Parte 1 – Capítulo 1 - A cidade de Askelon

Finalmente, após tantos anos de espera e de um silêncio que me corroia a alma a cada amanhecer, contarei os fatos que se passaram por aquelas bandas, a verdade, até então desconhecida por todos. Mas para isso, preciso voltar minhas lembranças para a já esquecida cidade de Askelon.

- Askelon. Hunm... Oh, Grande Askelon.

- Como eu sinto falta do cheiro das manhãs cinzentas de Askelon e do vento cortante característico daquele lugar. O sol que era tímido pela manhã, ardia tal qual o braseiro quando soprado pelo ferreiro e tudo aquecia aquele maravilhoso astro.

No interior das casas o aroma enfeitiçador do café dominando o ar do ambiente, enquanto era preparado, percorria-lhes os cômodos, despertando os demais membros daqueles lares.

- Bom dia, amada esposa! -Dizia-lhes os maridos para as suas respectivas esposas.

- Bom dia meu querido Senhor! -Respondia-lhe estas, enquanto os filhos do casal entravam na cozinha, coçando os olhos ainda remelados e inchados pelo sono ha pouco interrompido.

- Bênção, Pai. - Diziam eles.

E assim acontecia em todos os dias nos lares de Askelon.

Askelon era uma cidade viva em sua essência, ativa. Desde os primeiros raios de sol, seu ritmo era aquecido por seus comerciantes. Os quais, empurrando suas carroças de madeira, regiam a sinfonia dos ruídos provocados pelo impacto das rodas com as pedras das ruas, dando assim, o som característico da parte mais movimentada da cidade.

Por se tratar de uma cidade murada, uma fortaleza de muros elevados, muito acima do normal, e com postos cobertos de vigia, com seus soldados fortemente armados, era uma cidade conhecida por todos e invejada por outros.

Tanta proteção não decorria de um mero acaso. Askelon era governada por um rei, um homem respeitado por todos os homens, mulheres e crianças do reino. Seu nome era Sólom.

Descendente de uma linhagem de homens sábios, Sólom demonstrava honra pelo sangue que lhe corria nas veias. Ele era um homem de grande estatura, o maior de seu reino. Tinha os olhos castanhos cujo brilho lembrava o âmbar polido, seus cabelos eram encaracolados e compridos, seu porte físico não era tão bem desenvolvido como os de seus soldados, mas isso não lhe era um problema, pois o que lhe faltava em musculatura sobrava-lhe em inteligência.

Apesar de sua aparência física normal para os padrões de sua época, Sólom, como de se esperar, quase nunca era visto sem seus trajes pomposos de rei. - Tudo o que sabemos sobre isso, veio das fofocas espalhadas por suas empregadas, que ao saírem de seu quarto após deixarem suas roupas organizadas sobre o móvel, observa-o despindo-se para o banho matinal. Todas se remoíam atrás da porta, tanto pelo desejo carnal de ver-se dominada por aquele homem, quanto pelo pavor de serem apanhadas e denunciadas ao rei ou a sua esposa, a rainha Lófa.

Lófa era o oposto do rei tanto em estatura como em sua personalidade. Apesar de sua estatura pequena, se comparada ao rei, era um tanto quanto apressada em suas palavras. Não tão sabia quanto seu marido, adorava questionar a tudo e a todos com seu temperamento explosivo, demonstrado pela maneira agressiva com que falava ao perceber possuir domínio sobre qualquer assunto, ainda que corriqueiro e banal.

Sem sombra de dúvidas, Lófa era a rainha mais bela de todos os reinos, apenas o rei e sua criada conheciam a beleza de suas curvas, ocultadas pelas camadas de tecidos de seus lindos vestidos. Para todos os demais lhes bastava à beleza de sua face de pele clara, cujas maçãs roseadas de seu rosto, juntamente com os seus encantadores olhos castanho escuro, faziam corar a face de todos os súditos. - Digo ainda que poucos viram sua face sem que houvesse aquele véu de pequenos detalhes bordados pelas mãos mais habilidosas do palácio.

Todos os súditos daquele reino temiam a Lófa, mas poucos sabiam que seu temperamento agressivo era apenas uma mascara, um instrumento usado para manter sua autoridade de rainha e o eterno respeito exigido para com a esposa do rei. Tal segredo era conhecido apenas por Iogo, o conselheiro e servo leal do rei. Único súdito autorizado a permanecer no recinto do rei e a escoltar a senhora sua rainha Lófa, por suas caminhadas pelo vasto jardim aos fundos do castelo.

Iogo era um homem avançado em idade. - Alias pouco se sabe sobre a idade do rei e da rainha, e de seus filhos, e este pouco não vale a pena ser citado, pois não passam de boatos e especulações tolas.

A barba de Iogo era longa, já esbranquiçada pela idade, porem seus cabelos era curtos e grisalhos, seu rosto possuía algumas cicatrizes que pareciam terem sido talhadas em batalhas, mas ninguém poderia afirma-lo com total certeza. Seus olhos negros ocultavam-se por detrás das lentes sujas de seus óculos. Vestia-se sempre com um manto preto de capuz grande, com seu cinto em volta da cintura carregando a bainha de sua espada de entalhe especial e lamina dupla, e outros apetrechos que desconheço. -sem dúvida, Iogo era a pessoa mais misteriosa daquele palácio.

Os filhos do rei Sólom eram Léros e Páco, que haviam nascido quase na mesma época e, portanto, gozavam da força proveniente de sua latente mocidade.

Léros era esperto e gostava de se passar por sábio, tentando assim imitar a imagem de seu pai. Porem, quando o alvo de suas aventuras eram as mais belas garotas do reino, Léros não dependia da imagem de seu pai, pois por capricho da natureza havia herdado a beleza de sua mãe, e, sabendo disso, desfrutava cada suspiro e cochicho ouvido enquanto passava lentamente cavalgando.

Páco por sua vez, lembrava em tudo a seu pai. Falava pouco e não era tão adorado pelas jovens como seu irmão. - A não ser claro, por aquelas que aceitariam qualquer coisa para viver no luxo do palácio. Mas seus olhos percorriam atentos a todos os detalhes, e por isso, Páco tinha consciência de tudo o que se passava pelo reino. Quais eram os viajantes que apareciam ali pela primeira vez e quais eram os melhores comerciantes. Todos os olhares ocultos eram lhe claros como o meio dia. Até mesmo os mendigos que buscavam seu refugio e esmolas dentro das muralhas de Askelon, Páco conhecia-lhe os trejeitos que faziam para conquistar suas esmolas e até mesmo alimentos. Ele sabia quais, entre aqueles homens e mulheres, que destes realmente o faziam por necessidade e quais apenas se aproveitavam da situação. Dentre todas as pessoas que se encontravam nesta situação, apenas um homem chamava-lhe a atenção. Havia algo de estranho nele, talvez fosse o seu passado ou sua verdadeira identidade, que já havia mandado investigar, mas, sem sucesso. Era um homem sem passado. Acreditava-se apenas que era mudo e não sabia escrever. Limitando assim as possibilidades de identifica-lo. - Páco sempre dizia ter algo oculto no olhar daquele homem. Todos os demais mendigos forjavam um olhar faminto e desolado, mas aquele homem, ele não, ele possuía um olhar altivo que não condizia com sua realidade. - Pobre Páco.

Paulo Gularte
Enviado por Paulo Gularte em 11/02/2014
Código do texto: T4686860
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