O Dragão Invisível
Era uma vez uma aldeia pobre chamada Findafé. As lendas diziam que nas montanhas próximas havia uma caverna onde morava um dragão terrível. Quem o olhasse de frente, ficava tão triste que acabava morrendo, e esse dragão seria o motivo da pobreza dos cidadãos findafeenses.
Os moradores antigos da aldeia foram ficando velhos e morrendo, e a história foi virando lenda, e por fim virou piada. Os anos se passaram e nenhum findafeense tinha visto o tal dragão, nem tinha falado com algum dos antepassados que afirmasse conhecer quem tivesse visto o dragão e morrido. Assim, as pessoas passaram a acreditar que o monstro não passava de uma lenda e que nem mesmo a caverna existia nas montanhas. E assim levavam a vida sem se importar com o dragão, e também não tinham esperança de ver um dia a prosperidade em Findafé. Ninguém sabia dizer porque.
Muitos cidadãos findafeenses tinham pesadelos com o tal dragão, mas ninguém comentava nada, com medo de passar por ridículo. Dessa forma, ninguém sabia que as pessoas tinham tais pesadelos, e cada um guardava a sua tristeza para si.
Nessa aldeia nasceu um menino, batizado Andréas, e ele desde muito pequeno tinha pesadelos com a história do dragão. Quando aprendeu a ler, leu todas as histórias e lendas sobre dragões. Quando cresceu, foi estudar na cidade grande e se tornou um homem culto. Ao retornar para a terra natal, os aldeões acreditavam que Andréas haveria de se tornar o administrador da aldeia, influente empreendedor e representante político, salvando Findafé da pobreza. Mas Andréas na verdade estava mais preocupado em desvendar o mistério dos pesadelos com o dragão.
Um dia resolveu procurar a caverna. Destemido, avançou pela floresta até as montanhas. A noite chegou e Andréas não voltou. Seus parentes ficaram preocupados. No dia seguinte ele retornou, caminhando devagar, cabeça baixa. Os aldeões correram até ele para saber o que havia acontecido, mas ele parecia doente e não queria falar. Os dias se passaram e Andréas ficava cada vez mais triste. Não queria mais trabalhar, não falava, não comia direito. Quando lhe perguntavam sobre o dragão, não dizia coisa com coisa:
— O dragão é a desesperança! O dragão não existe, mas sua presença é mortal. O dragão é o nada. É o espelho que o mantém vivo. A esperança é uma bobagem, mas é ela que nos mantém vivos; por isso ela não é uma bobagem.
"Coitado. Ficou biruta de tanto estudar Filosofia" – comentavam os aldeões. Para ajudá-lo, chamaram um padre benzedor. O padre benzeu, mas tudo ficou igual. Chamaram um médico especialista em loucura. O médico receitou um monte de comprimidos, que não fizeram efeito. Chamaram uma feiticeira. A feiticeira olhou Andréas, persignou-se e saiu de fininho murmurando preces e esconjuros.
Um dia uma criança aproximou-se de Andréas e começou a conversar com ele, sem se importar com o mau humor do pobre homem.
— Como é o dragão? – perguntou a criança.
— Não existe nenhum dragão. Só tem um espelho no fundo da caverna.
— Como você tem certeza?
— Porque eu vi.
— E que jeito ele tem?
— Não dá pra saber, ele é invisível. Só vendo pra entender.
— Mas se ele não existe, ou se é invisível, como se pode vê-lo?
— Olhando no espelho. Perdendo a esperança. E depois a gente fica doente e morre.
— Então por que você não quebra o espelho? - disse a criança.
Vendo o sorriso ingênuo da criança, Andréas balançou a cabeça, mas logo percebeu que ela estava repleta de razão. E reacendeu-se nele a esperança de derrotar o dragão e recuperar a alegria de viver.
— Você está certa, minha criança. Eu vou matar o dragão agora mesmo.
— Ôba! Posso ir junto?
— Claro que não! Fica aí até eu voltar.
Andréas disse isso e foi buscar uma marreta. Sem falar mais nada, pôs-se a caminho das montanhas. Os aldeões ficaram olhando, certos de que ele havia pirado de vez. Ficaram ainda mais preocupados quando a noite veio e Andréas não voltou. Mas na manhã seguinte ele estava de volta, trazendo a marreta, um saco cheio de cacos de vidro de espelho e um belo sorriso no rosto.
— Cidadãos de Findafé! O dragão está morto, e aqui está a prova.
Todos correram para ver, e ele despejou no chão os cacos de vidro de espelho, dizendo:
— Como podem ver, o meu dragão era eu mesmo.
— Onde estava esse espelho? – perguntaram.
— No fundo de uma caverna imensa e escura – respondeu.
Os cidadãos se olharam e balançaram a cabeça. O coitado estava completamente matusquela, murmuravam.
No entanto, a criança (lembram dela, alguns parágrafos atrás?) a criança pegou um caco de vidro, olhou bem e viu refletido no espelho um inofensivo dragãozinho se mexendo. As pessoas, curiosas, foram olhar também, e verificaram que cada caco tinha um dragãozinho pequenino, que não metia medo em ninguém.
Depois desse dia Andréas voltou a ser alegre, trabalhador, estudioso. Ele havia vencido o derrotado o dragão e não tinha mais pesadelos. Cheio de otimismo, propôs mudar o nome da aldeia para Lindafé, em lugar de Findafé, e seu otimismo contaminou os lindafeenses, que recuperaram a esperança de prosperar e puseram-se a trabalhar com mais ânimo. Muitos fizeram o mesmo que ele: foram procurar a caverna e derrotaram seus próprios dragões. E assim todos foram felizes para sempre.