Sonhos? Que Sonhos!.....
Sonhos? Que Sonhos!........
E foi assim; eu comecei a entender e enxergar as coisas, a partir do momento em que fui batizado por um homem que eu não conhecia
e também não estava habituado a vê-lo na minha rotina de vida. Foi meu pai quem me levou naquele dia até esse homem estranho; não me lembro com que roupa eu estava vestido, mas lembro-me que fiz xixi nos braços de meu pai durante o ritual do batismo. Isto ficou
nitidamente fixado em minha mente, mas a minha mente não registrou outros acontecimentos que por certo ocorrerão naquele dia. Hoje, abrindo o baú onde eu guardei minhas lembranças, resolvi juntar as letrinhas, e contar todas elas nesse pequeno conto. A pobreza suprimiu grande parte dos meus sonhos, mas eu nunca tive grandes sonhos; como todos que viviam em nossa volta eram pobres, até certa parte da minha vida pouca importância tinha para mim, a pobreza ou a riqueza. Eu, meus irmãos, papai e mamãe, vivíamos com muito pouco, e já estávamos habituados a viver desta forma. Nossos meses eram
contados pela fartura que tínhamos em nossa mesa, com os frutos colhidos de tudo ou de quase nada que papai plantava nas terras que eram nossas. No terreiro, frutos vivos; galinha, peru e uma boa criação de porcos; na roça, feijão, arroz, e frutas de quase todas as formas; e mesmo assim meu pai tinha que viver de pago em pago; era assim que vivíamos naquele fim de mundo. Outros meninos e meninas que ali viviam também eram pobres e assim como eu não tinham sonhos absurdos que não pudessem ser realizados. Brincávamos juntos, com nossos brinquedos que nós mesmos tínhamos o prazer de fabricar com os poucos recursos que tínhamos.
Éramos felizes e não sabíamos, até que cada um de nós tomou rumos diferentes, em busca de coisas que aqui nós não tínhamos. Mudamos para a cidade mas a nossa vida não mudou; muito pelo contrario, ficamos em situação pior porque tudo tinha que ser comprado, até a água. Mas como não tínhamos recurso, o nosso sofrimento começou; papai trabalhava de pago em pago, e eu era o único homem da casa; com pouco mais de cinco anos tinha que buscar água a longas distâncias para o nosso consumo, juntamente com minha irmã. Contudo, tínhamos que estudar, tínhamos que arranjar tempo para brincar mesmo não tendo brinquedos; em nosso endereço papai-noel nunca passou; e mamãe sempre nos contava em suas historias, que tudo aquilo era fantasia de gente rica, valeu a experiência. E a nossa infância acabou passando despercebida; e quando olhamos para trás vimos que tudo que havíamos feito estava no passado, e que esse espaço do tempo jamais voltaria em nossas vidas. E nós acabamos crescendo sem ilusão, sem fantasia. A existência de papai-noel, o bom velhinho que nem é tão bom assim, é uma mentira deslavada, uma fan-
tasia sem sentido, que ao invés de trazer alegria trás frustração e tristeza para uma grande massa de crianças que teimam em viver na fossa do capitalismo, abaixo da linha da pobreza espalhadas por todo o mundo; papai-noel nunca existiu!. É apenas um boneco com ou sem movimentos, exposto em vitrines de grandes lojas de departamentos ou em shoppings, onde somente ricos tem direito de colocar os pés; negros e brancos pobres se lá forem, serão confundidos com ladrões. Estamos vivendo no olho do furacão desse “Capitalismo Selvagem”.