267-FORA DE CONTROLE- Rio, Ano 2030

Ao chegar ao seu escritório, no centro da cidade, o doutor Rogério Diniz Santana, ao mesmo tempo que tira o paletó e o dependura no cabide atrás da porta, nota o estranho envelope azul-marinho sobre a mesa de trabalho. O tamanho inusitado do envelope e a cor escura chamam a atenção do Chefe do Departamento de Controle Ecológico do Rio de Janeiro. Desconfiado, chama a secretária pelo interfone.

— Dona Ester, que envelope é esse aqui sobre minha mesa?

— Foi deixado por um portador, Dr. Santana. Hoje de manhã, assim que cheguei ao escritório. Disse-me ser assunto confidencial e não esperou resposta. Já passei o envelope pelo detector de metais e explosivos, o envelope está “limpo”, não tem perigo.

As reais condições de segurança exigem precauções jamais imaginadas. Passar todas as encomendas, envelopes (mesmo os recebidos através dos correios) pelo aparelho que revela sinais de explosivos ou metais e até mesmo agentes químicos ou biológicos, é rotina em todos escritórios. O doutor Santana confia na secretária. Abre o envelope. Tira apenas uma folha de papel com uma mensagem feita de colagem de letras recortadas de revistas e jornais, e coladas de maneira a formar palavras e frases.

NÃO PROCURE CONFUSÃO PARE PROJETOs REFORMAS MAM- CORCOVADO - PÃO DE AÇUCAR.

A mensagem não traz data nem está identificada. Mas Santana sabe do que se trata. São os bandidos que mantêm o controle das regiões onde estão concentrados os projetos de seu departamento. A recuperação (reforma e ampliação dos sistemas de segurança, principalmente) do Museu de Arte Moderna, do Cristo Redentor no Corcovado, e do Pão de Açúcar é a meta principal de sua gestão no DCEco. Todos os locais estão situados em áreas dominadas pelas gangues de bandidos do narcotráfico, que não admitem interferência do governo.

O doutor Santana não se intimida. Senta-se e dá início a uma bateria de telefonemas, através de sua secretária e pelo próprio telefone celular. A tela do computador anima-se a um toque seu, e ele entra direto na internet, procurando contatar seus auxiliares. Em poucos minutos expediu algumas ordens, transmitiu informações e colocou em movimento sua equipe de auxiliares e colaboradores.

Só então se dá ao luxo de alguns instantes de descontração. Seu cenho se desanuvia, revelando um rosto moreno, isento de rugas, os olhos negros penetrantes. Os cabelos negros curtos bem como os lábios cheios identificam ascendência negra. Testa alta. Porte atlético. Altura provável: um metro e noventa. Veste-se com elegância. Gestos rápidos e figura aprumada não deixam transparecer seus cinqüenta e cinco anos.

Antropólogo, tem vasta experiência como pesquisador e nos últimos dez anos vem empregando seus esforços na política de equilíbrio ecológico da maior megalópole Hemisfério Sul.

Sua simpatia irradiante desperta a atenção de todos os que o rodeiam. As mulheres se apaixonam, os homens o invejam. Solteiro por convicção e “pela falta de tempo para romance”, alimenta diversas ilusões femininas e varia de namorada com muita rapidez.

A cidade é o Rio de Janeiro, o ano, 2030. Com o avanço da criminalidade por toda a região metropolitana, sem que as autoridades conseguissem reprimi-la, o caos se estabelecera em áreas centrais e nos principais bairros. Os bandidos assumiram o controle dessas áreas e permitem a manutenção dos serviços básicos, como transportes, limpeza, fornecimento de energia elétrica e água. Os chefes das gangues lotearam entre si as áreas e controlam tudo o que lhes interessa: taxas para o funcionamento de todas as atividades comerciais, propinas para construir ou desmanchar qualquer edificação, sejam particulares ou públicas. Os ingressos para as casas de lazer são controlados por uma rede de cambistas, e ninguém procura os guichês para a aquisição de entradas. O tráfico de entorpecentes, o comércio ilegal de cigarros e bebidas alcoólicas e a prostituição constituem a maior fonte de renda e está na origem da maioria dos assassinatos.

A cidade favelizou-se. Transformou-se num depósito de gente miserável, vivendo sob as pontes, viadutos e qualquer área livre. Até calçadas mais largas servem de locais para a construção de barracos, onde mora a maior parte da população da cidade ex-maravilhosa. A polícia, sem condições de manter a ordem, foi, aos poucos, cedendo lugar ao domínio dos bandidos, que impuseram sua lei.

