As Mortes do Guerreiro

Todos têm um padrão que se repete nas suas vidas.

A primeira vivência que me vêm em mente foi a qual fui um Cavaleiro Templário, soldado de Deus. Educavam-nos para sermos combatentes hábeis e incansáveis, fiéis e justos, mas na procura para o reino dos céus, fomos enganados. Disseram-nos que seríamos perdoados pelos nossos pecados, desde que os fizéssemos em nome de nossos líderes.

Carrego-os até hoje.

De iniciado cheguei a General, comandava companheiros para o campo da perdição e do sangue. Sem piedade, espalhava a morte entre os homens. Pensava:

“Obedeço a ordens, apenas.”

“A guerra não tem misericórdia.”

Assim, na minha mente afirmava que a espada instituía a vontade de Deus; no meu coração, sabia que realizava unicamente a vontade dos homens.

A dama da morte me alcançou no campo em que desenvolvi minha reputação, pelas mãos de meu inimigo.

Deixei minha amada de branco a chorar na porta de nosso lar, ao ver meu cavalo retornar sozinho pelos campos do verão seguinte, carregando as notícias de meu amargo fim. Havia prometido casar-me com ela assim que retornasse da batalha. Eu demorei séculos para cumprir minha palavra.

Os assassinatos, as inomináveis crueldades, as ordens, foi tudo jogado em minhas costas. Quinze anos de pagamento por meus débitos com as Leis Divinas não foram suficientes para esgotá-los.

Portanto, retornei para a Terra mais uma vez. Eu não tinha um amor ou família, portanto fui de bom grado para o campo de batalha. Servindo aos Aliados, matei e morri na Segunda Guerra Mundial.

Passei a entender minha função nesse mundo. Eu sou o guerreiro, devo sacrificar-me apenas pelas verdadeiras causas. Entretanto, essa missão me subiu a cabeça.

Deixei-me levar pelas influências de sombras cruéis, cujo único objetivo era ver-me falhar. Pensamentos alheios apossavam-se de minha cabeça enquanto a escuridão cobria-me e arrastava meu corpo e alma para a beira do abismo.

Depois de me levantar de mais um campo, um novo fim, eu me tornei no que as sombras me transformaram.

Eu comandava mulheres na venda de seus corpos, enganava a todas como fizeram a mim. Nessa época de minha vida imortal, destruí tudo o que construí nas etapas anteriores. Foi uma recaída que me levou ao fundo do precipício. Mas ao reencontrar a bela alma com que tive a maior de minhas dívidas, me levantei e voltei a escalar.

Era ela, a minha amada noiva de outros tempos, prometida a mim há eras. Ela não me reconheceu totalmente, nem eu a ela, contudo finalmente havíamos nos reencontrado. A inegável carência do outro nos aproximava como pólos opostos.

Assim, quando me encontrei nas terras escuras do submundo, a vontade de ver a luz outra vez me deu força para lutar e merecer meu resgate. Encontrei-me com ela, que me recebeu com um sorriso, pois finalmente se recordava de nossa história.

A partir daquele momento a escalada para o topo do precipício fluiu melhor do que nunca. Retornei, há pouco tempo, para uma vida diferente. Sou um guerreiro da sociedade contemporânea, um soldado na procura de salvação, um gladiador a poucos metros de meu objetivo.

Eu tenho um vislumbre da luz agora, aquela no topo do precipício, ela brilha cheia de esperança e amor. Com ela vejo tudo o que já guardei no coração. Ela me encoraja a escalar a encosta íngreme com ansiedade e rapidez; não quero falhar. Mesmo que algumas vezes me vejo pisar na pedra errada e caia alguns centímetros, ou veja as pedras que escolhi não pisar rolarem encosta a baixo, não me sinto desencorajado. A ascensão é longa, mas não é impossível.

Estarei lá: a Utopia-real, o Valhala, o Olimpo, o Paraíso. Sentarei ao lado dos Deuses e provarei de seu néctar do conhecimento, que despe o maior dos sábios.

No início, disseram-me a verdade:

- Iniciado, não existe morte.

Letícia Gama
Enviado por Letícia Gama em 05/07/2014
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