De passagem
 
As imagens se amontoam e se distinguem. A pequena cidade vai se mostrando insinuante, doa-se, ou exibe-se, ou simplesmente se deixa ser como é: crua a olhos nus. E em mim, intensa vontade de descer do carro para povoá-la. Fugir na sua fuga pequena, distante, rural. Penso em lambuzar-me no pequeno povoado e, quem sabe, conseguir ser grande ao ser eu mesmo. Mas o carro segue sem parar, sem me dar a chance de pertencer ao singelo lugar. No entanto, anseio ficar, ser integrante da calma vida local. E o carro não para, vai me roubando de onde não sou, tira-me o aquilo que não tenho, apenas sinto, aspiro, ingiro como verdade; verdade que me envenena através da força do meu sentir. E, ao desviar meu olhar num retorno real, aprecio ao longe o pôr do sol no entardecer; um sol grande, vasto, luminoso, vermelho/amarelo, indefinível, instigante, e, percebo que a minúscula cidadezinha já fugiu, sumiu, foi-se e que o sol que se despede do dia é a certeza de que eu perdi a pequena cidade de ruelas de chão de barro, de árvores sobreiras dentre escassas moradias onde uma mulher sentada em frente a uma casa, bordava, e tecia fios entre os dedos; eram fios que formavam estruturas e outras estruturas se formam aqui no meu cerne, nesse eu que o carro já leva longe, quando a luz da noite já impede minha visão do distante, e, só em mim às imagens continuam vivas, ativas, eternizadas no meu respirar... E a estrada se abre noutras fotografias, e o ar puro me exala, faz meu corpo quase flutuar. Sinceramente flutuo! Alcanço outros horizontes, consigo girar as chaves e libertar-me. Posiciono a cabeça fora do carro e sou tão intenso quanto o lugar. O clima natural encobre-me e alguma leveza toma conta de mim e me rouba da realidade, e é tão bom, tão possível, tão além, que me perco me encontrando, e como é leve se encontrar! Sair de si, destruir, apagar equívocos, imperfeiçoes, sem empecilhos, sem medo do instante presente e talvez o seguinte... Devagar a noite segue, a vida prossegue, o vento toca minha pele e, eu, nem sei onde estou. Só sei que é bom - muito bom estar neste lugar indescritível; indescritível e irreconhecível lugar...
Valdon Nez
Enviado por Valdon Nez em 12/04/2014
Reeditado em 19/10/2020
Código do texto: T4765693
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