olharam cada canto do lugar, dentro de cada buraco, atrás de cada arbusto, mas nada encontraram. Nem uma moeda de ouro antiga, nem uma caixa vazia que poderia ter contido jóias, nada que se assemelhasse a um tesouro. Olharam debaixo das pedras, cavaram em todos os lugares e nada. Vasculharam o local várias vezes e nada...

Desanimados, sentaram-se sobre uma pedra e começaram a conversar.

— Fomos logrados, não? – disse João

— É verdade. Foi uma lição que aprendemos. Não se deve acreditar em lendas – respondeu o amigo.

— Aprendemos uma lição – disse João. Talvez o tesouro seja isso.

— Talvez – disse o amigo. — Dizem que quem tem um amigo possui um tesouro. E cada um de nós encontrou um amigo, não é mesmo?

— É verdade – disse João, mas não acredito que meu pai estivesse falando desse tipo de tesouro. Como ele poderia adivinhar que nós dois nos encontraríamos no caminho? Além disso, amigos são tesouros que encontramos em qualquer lugar. Ninguém precisa vir até aqui para encontrar um.

— Pois é – respondeu o amigo. Meu professor também falou a mesma coisa: “quem sobe até o topo da montanha encontra um tesouro”, mas não falou nada de amizade.

— Espere um pouco – disse João. — Ele disse que há um tesouro no alto da montanha ou disse que a pessoa que sobe a montanha encontra um tesouro?

O amigo pensou um pouco.

— É verdade. Quem sobe até o topo da montanha encontra um tesouro. Não quer dizer que encontre o tesouro nesse lugar.

— Então você também acha que ainda podemos encontrar um tesouro? Mas onde?

Os amigos olharam a paisagem imensa que se descortinava em todas as direções.

— Como é grande o mundo! - exclamou o amigo de João. Nunca pensei que fosse tanto...

— É verdade. Nem eu...

— Veja lá. Deve ser o oceano.

— Nunca vi o mar.

— Nem eu! Sabe, o mundo tem centenas de países, milhares de lugares diferentes!

— Foi teu professor quem disse? Meu pai nunca nos falou disso.

— Foi meu professor, sim. Ele era um cara muito viajado. Conhecia os lugares mais incríveis e contava as histórias mais lindas.

— Que legal, hem?

João estava admirado.

— Vamos continuar procurando o tesouro?

— Vamos, mas onde? Por onde começamos?

— Sei lá. Que tal começar atravessando o oceano? Eu sinto a maior vontade de conhecer o mundo inteiro! – disse João.

— Eu também – respondeu o amigo. — Quem sabe no outro lado do mundo haja uma montanha ainda mais alta para escalar.

Assim, ambos começaram a descer a montanha pelo lado oposto por onde subiram. Não sabiam ainda, mas já haviam encontrado um tesouro: o próprio destino.

Quarenta anos depois os irmãos se reencontraram.

João já havia conhecido o mundo inteiro, quando resolveu voltar para o lugar onde havia nascido, a fim de visitar o túmulo de pai.

Retornou à sua aldeia natal e estava sentado sobre uma pedra, alisando a longa barba branca que pendia sobre o peito, quando outro velho se aproximou vagarosamente. Era Paulo, que todos os anos retornava para o lugar onde havia enterrado seu pai, mas pela primeira vez ali encontrava alguém conhecido. Os irmãos se abraçaram com saudades e passaram a contar cada um a sua história. João havia se tornado o maior contador de histórias do mundo. Ambos estavam felizes e lamentavam apenas não terem notícias de Pedro.

Foi nesse momento que surgiu no horizonte uma caravana, que subia lentamente as montanhas. Era Pedro, que vinha carregado em uma liteira. Pedro estava tão gordo que mal conseguia caminhar. Oito homens revezavam-se para o carregar e outros dez transportavam a bagagem.

Foi grande a alegria do reencontro e cada um contou sua história.

— Tenho três filhos, nove netos e vinte e sete bisnetos, todos saudáveis – disse Paulo. Vivo naquela mesma aldeia onde nos separamos e possuo uma chácara. É uma residência pobre mas confortável, e cuido dos animais e das lavouras, como nosso querido pai. Sou o ancião mais respeitado da aldeia, mas sinto inveja de vocês, que conheceram o mundo enquanto eu fiquei aqui perto, trabalhando na lavoura a vida inteira.

— Dediquei-me ao comércio e consegui tornar-me muito rico – disse Pedro. Casei-me com a filha do maior mercador de uma próspera cidade e hoje sou o governador dessa cidade.

— Parabéns, irmão – disse Paulo. Você provou que estava certo. O tesouro é encontrado montanha abaixo, e não montanha acima.

— Não, meu querido irmão lavrador – respondeu Pedro. Daria metade da minha fortuna para possuir a tua saúde de ferro. E daria a outra metade para não ter os problemas que me atormentam todos os dias.

— Na verdade – disse João, intervindo na conversa. A saúde te custaria a fortuna por inteiro.

— Como assim, meu irmão filósofo? – disse Pedro

— Para ter a saúde de ferro de Paulo é preciso viver como ele: com simplicidade, muito trabalho e pensamentos puros. Para tê-la, você teria que abrir mão de tudo o que conquistou.

A conversa prosseguiu por muitas horas, até o momento em que Paulo e Pedro quiseram saber se João, afinal, havia encontrado um tesouro no alto da montanha.

— Já sei – disse Pedro, com sua ironia costumeira. – No alto da montanha mais alta do mundo existe uma grande biblioteca e o tesouro é a sabedoria imensa de nosso irmão filósofo.

João sorriu:

— Não tem nenhuma biblioteca, lá. A sabedoria está escrita nas pedras – disse João, com ar de mistério.

— É verdade? – Exclamaram Pedro e Paulo. – Deve ser maravilhoso! Conte-nos o que está escrito nas pedras.

— De fato é maravilhoso – respondeu João. Por que você não vão até lá e vêem com os próprios olhos?

— Já estou muito velho – respondeu Paulo.

— Além de velho, estão tão gordo que não consigo caminhar com minhas próprias pernas – acrescentou Pedro.

— É verdade – disse João. Para se tornar rico, Pedro renunciou ao tesouro do alto da montanha e à vida saudável do campo. Para ser forte e saudável, Paulo renunciou ao tesouro e à opulência das cidades. Eu conheci o mundo inteiro e me tornei o maior contador de histórias do mundo, mas precisei renunciar tanto à vida saudável do campo quanto à vida boa da cidade.

— Que ótimo! – disse Pedro. Já que se recusa a nos revelar a sabedoria das pedras, ao menos conte-nos as maravilhosas histórias que conhece.

Pedro disse isso e em seguida ordenou aos criados que preparassem comida e bebida. Os três irmãos comeram e beberam muito alegres, fazendo brindes à memória de seu querido pai, a quem ainda amavam, com saudades.

Confraternizando, os irmãos descobriram que os três haviam conquistado tesouros, cada um ao seu modo, mas era a memória do falecido pai e a lenda do tesouro do alto da montanha que os unia e os tornava felizes, naquele momento.

Marco Antonio Mondini
Enviado por Marco Antonio Mondini em 14/07/2014
Reeditado em 20/12/2023
Código do texto: T4881100
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