Os abastados transferiram-se para a Barra da Tijuca e para a ampla Restinga da Marambaia. Vivem em condomínios particulares, que, por sua vez, são cercados como modernas cidades medievais. Altos muros de alvenaria, arame farpado e alarme eletrônico. Áreas superprotegidas com policiamento particular. Faz parte de qualquer condomínio, edifício ou propriedade particular, sofisticado equipamento eletrônico, além de cães terrivelmente ferozes, criados com a finalidade específica de atacar e matar qualquer intruso. O que não impede seus moradores de saírem para procurar drogas, sexo e outros tipos de distração nos antros de Copacabana, Ipanema, Leblon ou no centro da cidade.

Betinho de Ramos está inquieto. Não pára um instante, anda de um lado para o outro, entre seus auxiliares, que permanecem sentados em amplas poltronas forradas de pele de onça. O escritório do chefe situa-se no último andar de elevado edifício da GV (codinome para Avenida Getúlio Vargas) e tem visão ampla para todos os quadrantes da metrópole.

— Que está acontecendo? A remessa nunca demorou tanto para chegar. Luizão, fale com o controle de SP e informe-se.

Um dos auxiliares levanta-se e vai até o computador. Digita letras e números e em seguida informa ao chefe:

— A missão saiu de SP faz cinqüenta minutos. O jatinho leva quarenta para chegar aqui. Está com um atraso de vinte minutos.

— Entre em contato com Carol. Use qualquer meio que puder.

O mesmo indivíduo que estava no computador dirige-se a uma sala ao lado do escritório. Betinho pára de andar e um silêncio pesado cai entre os bandidos. Logo volta o funcionário com informações.

— Carol e a turma já estão no helicóptero. Chegam em dez minutos.

— Vamos para cima esperá-los.

Os homens sobem até o heliponto, situado no topo do edifício.

— Essa Carol é mesmo uma incompetente. Vou substituí-la depois desta missão. — Betinho fala mais para si mesmo, mas todos escutam, calados.

No helicóptero viajam Carol e o piloto. O compartimento de trás está cheio de grandes caixas de papelão, lacradas, com todo o aspecto de mercadoria legal. Ao descerem, são cercados pelos homens, que rapidamente retiram as caixas e as levam para baixo. Carol desce e abraça Betinho. Tenta beijá-lo, mas ele se esquiva.

— Por que o atraso? — pergunta asperamente.

— Burocracia de aeroportos. A polícia de SP está dificultando.

Não trocam mais palavras. Ela sente algo de hostil no ar. Será que ele desconfia de alguma coisa? Bem, isso logo veremos. Deixa ele esfriar a cabeça. Apanha a bolsa, que dependura no ombro, e sai.

— Segue ela. — Betinho determina a Luizão Careca, um de seus auxiliares, assim que a moça deixa o escritório. — Me dê notícias de todos os seus passos.

— Os bandidos estão cada vez mais atrevidos. Veja a mensagem que recebi esta manhã. — Santana passa o papel ao seu colega, Capitão César Calvados, Chefe da Polícia Unificada da cidade.

— Acho melhor rever seus projetos. Não contamos com força suficiente para enfrentar esses guerrilheiros urbanos. Essas áreas que você quer revitalizar são pontos essenciais para a distribuição de drogas. Os bandidos não vão abrir mão de seu domínio sobre a área. Quantos homens você tem em sua força-tarefa? — Pergunta o militar

— Tenho cerca de duzentos elementos, que posso mobilizar para defender as obras.

— É pouco. Não subestime o poder de fogo dos bandidos. E, de minha parte, não posso ajudá-lo muito. Meus homens já estão comprometidos com a vigilância da região da Barra e Mangaratiba. Mesmo porque, quando você acabar as reformas, imediatamente os bandidos irão retomar a posse dos locais recuperados.

A conversa entre os dois, mantida no gabinete do Chefe da Policia, é interrompida por um aviso da secretária:

— Capitão, está na hora da conferência eletrônica. O tema de hoje é a peste. — Ao pronunciar esta palavra, a secretária o fez com toda a reverência e o terror que cercava o assunto: uma terrível mortandade que grassava a cidade, de causas misteriosas, diagnóstico difícil e profilaxia inexistente.

— Diacho! — Exclamou Santana. — Também devo participar dessa conferência. Posso permanecer aqui?

Os dois altos funcionários do governo da cidade sentaram-se confortavelmente defronte ao telão que açambarca toda uma parede da sala e, cada qual de posse de seu microfone, entraram na conferência eletrônica..

