A morte da Estrela

A morte da Estrela

Ela desfilava garbosamente pelo infinito céu azul escuro. Sentia-se grandiosa, onipotente. Olhava para as pequeninas criaturas noturnas que buliam ora aqui, ora ali. Observou os fugazes e tão atrasados seres que viviam naquela imensa bola azul. Eles eram diferentes de todos os demais que ela já havia visto em suas andanças por outras galáxias e outras dimensões. Eles pareciam tão absortos em seus afazeres. Corriam como formigas. Mal se cumprimentavam.

A Estrela debruçou-se por sobre um rabo de nuvem e parou ali, absorta na realidade dos humanos. Até que um deles lhe chamou a atenção. Parecia diferente. Seus olhinhos brilharam ao ver a estrela que ele carregava no peito. Seus passos eram mais firmes. Havia um tom irônico no sorriso que ele trazia, como se soubesse de um grande segredo. Curiosa com aquela criatura, a estrela resolveu chegar-se mais perto.

Todos os dias, ele estava lá. Azia mil coisas. Dia e noite, quase não parava. Sumia umas três ou quatro horas, possivelmente quando ia dormir. E a Estrela o acompanhava onde ia. Noite e dia. Viu-o ajudar pessoas. Viu-o socorrer animais. viu-o usar dons especiais. Viu-o fazer crianças sorrirem surpresas. Viu-o desenhar as coisas da natureza. A estrela, de sua solidão celeste, já não continha a vontade de vê-lo. E a cada dia, mais se encantava. Mais se aproximava. Queria mostrar-se à ele. Mas, podia? Será que era permitido?

Uma noite, quando a lua não apareceu e as demais estrelas estavam ocupadas demais em um baile no céu, a Estrela resolveu chamar sua atenção. Buscou um cantinho do céu onde não haviam nuvens e com toda a força que tinha, brilhou. Brilhou com tamanha luz que o humano, lá embaixo, a notou. Os olhos dele se ergueram ao céu, àquela imensidão escura, buscando entender como aquela estrela surgira tão de repente. Ele a viu. Sorriu para a Estrela. E ela se aproximou dele.

A princípio teve medo de se aproximar. Não sabia do que ele era capaz. Já tinha visto os humanos cometerem loucuras contra eles mesmos.

-De onde vens?- ele perguntou.

A Estrela então contou-lhe sobre tudo o que já tinha visto, lugares por onde havia passado, pessoas e seres de todos os tipos, galáxias que ele nunca havia sequer imaginado. Conversaram horas a fio até sentirem os primeiros raios de sol. A Estrela começou a despedir-se.

-Ah, tu vais embora?

-Não! Estarei aqui o tempo todo. Você não me verá, mas estarei aqui.

Dias se passaram. E todas as noites, ela a Estrela descia para conversar com ele. Já não passavam sem o outro. Apaixonaram-se. Por todos os planetas por onde ela havia passado, Estrela nunca encontrara um ser como aquele. Ele se encantava com o brilho da Estrela e com toda a sua sabedoria e graça.

Uma noite, Estrela não apareceu. Ele, tristonho e preocupado, passou toda a madrugada ao relento, esperando vê-la. Mas ela não veio. Nem na noite seguinte. Nem na outra. Nem na outra. Ele já não a via nem mesmo à distância. Ficou pesaroso. O coração entristeceu. Abandonou os pincéis. Não saía mais de casa. E todas as noites, estendia o olhar ao céu buscando a Estrela.

Muito tempo depois, ele adoeceu. Estava à beira da morte. Não podia sair da cama. Pediu à sua cuidadora que deixasse a janela aberta. Ela retrucou que o vento frio o deixaria mal. Mas tanto ele insistiu, que a mulher acabou cedendo. Pela grade da janela, ele olhava o céu em busca dela, de Estrela. Porque ela havia sumido? Porque o deixara ali para morrer?

Fechou os olhos e sentiu uma lágrima quente lhe escorrer pelo rosto. Um calor de repente se apoderou dele, do quarto inteiro. Era como se houvessem acendido uma fogueira ali dentro. Ele abriu os olhos e a viu. Dentro do seu quarto, Estrela emanava luz. Seu contorno brilhava tanto que chegava a incomodar os olhos dele. Ele sorriu, triste.

-Porque você se foi?

Então, sentada ao seu lado, ela lhe contou. Seu amor fora proibido. Ela havia sido condenada por se revelar a um mortal, um mero humano. Fora encarcerada. Havia fugido para vê-lo, mas sofreria um castigo por isso. Seus olhinhos brilhantes estavam cheios de lágrimas quando debruçou-se sobre ele e lhe deu um beijo iluminado. O calor dos lábios da Estrela quase queimaram sua pele, mas ele sorriu e a agarrou. Não queria que ela partisse. De repente, percebeu que ela estava se apagando. Seu brilho diminuía e mesmo o quarto escurecia e se esfriava. Viu-a perder a cor e a luz e cair sobre o seu corpo, diminuindo aos poucos.

Ele tentou reanima-la. Estrela ergueu o olhar e disse-lhe:

-Era esta a punição se eu voltasse a vê-lo. A morte...

Ele ergueu-se num último esforço e a abraçou como pode. Apertou-a em seus braços vendo-a diminuir e apagar-se. Sentiu as lágrimas escorrerem pelo seu rosto.

Horas depois, entrando no quarto, a cuidadora observou com surpresa, o corpo imóvel dele. Seu rosto e suas mãos brilhavam como as estrelas do céu. Chegou-se para perto para cobri-lo e entender o que era aquilo, quando percebeu que seu coração já não batia. Um forte vento entrou pela janela do quarto, sacudindo as cortinas e batendo com força a porta. Uma poeira luminosa encheu o ambiente, elevando o corpo dele, envolvendo-o num manto ofuscante como uma brasa. A cuidadora soltou um pequeno grito de pavor ao vê-lo diminuir até desaparecer, deixando pequenos vestígios brilhosos e cintilantes no ar. Correu para a janela e olhou o céu.

Viu aquela poeira subindo devagar, devagar, até perder-se na imensidão. Piscou os olhos ardentes e podia jurar que viu duas estrelas passarem correndo sob as nuvens escuras naquele céu noturno.

Milene Gomes
Enviado por Milene Gomes em 18/03/2014
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