PROSA MITOLÓGICA - CONTO 11 - HIDRA DE LERNA

Filha de monstros ela recebeu o nome de Hidra. Um ser com um enorme corpo de serpente. Possuía um total de nove cabeças, das quais oito eram de serpente, e a cabeça central de mulher. Essa cabeça era considerada imortal.

Hidra é filha de Equidna e do poderoso Tifão. Tão poderoso foi seu pai que ousou até mesmo desafiar ao poderoso Zeus, o maior dos deuses, e por muito pouco Tifão não ganhou a contenda.

Irrequieta, irascível, Hidra ficou pouco tempo sob os cuidados da mãe. Logo se aventurou pelo mundo, à procura de um lugar para si. Afinal o mundo é grande, vasto. Há muitas florestas, lagos, pântanos. E Hidra se aventurou à procura de um lar.

Após muito perambular encontrou um local que considerou ideal. Um pântano junto ao lago de Lerna, na Argólida, hoje o que equivaleria à costa leste da região do Peloponeso.

O lago tinha muitas criaturas aquáticas, em suas margens havia muitos animais. A floresta ao redor era densa. O que mais poderia querer? Não precisava se preocupar com falta de água, alimento abundante, centenas de locais que poderiam servir de morada, e o principal, longe do bicho homem. A mais violenta e brutal criatura existente. Quando o homem chega a determinado local, as florestas são abatidas para lhes servir de morada, os animais e peixes também são caçados e pescados a exaustão para lhes servir de alimento. Hidra sabia, Lerna era uma região muito fértil, ideal para as plantações dos homens, portanto chegando ali o homem drenaria o pântano e o transformaria em pastagem para os animais que cria, ou iria plantar algo naquelas terras de incrível fertilidade.

Hidra pensou em tudo isso antes de se instalar ali. Ao se decidir logo procurou um lar. Encontrou uma caverna, cuja entrada era oculto pela água, e uma vez vencido o obstáculo havia espaço suficiente para ela se instalar e começar sua nova vida ali.

Logo Hidra descobriu que tinha um vizinho, um gigantesco caranguejo de nome Câncer. O animal era velho, tão velho quanto o tempo, segundo costumava dizer. Ele também escolhera Lerna para finalizar sua vida. Logo nasceu a mais incrível amizade. De um lado Hidra, jovem, curiosa, cheia de vitalidade. De outro Câncer, já sábio, já experiente nos meandros de Lerna. Câncer não temia a vigorosa vizinha, muito pelo contrário, ela parecia ficar maravilhada quando o veterano começava a contar suas aventuras pelo grande mundo que habitavam.

Hidra ficava ali, todos os olhos vidrados, cabeças voltadas na mesma direção, escutando as aventuras e também desventuras de Câncer.

Logo Hidra se tornou a "dona" do pântano. Seguindo as instruções de Câncer ela sabia onde fazer suas tocais para ter uma caça abundante. Também aprendeu onde ficavam os maiores peixes do local. Hidra ficou feliz, Câncer ficou feliz. Lerna parecia ser um mundo feliz.

E assim teria permanecido não fosse a ganância do bicho homem. Quando histórias sobre Lerna começaram a se espalhar muitos colonos ousaram se aventurar pelos lados do lago e suas florestas.

Logo começaram os conflitos. Hidra jamais admitiria essa invasão em seu lar, pois agora Lerna nada mais era do que o lar da monstruosa criatura.

Com ferocidade o monstro atacou os colonos, destruiu suas casas, devorou seus animais de corte e matou todos que encontrou. Muitos foram os combates e por mais que os homens tentassem não conseguiram sucesso na tomada de Lerna. Hidra se mostrou uma guardiã invencível, imbatível.

As histórias de Lerna chegaram a Micenas, e logo Euristeu soube dos problemas que ocorriam. O rei sorriu satisfeito, pois considerava ter achado a solução de seus problemas.

Naquela época o rei tinha a seu serviço seu meio-irmão Héracles, filho de Zeus. O herói, obedecendo às instruções do Oráculo de Delfos, se colocou sob as ordens de Euristeu, para que assim pudesse purgar sua alma do terrível crime que cometera. Sob a influência da eterna inimiga Hera o herói matou os três filhos que teve com Mégara acometido que estava de um ataque de loucura enviada pela deusa.

Hera tentava de todas as formas possíveis matar o filho que o marido gerou com a mortal Alcmene. Diversas foram as tentativas da maior das deusas, e todas as tentativas fracassaram perante a grande força do herói. Agora Hera tinha mais uma chance, pois Euristeu era um grande e devotado fiel do culto da deusa.

Através de Euristeu a deusa Hera tentou novamente matar o filho da rival.

E Euristeu ordenou a Héracles destruir a Hidra. O herói pegou suas poucas coisas e suas armas e se dirigiu para Lerna seguido pelo sobrinho Iolau.

