Perdida- Força 2- Confiança- parte 1

FORÇA 2- CONFIANÇA

-Eu não te reconheço mais, Laisa! Não te reconheço mais!- Micaela desligou o celular na minha cara. Eu entendi o porquê de ela estar chateada. Era a terceira vez que eu adiava a nossa saída semanal. Sempre saíamos, tomávamos um sorvete, passávamos no shopping, paquerávamos, ou simplesmente ficávamos uma na casa da outra vendo filmes e falando de garotos. Um programa bem comum para duas amigas adolescentes. Mas desde que conhecera Peter e Verne, eu nunca mais havia saído com ela. Isso porque agora todo o meu tempo disponível era para ler e assistir os enormes documentários que Peter me mandava por e-mail, ou então rir com as palhaçadas de Verne, ou tentar concentrar minha atenção na meditação com os dois. Era estranha a forma como, de repente, eu havia confiado tanto naqueles dois caras dos quais eu pouco, quase nada, sabia. Mas, confiava. De um modo muito estranho, confiava.

Aquele dia que nos vimos na igreja foi o marco inicial para uma quase amizade com Peter e um profundo carinho por Verne. Verne é o tipo de pessoa que sempre te deixa à vontade. Tem um carinho extremamente confortante, é gentil, galante, super bem educado, e um gato. Literalmente, um gato. Todas as garotas que eu conheço concordariam comigo. E com o passar dos dias, ele foi se achegando a mim, conquistando o seu espaço. Quase todos os dias nos encontramos. Quando não nos encontramos, ele me liga, ou manda mensagem. É um perfeito cavalheiro. O que ainda me faz rir é ele me chamar de “mô bê” sempre que pode. Peter, aos poucos, perdeu aquela arrogância toda. Claro que ainda a preserva, percebi que se trata de sua personalidade, talvez (e só talvez) seja imutável. Porém, se tornou mais paciente e menos irônico comigo. Quando estamos à sós, consegue ser até carinhoso. Mas, quando estamos com Verne, guarda ainda a pose altiva e soberba que me faz sentir vontade de espanca-lo.

Percebi há dois dias uma conversa muito estranha entre os dois. Estávamos na casa de Peter (aliás, como sempre). Eu havia ido à cozinha buscar água, após uma hora de meditação, senti sede. Quando retornei, estavam os dois na biblioteca, e Verne parecia discutir com Peter.

-Você não vai contar à ela?

-Contar o quê, Verne? Não há nada para contar!

-Deixe de ser orgulhoso, você sabe que sim, precisa contar a ela... Tem medo que seja mais poderosa que você?

Poderosa? Eles estavam falando de mim? Que poder? Entrei na sala e perguntei sobre o que falavam, mas rapidamente Verne mudou de assunto. Fiquei tão desconfiada que nem a meditação funcionou mais. Eu não conseguia me concentrar em nada e Verne pareceu perceber do que se tratava e propôs que deixássemos para outro dia. Saímos da casa de Peter em direção ao jardim. Ele despediu-se, dizendo que tinha um livro para ler. Verne me acompanhou até a entrada do jardim, abrindo o portão para mim.

-Você não precisa preocupar-se, bê. Não é nada demais, não estávamos falando de você...

-Estavam sim, Verne. Aliás, vocês tem essa mania de me deixarem de fora! Quanto tempo tem que andamos juntos? Tenho feito meditação, lido e assistido tanta coisa, mas até agora nem você nem o Peter confiam em mim!

Verne sacudiu a cabeça, fazendo com que aqueles cachos dourados voassem harmonicamente.

-Eu confio em você sim, nós confiamos. Se não, não teríamos trazido-a para cá, não estaríamos lhe ensinando tantas coisas... Apenas, não há com o que preocupar-se.

Olhei fixamente para aqueles olhos esmeralda. Eu confiava em Verne, mais que em Peter. Mas, há uma semana minha vida dera um giro tão brusco que eu já não entendia mais nada do que acontecia ao meu redor. Peguei o meu capacete e a chave da moto no bolso da calça preta.

-Você me daria a honra de leva-la em casa?

Olhei para Verne e percebi que não estava brincando.

-Mas... Meu pai... Ele está em casa a essa hora...

-Algum problema ele me conhecer?

Pensei rápido. Verne era aparentemente um rapaz normal (bem mais normal que Peter, diga-se de passagem). Mas não sabia se meu pai engoliria a ideia de eu ter um amigo homem, ainda mais leva-lo em casa e ele pilotar a minha moto.

-Ora, vamos... Não vou sequestra-la!- Verne sorriu. Aquele sorriso era de matar qualquer uma de charme. Acabei cedendo, passando a chave para ele e também o capacete, mas ele me impediu- Nem pense nisso, o capacete vai na senhorita!

-Mas você vai pilotar! Se a polícia nos pega...

Verne parou, me olhou, olhou as chaves, e, erguendo a cabeça, sorriu.

-Ok, então. Você pilota! Vou ser seu passageiro!

Arregalei os olhos. Que homem faria isso? Normalmente são arrogantes, orgulhosos, querem guiar em tudo. Mas, eu já deveria estar acostumada, Verne era completamente diferente dos outros homens que eu conhecia.

