Capítulo 3
Desde a última visita de Páco, Oslaf permaneceu quieto, recuperando-se de seus ferimentos. Os cortes já haviam secado e a pele estava unida novamente, deixando como lembrança de um passado terrível e doloroso, cicatrizes em várias partes de seu corpo.
Os servos do rei Sólom, que ajudaram na recuperação de Oslaf, espantavam-se com tanto silêncio da parte daquele homem. Não entendia como era possível alguém se calar por tanto tempo. Mas, lembrando-se do estado que havia chegado a Askelon e a maneira com a qual fora resgatado, pensavam que o Oslaf ainda estava em choque ou que ficara mentalmente abalado. Faziam-lhe perguntas para tentar conhecê-lo, mas eram em vão. Oslaf dava respostas curtas, porém, bem articuladas, iguais as dos homens que vinham à corte para visitar o rei. Tanta polidez causou nos servos do rei uma boa impressão, e estes o respeitavam mesmo sem conhecê-lo.
Conforme anunciado por Páco, havia chegado o dia da visita do rei Sólom e todos estavam ansiosos para finalmente descobrir quem era aquele homem tão misterioso.
Ao aproximar-se da entrada do quarto onde estava Oslaf, Sólom fora recebido por seus soldados.
- Oh Grande Sólom, abençoado seja, grande Senhor de Askelon. – disse um de seus soldados que vigiava a porta de entrada.
- É sempre uma honra servi-lo Grande rei Sólom. – dizia o outro enquanto ambos curvavam-se perante o rei.
- Bom dia soldados! – respondeu o rei. - Desejo ver o homem resgatado que atende por Oslaf e encontra-se neste recinto.
- Imediatamente Grande Rei. Por favor, entre. – responderam abrindo o caminho para a porta.
Ao adentrar naquele quarto, Sólom viu a imagem de um homem sentado no chão, com as pernas cruzadas. Sua boca balbuciava algumas palavras ao mesmo tempo em que sua mão direita, com o indicador em riste, desenhava formas imaginarias, como que calculando formulas imaginaria ou desenhando algo sobre o solo. Era impossível distinguir as palavras balbuciadas por Oslaf.
- A cama seria um lugar mais confortável do que o chão deste quarto. – disse Sólom.
- Meu Senhor, perdoe minha falta de educação. – respondeu-lhe Oslaf enquanto curvava-se na presença do rei.
- Levante-se. Ouvi dizer que já está recuperado. Temos muito que conversar. Sabe cavalgar?
- Meu Senhor, eu sei cavalgar sim. Apenas não sei se tenho este direito. Afinal, tu és o rei deste reino e eu apenas um estranho desconhecido.
- Sou rei e pronto. Não dependo desses costumes antigos para ser quem sou.
- Vejo que és mais nobre do que os demais reis, meu Senhor.
- Se vista e vamos. – disse o rei virando as costas saindo do quarto.
- O mais rápido possível Senhor.
Rapidamente Oslaf vestiu suas roupas e saiu ao encontro do rei, que lhe esperava já montado em seu cavalo. Ao ver o servo do rei indicando-lhe o seu cavalo, apressou-se em montar e acompanhar o rei saíram ambos escoltados por um grupo de soldados que os acompanhavam ao fundo.
- Notamos que sua roupa possuía um corte diferente, e também símbolos que, acredito eu, representem algum reino. Estou certo?
- Meu senhor, estas certo sim. Me chamo Oslaf Uos, mensageiro do rei de Barto, um reino muito distante, além da Floresta Cinza. Estava em missão de entregar uma mensagem para meu senhor, quando fui pego em uma emboscada na saída da Floresta. Os soldados que me acompanhavam que também foram pegos de surpresa, morreram no ataque. E como estava carregan...
- Para onde ia?
- Para o Sul, em busca do rei Loro.
- Conheço-o. É um rei agressivo que governa com a força de seu braço. Seus súditos o temem, mas garanto que o abandonariam diante de uma guerra. Não concordo com sua maneira de governar, mas somos aliados. – disse o rei.
- Pra que diabos o seu rei Barto procuraria o rei Loro? – perguntou-lhe o rei.
- O reino de meu Senhor tem sido atacado continuamente por uma besta. Ninguém viu a sua cara. Mas todos os soldados do reino a temem. E o rei me enviou com certa quantia em ouro, para oferecer ao rei Loro em troca de ajuda.
- O que pretende fazer agora que foi roubado?