Em Lerna a guardiã do local se tornava cada vez mais poderosa e temível, destruindo a todos os colonos que ousavam se aventurar pela região. Antes a monstruosa criatura se mantinha apenas nas margens do pântano, agora se locomovia em terra, sempre a procura dos invasores humanos.

Câncer encorajava sua amiga a manter-se agressiva, ele mesmo sabia do poder destrutivo da raça humana, mas nem mesmo o veterano e sábio caranguejo, nem a poderosa criatura sabiam que em breve teriam de enfrentar o maior dos heróis gregos.

Héracles concebeu um plano. Ele já sabia que as cabeças de serpente de Hidra, uma vez cortadas se regeneravam rapidamente e onde antes havia apenas uma, nasciam mais duas igualmente temíveis e poderosas. A única forma seria decepar as cabeças e pedir que Iolau, tão corajoso como o tio, mas bem menos poderoso, cauterizasse a ferida com fogo, de forma que não houvesse regeneração.

E Héracles e seu sobrinho acamparam a margem do pântano e ali permaneceram.

O primeiro a ver os forasteiros foi Câncer, que logo tratou de procurar Hidra. Ao encontrá-la comentou dos novos invasores. Furiosa a filha de Equidna se lançou a caça.

No acampamento Héracles orientava Iolau a respeito da melhor forma de cauterizar as feridas que pretendia fazer no monstro. Repentinamente um grito pavoroso e um ser saído dos sonhos de algum louco faz o ataque. Hidra é rápida, suas cabeças de serpente possuem presas poderosas que injetam poderoso e mortal veneno. Também exala pela boca um gás igualmente venenoso. O herói tem um pano ao redor da cabeça, assim como Iolau. Ele pega seu arco e flecha e atira no monstro, mas sem efeito a pele da criatura é muito grossa. Sem sucesso na primeira tentativa ele ergue sua poderosa espada em uma das mãos, a maça de guerra na outra e se lança em um fantástico corpo a corpo contra o monstro. Um, dois, três golpes são necessários, mas enfim o herói consegue decepar a primeira cabeça. É o sinal para Iolau que de posse de dois gravetos em brasa se aproxima da criatura e cauteriza a ferida, e assim continua o conflito. Héracles vai decepando as cabeças de serpente uma a uma e seu sobrinho consegue cauterizá-las antes da regeneração.

Vendo sua protegida levar a pior o valente Câncer se lança contra o herói, suas tenazes são poderosas, ele, apesar de muito velho ainda é poderoso o suficiente para ferir um ser humano.

Mas nem ele, muito menos sua protegida jamais enfrentaram um humano como Héracles. Sem se incomodar com as poderosas tenazes em suas pernas o herói simplesmente esmaga o velho caranguejo, destruindo a forte carapaça. Logo apenas uma poça de sangue malcheirosa, restos de carapaça e tenazes são tudo que resta de Câncer. Hidra, ao ver a morte do seu protetor se lança com mais ímpeto contra o herói. Mas não importa o ímpeto do monstro, Héracles continua a decepar cabeça após cabeça e logo apenas a cabeça central resta. O herói dá um golpe poderoso e a cabeça central apresenta um corte profundo, mais alguns golpes e ela fica prestes a ser decepada. Mas a regeneração da cabeça central é mais rápida do que as de serpente. O impasse é resolvido por Iolau que mostra ao tio uma grande pedra que se encontra ali perto. Então o herói atraí a Hidra para perto da rocha e novamente tenta decepar a cabeça central, os seus golpes são poderosos o suficiente para deixar a Hidra momentaneamente fora de combate. O mortal combatente se aproxima da enorme pedra, ergue-a sem muitas dificuldades e a coloca em cima da cabeça central, não sem antes Iolau jogar dois pedaços de madeira em brasa na monstruosa criatura.

Alguns minutos se passam e logo se confirma: Héracles venceu. Hidra, que apenas queria viver sua vida, jovem, independente, que tomou Lerna por morada e Câncer como grande amigo é vítima de Tânatos. Como para confirmar sua vitória o herói embebeda suas flechas no sangue do inimigo, a partir de agora elas estão impregnadas do mortal veneno da Hidra.

E assim termina a história de Hidra, um ser poderoso, filha do fantástico Tifão, mais uma vítima do herói Héracles. Mais uma vítima do filho de Zeus, e mais que isso, mais uma vítima do homem. O mais destrutivo e cruel dos seres. Pois sem seus protetores Lerna logo foi invadida por grande número de colonos, suas árvores abatidas, seus animais caçados e os peixes pescados. Onde antes pululava a vida animal agora é um grande ninho de homens e somente deles, que não conseguem dividir com a natureza.

Sempre há a dúvida: quem é o monstro? Hidra que procurou um ermo para viver em paz e longe dos homens, ou é o tal bicho homem que incapaz de derrotar a serpente que habitava Lerna se usou dos poderes do heroico Héracles. A decisão é do leitor.