A moça de vestido branco.

Ela era linda, cabelos cacheados, castanhos, brilhantes e meio bagunçados. Sua pele aveludada e rosada; a maciez parecia derreter-se diante dos olhares acalorados.

Ela usava um vestido branco, esvoaçante, um pouco rendado. Era na verdade perolado, lindo... fora da realidade local. A cidade era poerenta e de terra vermelha. Não tinha ruas asfaltadas, era quase rural. As pessoas dali se conheciam todos, e por isso, caso a beleza da moça não bastasse, e bastaria diga-se; estranhavam a presença dela.

Ela estava calçando sapatinhos fechados de saltos baixos, também perolados, e vestia finas meias brancas. Ela caminhava como se flutuasse sobre uma poltrona. Sim por incrível que isso possa parecer, ela caminhava assentada sobre uma poltrona invisível. Suas longas pernas cruzadas em elegante pose.

Carregava em suas mãos uma sombrinha delicada, de tecido transparente, fina e romântica, para a proteger do sol forte. Então em contraste com as pessoas suadas e calorentas da vila, ela pairava suave, leve e fresca sobre a rua de grama morta entre as marcas deixadas pelas rodas dos poucos carros que por ali passavam.

Ela ia olhando as casas, os terrenos e as vacas e galinhas... As pessoas que a olhavam pelo cantos dos olhos, não a reconheciam, mas ela vivera ali tempos atrás. E quando passou por onde deveria estar sua antiga casa, uma onda de tristeza a tomou. A casa de madeira que o pai orgulhosamente erguera, já não mais existia. Em seu lugar o mato tomava conta. E a escuridão repentina toldou-lhe os olhos. Tentou avistar pelo menos a marca de onde a casa estivera, uma sobra qualquer da antiga construção, mas o mato tomara conta por completo. Avistou mais abaixo o riacho de onde a mãe tirava água, mas não havia nem sinal da passagem deles por ali.

Aquele lugar era tão miserável que ao contrário dos outros lugares que conhecia, ao invés de crescer diminuía.

De repente a poltrona sumiu de sob si, e ela se deu conta de que era mortal, de que tinha dois pés e que precisava usá-los como todos os outros. Também se deu conta de que descera muito, já estava longe da cerca de arame que parcamente fechava a propriedade que fora de seu pai.

E não sabe como, mas deixara a sombrinha lá atrás. Ainda mais essa, além da tristeza que sentia, por nem mesmo a velha casa que morou com os pais existir, ainda teria que colocar os pés no chão e caminhar sobre pedras e terra para buscar a sombrinha. Toda a leveza que sentia, se foi. Estava exposta, vulnerável e tímida. As pessoas pareciam segurar o riso.

Mas ainda sob o efeito da presença estranha, afastavam-se solidárias para que ela passasse. Era uma solidariedade respeitosa, mas a moça não sentia isso. Para ela, eles zombavam de sua normalidade, de sua necessidade de pisar o mesmo chão sujo que eles.

Ela caminhou devagar, tentando parecer firme, enquanto subia o caminho de volta a procura da sombrinha.

Uma moça passou por ela, carregando muitas coisas e a ela pareceu que sua sombrinha preciosa e linda estava fechada e escondida entre seus pertences. Mas não se atreveu a perguntar, continuou andando, e uma outra pessoa lhe disse que sua sombrinha ficara lá atrás. Bem em frente as terras que fora de seus pais. E realmente a sombrinha estava lá. Ela nem percebera que a fechara e a encostara ali. O choque que sentiu foi tão forte ao ver que tudo estava deserto e abandonado, que se desligou do mundo real. Ela era assim mesmo. Se desligava de tudo a sua volta quando se sentia acuada ou com medo.

Pegou a sombrinha e abriu, para constatar que estava toda destruída. Não abria mais direito, pendia torta para um lado. Estava toda enferrujada e rasgada. Parecia ter se passado anos entre o tempo que a deixara. Mas ela sabia que haviam sido poucos segundos. Ela tornou a fechar a sombrinha, e juntando o pouco de dignidade que tinha, desceu a rua de terra sob o olhar de pena das pessoas. Elas meio que riam dela, ela sabia disso. E isso a incomodava muito. Ela nunca quisera ser esse ser diáfano e estranho que eles imaginavam que ela fosse, mas gostava mais quando temiam -na por sua beleza surreal, odiava esse olhar de pena quando constavam sua humanidade perene.

Rosahoney
Enviado por Rosahoney em 01/04/2014
Reeditado em 01/04/2014
Código do texto: T4751883
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