LOBO EM TRÊS TEMPOS - A Adah
NA MADRUGADA DE 14 DE MAIO DE 2014
Texto de 11 de junho de 2008
Era uma vez um lobo bem no centro de floresta distante, lobo sonhador cujo passatempo favorito era tocar violino. Quando seus longos braços enlaçavam o instrumento, vinham-lhe imagens múltiplas, dentre as quais avultava a de garota de chapeuzinho vermelho: primeiro acorde, em Sol Maior. As notas então prosseguiam, traçando arabescos através do bosque, perseguindo o chapeuzinho e as borboletas até a casinha nos confins da linha do horizonte. Diante da janela, podia-se ver a silhueta de velhinha sossegada, à espera, alheia ao rumor dos caçadores à procura de suas presas.
Era um lobo sonhador, que gostava de uivar enquanto tocava. Seu uivo era o contraponto necessário à placidez da música, bem na hora do pôr-do-sol. Seu uivo era a dor de alguém sendo devorado pelo próprio sonho, sonho muito antigo no centro de uma floresta distante.
O vitral se estilhaça desnudando lá fora, a paisagem de neve. Ele corre, tenta fugir, a paisagem o persegue. Os pés gelados, o violino perdido, os fragmentos das figuras no vitral.
Senta-se calmamente na mesma poltrona de ontem, de sempre. Os livros nas estantes. O cachimbo. A figura antiga no retrato, a figura da dama antiga, com seu pitoresco chapéu vermelho. Fecha os olhos, evocando. Todas as outras imagens estão perdidas. Olha o gato persa a dormir sobre o tapete.
A mulher chega à janela. A noite que se aprofunda vai espalhando, ao longo das avenidas, a dor infinita do uivo que lhe sai da garganta.
Abraço grande, amiga. Te ofereci este texto porque sei que amas a figura dos lobos, o lobo é um dos teus animais de interiorização. Coloco este adendo para esclarecer a Kathleen e a outros leitores que possam ficar intrigados, também.
REPUBLICAÇÃO.