- Não posso retornar ao reino assim. – disse com voz triste. – O meu rei e senhor espera que eu volte com os soldados do rei Loro. Acredito que não apenas ele, mas todas as pessoas da cidade.
- Então?
- Enquanto me recuperava pensei um plano para o meu rei e o seu povo. Quando entrou no meu quarto estava terminando de calcular os custos da empreitada. Trata-se de um plano muito ousado. Mas é tudo o que tenho nesse momento.
- Diga me qual é, e acabe logo com mais este mistério. – respondeu-lhe o rei com olhar curioso.
- Peço te, encarecidamente, em nome do Rei Barto que forneça me a mesma quantia de ouro. Assim, irei até o rei Loro, terei sucesso e salvarei a cidade de meu rei.
O rei gargalhou alto diante do tal plano.
- Vejo que és corajoso em me fazer tal proposta, mas por que acha que eu faria isso a um desconhecido?
- Não acho meu Senhor. Apenas imploro-te. Em troca, juro trazer-lhe de meu reino, o dobro do valor que me emprestar e juntamente com o ouro te darei a minha própria vida e serei teu servo. – disse Oslaf fazendo o sinal de juramento com suas mãos.
O rei calou-se.
Em sua mente, refletiu sobre a proposta que recebera. Ouro não lhe era um problema, pois seu reino prosperava cada vez mais e já havia acumulado quantia suficiente para manter as futuras gerações.
- Pois bem, voltemos para Askelon, tenho pendências para resolver. Pensarei em sua proposta e amanhã te darei uma resposta.
Na manhã seguinte, o dia amanheceu nublado em Askelon. Nos lares o aroma do café ganhava força e começava a invadir as ruas, onde os comerciantes, no centro comercial de Askelon, iniciavam sua melodia de rodas de madeira sobre as pedras, de gritos e etc.
Subitamente, os ruídos dos comerciantes se calaram.
Um silêncio predominou e todas as pessoas passaram a olhar para a mesma direção. Em suas faces uma expressão incomum em Askelon, a expressão do medo.
Logo depois, um grito.
Nos celeiros os cavalos levantavam suas orelhas e se agitavam diante de um som tão incomum. Houve uma movimentação dos soldados, que correram para o centro de comércio, empunhando suas armas, preparando-se para enfrentar o inimigo. Porém, ao chegarem, se depararam com uma cena inesperada, mas que trouxe medo a suas almas.
Ali, no meio da rua do comércio, surgia uma jovem conhecida na cidade. Suas roupas estavam rasgadas. Seu corpo estava todo cortado e coberto de sangue que respingava no piso da rua perpetuando uma trilha de sangue. Seu cabelo havia sido rudemente cortado e parte de seu seio fora arrancado em um ataque brutal.
As pessoas que estavam mais perto da moça correram para socorre-la. Ela caminhava com dificuldade e chorava tentando pedir socorro estendendo às mãos. De sua boca não saia nada além de sangue, pois tivera a sua lingua cortada.
Quando estavam para alcança-la, a moça virou-se e apontou para a Floresta Cinza, como que indicando alguma coisa naquela direção, como que pedindo socorro para mais alguma pessoa que estivesse ferida em algum lugar. Em seguida, não tendo mais força para permanecer em pé, desmaiou. Por sorte, um homem a pegou antes que atingisse o chão.
- Saiam da frente! – gritava o homem correndo com a moça em seus braços, rumo a enfermaria de Askelon.
A multidão assustada, não conseguia fazer nada além de gritar assustada diante de uma cena tão barbara e incomum para aquela cidade pacata.
- Ela apontou naquela direção. – disse um dos soldados.
- Por Deus, o que será que há naquele lugar. Chamem reforços! – gritou. – Olhem o rastro de sangue, podemos segui-lo.
Após agrupar um grande número de soldados, o chefe do exercito do rei, Marlor, conduziu seus homens pela trilha de sangue. A trilha se extendia por um longo percurso, demonstrando o quanto aquela moça havia lutado para alcançar Askelon, pois rumava para a Floresta Cinza.
Ao chegarem na Floresta Cinza depararam-se com uma cena que era muito mais terrível do que a da jovem ensanguentada. Alguns soldados se desesperaram correndo em direção ao castelo. Outros vomitavam diante daquela cena. Nenhum dos treinamentos pelo qual haviam passado, seria capaz de prepará-los para tal horror.
A história de Askelon, a pacifica e próspera cidade do Rei Sólom, nunca mais seria a mesma depois daquele dia.