Ajelhou tem que rezar!
O dia só foi amanhecer já eram quase oito horas da manhã, pela madrugada começou uma chuva intensa com nuvens carregadas que escureceram o céu, e por isso seu Heitor desligou o despertador, deu uma volta na cama para o canto, onde houvesse menor incidência de luz. O galo com as penas molhadas só cantou as galinhas. Assim mesmo sussurrando nos ouvidos. Elas, as galinhas, friorentas se agacharam em cima dos pintos e se sacolejavam, uma ou outra anunciava que havia colocado um ovo.
Seu Heitor não se preocupava, neste dia, com seu galinheiro. As filhas já haviam saído, e mesmo molhadas as “franguinhas”, com as chamava o seu Benedito da venda, chegaram são e salvas em sala de aula. A mulher, sempre apontada pela vizinhança fofoqueira como “piranha” nadou de braçada, teve um bom pretexto, a chuva, para pegar carona em um dos carros que vinha no asfalto derrapante onde de repente o carro da paróquia parou. Não era o padre, era o seminarista que a levou bem ao centra da cidade, ao centro da matriz, ao centro de seu minúsculo quarto, onde os dois no centro da cama puderam ter momentos de penitência.
Heitor vendo o campo molhado, com o bornal de sementes aproveitou o momento de uma trégua da chuva e enterrava feijão na cova grão a grão dos quais pretendia colher pelo menos cinqüenta sacas por hectare. O pensamento ia longe. “E Bigail (a mulher dele) por que não está aqui acocorada comigo enterrando o feijão?” Perguntava para si próprio. “Pelo menos tivesse ela ído na igreja agradecer a chuva, que aqui no Sertão é coisa rara, seria de bom agouro”, ponderava. Ele procurava imaginar onde estava Bigail o seu sacolejante amor. Deveria, ele, ter aproveitado para sacolejar com ela pelas sete da manhã, quando os relâmpagos invadiam o pequeno quarto sem forro, fazendo-o parecer sala de cabaré com aquelas luzes psicodélicas.
As duas filhas Ritinha e Paulinha correram para a roça anunciar que já haviam chegado da escola, sãs e salvas, mesmo que a chuva naquele horário tivesse voltado a cair. E explicaram que tinham pegando uma carona no carro dirigido pelo seminarista, que brilhando de alegria voltava da cidade. Seu Heitor borbulhou as idéias e advertiu: “Meninas, esses seminaristas de hoje estão perigosos cuidado com essas caronas”. As meninas o acalmaram e disseram que a mãe já vinha no carro quando elas entraram: “Menos mal”, balbuciou Heitor.
De roupa trocada, pois a outra estava muito amassada, Bigal foi para os braços de Heitor, agora enxergando entre as nuvens as estrelas do céu, beijou-o como nunca, mandou as filhas para a casa da vizinha fazer pesquisas escolares com outras colegas. Agora repetia a penitência diante da imagem caseira. Heitor já sabedor que ela havia ido a igreja, perguntou: “E se ajoelhou?”, no que ela respondeu: “Não só me ajoelhei como me curvei”, ficou curioso: “E rezou?”... “Ajoelhou tem que rezar”.
Notando a felicidade da mulher em ter ido à igreja, Heitor a cada dia chuvoso ou por outro motivo qualquer, libera a mulher para ir ajoelhar e rezar. Empresta até o celular para ela pedir carona ao seminarista. Perguntado sobre essa maneira liberal de mandar a amada ao átrio, ele diz: “Como é bom dividir as bênçãos”. E quando Bigal retorna ele pergunta: “Agradeceu por mim também?” Ela apenas sorri!
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(*) Seu Pedro é o jornalista Pedro Diedrichs, DRT-398/BA, editor do jornal Vanguarda, de Guanambi Bahia... É jornalista investigativo, escritor, poeta, e adepto do humor. Também conhecido como “Jornalista do Sertão”.
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