Por que é que nos criastes?
De tanta vida que ardia no peito dos homens impotentes, mergulhados em dores latentes que a mesma lhes infligia, levantaram seus cansados braços aos céus e apostrofaram aos deuses invisíveis - Ó, Deuses soberanos, que vivem na paz misericordiosa, que criastes anjos perfeitos para viveram em suas glórias, por que é que nos criastes, seres mortais doentes, para viver sob a cólera das dores da existência?
Na imensidão astral pairava um silêncio absoluto, as estrelas cristalinas pareciam cintilar com pesar, e a lua, lívida e triste, tomava as dores dos homens derramando sua eloquência lacrimal na face muda daqueles infelizes moribundos.
- Deuses, ouçam as súplicas dos teus filhos malditos, rogamos infelizes pelo destino que nos confiastes. Clamamos em prantos, de corações dilacerados, tristes e desolados, na esperança de uma resposta que anime a vida que em nosso peito queima. Por que é que nos criastes para uma existência de dor, ilusão, lutas horríveis num turbilhão cruel e delirante?
Como resposta receberam apenas o lamento angustiante dos ventos uivantes. O mar, com sua voz rouca, murmurava nas ondas que se quebravam na encosta, sublime como a nota obscura, eterna, que vibra no mistério infindo. A natureza se agitava, parecia querer responder aos pobres homens a pergunta que os acabrunhava.
- Não seria melhor – gritou um dos homens – ter-nos deixado dormir na quietude abissal do nada, na paz clemente do que ainda não existe? Por que é que nos criastes?
Suspiraram os homens no terror do silêncio absoluto. Caídos em desesperança lançaram aos céus, com suas últimas forças, mais uma vez a pergunta.
- Deuses, senhores de toda existência, responda-nos pelo menos por que temos de sofrer tanto? Suplicamos, Ó, Deuses.
E então se fez um silêncio que emudeceu todo o universo. O vento soprava, mas não tinha som, as ondas do mar se aquietaram lentamente. Os homens falavam, mas suas vozes não saiam. Então rugiu uma voz nos confins do universo:
- Ó, homens infelizes, seres mortais criadores da tristeza infinita, clamam suas chagas a nós Deuses com que direito? – explodiu uma voz regada de uma tristeza infinda, abalando as estruturas universais. Daquela voz uma dor infinitamente dilacerante fluía desesperadamente, entrando nos corações dos homens e os enlouquecendo instantaneamente.
- Diferentes de vocês, que padecem no leito de morte, nós, Deuses, que existimos pela falência de vossas desgraçadas crenças, seremos infelizes eternamente. Por que, miseráveis seres, por que é que nos criastes?