O menino e a magia da noite.
Mal o sol raiava e a mãe o tirava da cama com um sorriso e toda feliz. Pra ela o despertar de um novo dia era um tesouro, mas para o menino era um tormento.
Ele já acordava com aquele nó na garganta com aquela vontade de chorar porque queria dormir mais, mas não podia falar isso senão viria um sermão daqueles ou talvez uma surra. Dormir era coisa de gente preguiçosa, e um camponês não deve ser preguiçoso.
O garotinho levantava com a maior má vontade do mundo, mas claro, sorria pra não ter que aguentar o falatório. Como ele odiava aquele galo cantando e os passarinhos também. Como era horrível ver as estrelas irem embora e o céu clarear em cores lindas. O céu era lindo mas o amanhecer era horrível.
Ele tomava o café ouvindo o cantar sua mãe cantar uma daquelas canções antigas, pronto, isso piorava as coisas. Agora o irmão mas velho era o máximo, era o orgulho da mamãe, ele sim acordava antes de todos, não precisava chamar. Madrugava com gosto. Isso era que fazia o pequeno pior, as comparações, o outro era sempre melhor porque não era preguiçoso, acordava cedo...
O dia passava como um pesadelo com aquele sol quente, aquela enxada pesada pra mãos tão pequenas. Aquele suor que não parava de brotar da testa e aquele trabalho sem fim... E aquele trabalho duro, insuportável não rendia quase nada para a família. Era quase em vão e o pequeno não entendia o porque se perguntasse a resposta era porque ele era preguiçoso.
Mas quando o sol se punha, o sorriso do garoto se abria. Ah! Como ele amava a noite. Como ela lhe fazia bem... Ele ficava horas olhando a lua, as estrelas e as luzes do castelo longe lá na montanha. A noite lhe repunha forças, ali sim ele tinha vontade de fazer tudo. A terrível preguiça que a mãe dizia tomar conta dele sumia... Mas ninguém via isso. Porque a mãe achava a noite perigosa e traiçoeira, o irmão só queria saber de dormir e o garotinho era sempre o errado.
Quantas vezes já ficou de castigo apenas por estar observando a lua no sereno frio. Castigo porque perdia o sono, castigo por gostar da noite... E lá vinha outro sermão. E ele tinha que se deitar, se cobrir e ficar lá no escuro ouvindo os roncos de porco do mais velho... E no escuro ficava a observar pelas frestas da janela o brilho das estrelas.
Um dia quando viu que a mãe e o irmão dormiam ele saiu e se sentou lá fora e ficou sorrindo vendo a lua e sentindo aquele ar frio. Quando percebeu que as estrelas pareciam descer do céu. Ele não ficou assustado, ficou maravilhado. Elas vieram ao seu encontro, mas não era estrelas eram pequenas fadas.
O garoto se levantou e elas brincaram com ele ele, envolta dele e a risada do menino as fazia mais brilhantes. Elas faziam gestos com as mãos para que ele as seguisse. E o menino olhando sua casa não pensou duas vezes começou a correr rumo à floresta com as fadas...
Ele corria tão feliz que não percebia que seus pés já não tocavam mais o chão. Ele podia voar, a sua risada o fazia ir mais longe, mais alto. A felicidade agora tomou conta do menino. Ele descobriu o gosto da liberdade. O menino abria os braços e se perdia naquela imensidão da noite.
Olhava pra cima e ficava boquiaberto com o brilho das estrelas. Era tão fantástico que ele não conseguia descrever, era tão lindo que não podia ser escrito. Ele estendia as mãozinhas e tentava pegar aquele brilho, aquela luz. Aquilo era pura beleza, pura felicidade, o brilho intenso não era o terror que a mãe lhe ensinara da noite. Ele tinha razão, a noite era linda.
Olhando pra baixo ele via fogueiras na floresta escura. E do alto aquilo também era lindo. Via feiticeiras dançando em roda. Via caçadores contando histórias. Cavaleiros bebendo com amigos. O menino viu que havia felicidade na noite e pessoas que gostavam dela.
E ele voou sobre a vila e viu que ali a noite não tinha fim... Os padeiros já trabalhavam. Muitas pessoas estavam em festas lá. Casamentos, aniversários... Era tanta coisa pra ele descobrir.
O castelo então era todo iluminado. As tochas que faziam sombras enormes nas paredes era simplesmente encantadoras. A noite não era só trevas, a noite era pura luz.
O menino estava tão extasiado que até se esquecera das fadas. Elas envolta dele o tempo todo o chamaram pra baixo. Ele se entristeceu por ter que parar de voar. E elas mostravam pra ele que o sol já estava vindo.
Quando voltaram para sua casa o menino ficou calado, não sorria mais... Mas as fadas lhe deram um papel e uma pena e pediram pra que ele escrevesse tudo que sentiu e viu. Ele assim o fez quando acabou elas pegaram o papel e desapareceram no ar.
A mãe abriu a porta e o viu lá fora. Ele já pressentia uma surra, mas ganhou um abraço. A mulher estava orgulhosa do menino ter acordado cedo, ter tido uma atitude de homem, de trabalhador... O menino não disse nada.
O dia se passou e o garoto estava já morto de cansaço quando viu uma comitiva real chegar a sua casa. A mãe, o irmão mais velho se assustaram demais. O menino não, estava tão cansado que não queria saber de nada.
Da carruagem saiu a princesa com um papel na mão. Ela conversou com a mãe e se dirigiu ao garotinho:
- Foi você quem escreveu todos esses textos?
O menino sem coragem de responder, não por causa da presença da princesa, mas por medo da mãe apenas concordou com a cabeça.
- Você tem alma de poeta. Foi a coisa mais linda que já li. Você tem que continuar...
A mãe achou um absurdo aquilo tudo mas ao ver o saco de ouro que a princesa lhe ofereceu começou a mudar de ideia. Não totalmente, ela achava que aquilo tudo era vadiagem, que o menino deveria era continuar no cabo da enxada. Mas ela não podia ir contra uma ordem real.
Então o menino foi para o castelo e lá as fadas lhe revelaram que não são todos os mortais que amam a noite como ele, que muitos não o entenderiam pois são poucos com alma de artista no mundo. Mas esses poucos é que levam a magia dos sonhos aos outros... Os que tem esse tipo alma tem o dom da lágrima e do sorriso e que mesmo que as formigas trabalhem o tempo todo não conseguiram viver a seu trabalho árduo sem a melodia do canto das cigarras.
E o menino viveu da noite e escreveu toda sua magia para encantar aquelas almas que precisavam do alívio da arte para sobreviver durante o dia.