A imagem era de um homem de tez escura. Moreno pela exposição ao ar livre e ao sol tropical. Falava o Doutor Armando Rocha, médico especialista em doenças tropicais, ramo no qual era autoridade mundial.

— Todos estamos sabendo da epidemia que grassa entre nossa população. Um mal terrível está atacando as pessoas, matando em poucas horas após a contaminação. Os sintomas são: dificuldade em respirar e aparecimento de manchas negras por todo o corpo. Já foi detectada uma toxina que causa a doença e a morte. Trata-se de algo absolutamente desconhecido de nossa ciência. São inofensivos cristais, um cloreto jamais registrado pelos nossos cientistas. Essa toxina, uma vez instalada no organismo, localiza-se nos pulmões e se infiltra na mucosa. Em poucas horas, os pulmões secam e perdem a capacidade de receber oxigênio e expelir o gás carbônico. O indivíduo atacado perde a faculdade de respirar. A morte é dolorosa e terrível, pois ocorre por asfixia. É, mal comparando, como um enfisema pulmonar galopante.

A figura do expositor cedeu lugar a uma série de outras imagens, de participantes da conferência, perguntando sobre as origens dos cristais, como são ingeridos ou se há antídotos.

— Nada sabemos da origem desses cristais. A epidemia está grassando em todas as camadas sociais, e principalmente entre os usuários de cocaína. Assim que a vítima morre, os pulmões se liquefazem e desaparecem todos os indícios dos cristais venenosos.

Santana salta de sua cadeira. Uma lembrança vem de súbito, qual relâmpago ou raio na tarde clara. Desliga seu microfone e comenta com o Chefe de Polícia.

— Meu departamento já teve contato com esse tipo de coisa. Lembro-me do relatório de uma expedição enviada ao Alto Amazonas, que reportou a existência de casos idênticos a esses relatados, entre índios de uma remota tribo que habita as margens do Rio Marañon, no sopé dos Andes.

— Mas, homem, então é relatar o que sabe ao Dr. Rocha.

— Antes, tenho de me certificar de que se trata da mesma coisa.

Assim dizendo, Santana sai quase num supetão, deixando o Chefe de polícia atônito e paralisado de surpresa.

Carol sempre teve o maior cuidado em manter secreto seu romance. Desde o início, quando conheceu Rogério, sabe que, mais cedo ou mais tarde, terá de fazer uma opção. Não poderá continuar sendo fiel ao chefe da gangue e, ao mesmo tempo, namorar o chefe do DCEco.

— Quero que você fique por perto. Vou precisar de seus serviços aqui no Rio. Suas viagens estão canceladas. — A ordem é de Betinho. Carol ouve sem responder. Ele está desconfiado de alguma coisa. Chegou a hora de dar o fora da organização.

Dirige-se, incontinenti, ao seu minúsculo apartamento, onde passa apenas algumas horas. Começa a vasculhar caixas, das quais vai tirando papéis, rasgando-os em seguida. Faz uma grande pilha de papel rasgado. Coloca dentro de uma lata, para queimar. Não posso deixar nada pra trás. Quando desaparecer daqui, ninguém mais vai saber de mim – nem de minha vida.

Lembra-se de como entrou na ambigüidade em que agora se encontra. Nascera e crescera ali no centro, nas proximidades da Praça 15. Do barraco onde fora criada via a chegada e saída dos barcos, cortando a baía, levando e trazendo gente de Niterói, Paquetá e outros locais do interior da Baía de Guanabara. A menina magra e desajeitada que fora se transformara numa bela mulher de corpo escultural. Sua beleza de ébano despertava a atenção de todos. Betinho de Ramos convocou-a para trabalhar com ele e logo se tornaram amantes. Trabalhou com afinco e cuidado em todos as etapas do tráfico de droga da organização. Inspirava confiança e vivia feliz. Até que, numa operação desastrada, fora apanhada pela polícia e conhecera Rogério, importante chefe de um departamento da cidade. Por interferência dele, ficou livre. A sedução amorosa do doutor Rogério transformou-a em espiã da polícia na quadrilha de Betinho.

Estou num beco sem saída. Betinho já desconfiou de tudo. — Ela sabe do poder e da crueldade de Betinho, Conhece sua maneira de agir: veloz como um gavião quando marca o alvo, terrível como uma jaguatirica ao abocanhar a presa, letal como uma cascavel ao atingir a vítima. — Vou desistir dessa vida desgraçada. Quero ficar mesmo é com Rogério.