Tomei a chave da mão dele, montei e sorri para ele, acenando com a cabeça que me seguisse. Rapidamente, ele aprumou o corpo atrás de mim, enlaçando-me pela cintura, mais apertado do que o necessário. Um leve arrepio correu minhas costas ao sentir a leve pressão dos dedos dele em minha barriga. Dei um sorrisinho sem graça.

-Segure-se!- avisei-o, e arranquei com a moto.

Vinte minutos depois, descíamos em frente à minha casa. Amarrei os cabelos com um elástico fino enquanto Verne tentava por em ordem os cachos pelo retrovisor da moto. Eu estava estranhamente nervosa. Girei a chave na maçaneta e convidei-o a entrar. Verne elogiou o hall de entrada, impecavelmente arrumado e limpo graças a Sara, nossa secretária do lar (como diria o meu pai).

-Pai?- gritei, torcendo que ele não estivesse em casa.

-Na cozinha, Lay.- respondeu-me a voz grave, vindo através da sala de jantar. Engoli em seco. Chamei Verne e entramos.

-Oi pai...

Ele estava cortando algumas verduras, provavelmente iria fazer sua famosa sopa de cebola que eu odiava.

-Isso são horas, Lay? Já estava ficando preocupado!

Senti o rosto queimar. Meu pai não havia percebido a presença de Verne.

-Culpa minha!- Ouvi a voz suave de Verne atrás de mim e dei um pulinho discreto de susto, virando-me para ele. Meu pai, imediatamente, ergueu a cabeça e, por cima dos óculos, olhou Verne de cima a baixo. Verne apenas sorriu- Boa tarde quase noite!

-Pai, este é Verne, é meu amigo...

-Boa noite, senhor...

Só então lembrei que nunca havia dito a ele o nome do meu pai.

-Maxwell.- meu pai apresentou-se e, secando as mãos no pano e prato sobre o balcão, estendeu a mão direita, que Verne apertou com firmeza, sempre sorrindo, amigavelmente. Meu pai continuava sério, e me olhava como se dissesse “vamos ter uma conversa depois”. Senti-me com dez anos de idade, como se tivesse feito algo errado.

Passado o leve torpor da apresentação, meu pai passou a conversar amigavelmente com Verne e comigo, convidando-o a sentar-se num antigo sofá de bambu perto do balcão. Sentei-me com ele e Ágata, folgada como ela só, veio logo juntar-se à nós, pedindo colo. Meu pai questionou o nome Verne e, por causa do seu gosto por literatura, logo estava mais solto e até rindo.

-A conversa está ótima, Max. Mas preciso ir!- Verne levantou-se- Vim apenas me certificar que Laisa chegaria bem!

Meu pai despediu-se dele convidando-o a aparecer mais vezes e levou-nos até a sala. Olhei para ele antes de sair, meio que pedindo permissão para levar Verne lá fora. Meu pai ergueu uma das sobrancelhas e virou-se voltando à sua sopa horrorosa de cebola.

-Seu pai é uma figura!

-Me trata como se eu fosse um bebê!- cruzei os braços sobre o peito e Verne sorriu.

-Normal... Foi um golpe para ele perder a filha mais velha, agora, ele só tem à você, tem mesmo que cuidar!

-Você está dando razão ao meu pai? Jura?

Verne riu, fazendo surgir em seu rosto aquelas covinhas charmosas.

-Não, bê. Não o estou defendendo. Apenas, sei que ele só quer o seu bem, menina boba!- ele me segurou pelos braços, beijando minha testa.

-Humm... Sei...

Verne me abraçou pelos ombros, caminhamos alguns passos até o portão de minha casa.

-Você vai à pé? Não gosto disso. Não é longe até sua casa? Aliás, onde é sua casa?

-Quantas perguntas!- ele sorriu- Não se preocupe, pego um táxi.

-Não! Eu te levo, vem...

-Nem pense! Seu pai se irritaria e eu não quero isso!

-Falo com ele! Vem!- puxei-o pelo braço. Só depois de muita insistência, ele resolveu aceitar. Entrei em casa correndo para falar com meu pai que, depois de eu prometer uma série de coisas, me deixou ir leva-lo.

Rodamos por quase meia hora até um bairro mais afastado do centro da cidade, onde eu moro. A rua era pacata, poucas casas, mas muito organizada e iluminada. Eram quase sete da noite quando Verne desceu da moto, em frente a um portão cinza escuro de ferro.

-Vem!

-Não! Você não ouviu a série de recomendações do meu pai? Se eu demorar, ele baixa aqui com o exército!

Verne sorriu.

-Não senhorita. Vem, quero que conheça a minha casa e a minha mãe.

Ele tinha uma mãe? Parece tosco perguntar isso, mas é que eu nada sabia sobre eles.

-Não, Verne, prometo-lhe que venho outro dia, hoje não dá...

Ele me olhou ternamente que me fez sentir culpada.

-Não me olhe assim...

-Está bem, bê- Verne suspirou- Pode pelo menos descer para nos despedirmos?

Milene Gomes
Enviado por Milene Gomes em 13/06/2014
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