Santana tem bons arquivos. Seu departamento tem importância primordial na resolução de todos os problemas da cidade, pois no desequilíbrio ecológico está a origem de quase tudo de anormal que ocorre. O dossiê PESTE-2030 foi organizado rapidamente, com dados atuais mais os registros obtidos numa pesquisa abrangente, bem como da pesquisa e da coleta de novas informações, as quais são passadas imediatamente ao cientista Armando Rocha.

O que se sabe é que a peste (ainda sem uma denominação específica) é disseminada através da cocaína. A droga que vem da Bolívia, Venezuela e Paraguai chega contaminada com uma toxina desconhecida, causadora da calcificação dos pulmões, ocasionando a morte em poucas horas após a introdução no organismo.

Tais sintomas são conhecidos, de longa data, numa região da Amazônia, ao pé dos Andes. Os pajés e feiticeiros da tribo dos Índios Flechas Negras conhecem uma planta arbustiva, uma praga das áreas desmatadas, que produz o terrível veneno que mata por asfixia. Na verdade, uma toxina letal, que endurece os alv[eolos pulmonares. A peste explode no Rio e em pouco mais de mês, atinge mortalmente 90% dos usuários de coca. A morte é terrível: a pessoa fica sem ar, como num ataque final de enfisema. Mata até mesmo os que usam a coca pela primeira vez, se esta estiver contaminada.

Santana não demorou a estabelecer a conexão dos cristais existentes na droga com a planta letal conhecida no Alto Amazonas. Trabalhando mais com a estatística do que com as análises e conclusões de laboratório, entrega os resultados de sua pesquisa ao cientista Armando Rocha.

O caos urbano que domina a cidade não é exceção no contexto mundial. Por todo o planeta as grandes cidades foram dominadas pelas gangues e quadrilhas de bandidos. Em função do aumento considerável do uso de drogas, principalmente a cocaína, o poder dos marginais chegou a níveis jamais imaginados.

As fontes de energia que impulsionaram o vertiginoso progresso tecnológico do século XX se esgotaram nos primeiros anos do terceiro milênio.As reservas mundiais de petróleo acabaram: os poços secaram por volta de 2020. O carvão mineral, usado para abastecer usinas termoelétricas acabou por completo em 2024, num ano de excessivo calor. A energia nuclear, que levou muitos governos do planeta a investir quantidades astronômicas de dinheiro na sua construção, mostrou-se vulnerável a vazamentos e defeitos irrecuperáveis. O problema do lixo radioativo tornou proibitivo o funcionamento das usinas nucleares, que foram desativadas. No ano em que eclodiu a PESTE não havia mais nenhuma usina nuclear em funcionamento. A água tornara-se escassa e estava racionada.

A crise social gerada por trabalhadores sem emprego é também mundial: milhões de pessoas vagueiam pelas metrópoles e pelos campos, famintas, doentes, morrendo nas ruas ou ao longo das estradas. A violência atingiu níveis inauditos. A polícia não chega mais às favelas e bairros dominados por gangues, bandidos, traficantes de drogas, controladores de jogos ilegais, fornecedores de água vendida no câmbio negro. Tumultos estouram diariamente em todos os lugares.

As principais fontes de energia e de água estão em poder das indústrias, corporações mundiais que sugam, com tentáculos poderosos, o que resta do planeta decrépito, em prol de uma pequena população de magnatas, administradores, a elite das elites.

Tumultos em todos os lugares. Transporte caro. Comida escassa. Água pouca. Energia elétrica disponível só para industrias e cidades. No campo, a miséria lembra a Idade Média do século II.

Com a disseminação da Peste. o consumo de cocaína caiu drasticamente. Os viciados morrem aos milhares, diminuindo a clientela. Os traficantes perdem renda e poder. O departamento sanitário consegue uma lei de emergência, que decreta a pena de morte para o traficante que for pego em flagrante. Os chefes de gangues perdem poder e os bandidos recuam para as favelas, deixando de dominar áreas da cidade, como o centro, e bairros de Sta. Tereza, Tijuca, e todos os bairros de classe média. Em poucos meses, a cidade se transforma num grande cemitério (ruas e praças são usadas para enterrar os mortos) e os miseráveis vagueiam entre cruzes e montes de terra.

Estou marcada para morrer. Tenho de fugir de qualquer jeito. Rogério vai me ajudar. — Desesperada, Carol toma providências para escapar do controle de Betinho de Ramos. Em seu minúsculo apartamento de quarto e cozinha, está rasgando e destruindo tudo o que possa comprometê-la no seu papel de dublê de informações para o poderoso traficante e para a Polícia Unificada. Depois de rasgar e queimar papéis, deletar números telefônicos de seu celular e de destruir seu passado, entra em contato com Rogério.

— Não saia daí, não saia para nada. — Rogério passa-lhe instruções em resposta ao pedido urgente de socorro. — Vou tomar algumas providências e comunico-me com você à tarde.

Do outro lado da rua, em um canto de uma sala abandonada, Luizão Careca ouve o diálogo através da clonagem feita no celular de Carol e passa ao chefe, de imediato, as informações sobre a ex-colaboradora.

Rogério tem recursos, informações e conhecimentos suficientes para elaborar um plano de fuga para Carol. Amigos e refúgios na Restinga de Marambaia manterão a preciosa informante a salvo da ameaça de seu ex-chefe do tráfico. Determina que uma das lanchas, a mais rápida da série de embarcações de seu departamento, esteja a postos às 22 horas, na nova marina ao lado esquerdo do Aeroporto da Pampulha, bem defronte ao antigo Museu Histórico, transformado em depósito de armas e munições das PU.

Ainda tenho de cuidar deste relatório que recebi de Manaus. — Numa maleta de couro estão muitas informações e diversos frascos com exemplares da planta que produz o misterioso cloreto da Peste. Sua intenção é verificar, ainda nesta noite, com detalhes as informações que passará ao Dr. Armando Rocha. — Tenho certeza de que aqui temos a solução para o problema.

Na tentativa de despistar seus seguidores — tem certeza de que está sendo vigiada de perto — Carol muda de refúgio diversas vezes durante o transcorrer do dia. Finalmente, abriga-se sob os escombros de uma ala destruída e jamais reconstruída da Biblioteca Nacional. Ninguém vai me encontrar aqui, tenho certeza. É um lugar muito ruim para qualquer pessoa ficar escondida, mas posso esperar até o anoitecer. — Acomoda-se como pode atrás de montes de entulho e caliça, sob a proteção de grossas peças de madeira que tornam o recinto seguro, apesar de sombrio e fétido.

A noite não interrompe o movimento intenso do aeroporto. O barco está há horas encostado no píer determinado por Rogério. Finalmente, entra em contato com Carol.

— Encontre-me na entrada da marina do aeroporto. Às 22 horas. — A lacônica mensagem é recebida por Carol, ao mesmo tempo que é ouvida por Luizão Careca e reportada a Betinho de Ramos.

Escondida pelas sombras da noite e correndo sob árvores e ruínas de edifícios abandonados, chega rapidamente ao local determinado. Vê o vulto esguio do amante, também ao abrigo de olhares curiosos.

— Me dê a mão, vamos por aqui. — Correndo, os dois vão por entre barcos e veleiros, até alcançarem o barco aprestado sob ordens do chefe da DCEco. — Depressa!

Na outra extremidade do aeroporto, escondidos entre as pedras à beira mar, três homens, em vestes escuras, montam um dispositivo para lançamento de foguetes de médio alcance — os terríveis FOMA, usados pelos bandidos em todas os confrontos com a polícia.

— OK, chefe, tá tudo pronto.

— Verifiquem a mira de raios infra-vermelhos. — Ordena o chefe, que é o próprio Betinho de Ramos, encarregando-se pessoalmente de finalizar aquela missão de extermínio.

— Não vamos perder aquela cadela de jeito nenhum.

Rogério e a tripulação do barco — apenas três experimentados homens — estão vigilantes, perscrutando, por sobre a baixa amurada e a escotilha, as margens do mar. Aviões passam por sobre a lancha, aterrissando ou decolando.

— Agora! Atirem!

O barulho ensurdecedor das aeronaves abafa o ruído do disparo do foguete, denunciado apenas por um pequeno clarão alaranjado. Girando rapidamente seu binóculo, Rogério imediatamente nota o ocorrido.

— Salte, Carol! — Pegando o pulso da moça, dá-lhe um puxão violento, ao mesmo tempo que salta, com ela, numa tentativa tardia de escapar.

O projétil atinge a lancha bem no centro. Voam estilhaços de metal e madeira, juntamente com corpos despedaçados de todos os que estavam a bordo. O clarão eleva-se sobre as ondas, formadas pela própria explosão, e desfaz-se num cogumelo de fogo e fumaça. Quando tudo se aquieta, apenas alguns pequenos destroços balançam-se nas águas do negro mar tranqüilo e oleoso.

ANTONIO ROQUE GOBBO

S.S.PARAISO = 29 DE JANEIRO DE 2004

CONTO # 267 DA SÉRIE MILISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 01/07/2014
Reeditado em 01/07/2014
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