Nota do Autor(Illion)

Visto que o conto é minha propriedade, e também são meus o papel e a tinta que o compõem, creio ter direito sobre um pouco de espaço em branco ao final da história. Também não lembro ter assinado qualquer documento relativo ao conteúdo destas páginas, portanto, falarei sobre o que quiser. E o que eu quero falar não tem efetivamente nenhuma relação com a história anterior. Você pode parar de ler na hora que quiser. Eu não vou obrigá-lo. Não posso. Vou apenas continuar escrevendo. Então, como não há mais ninguém pra reivindicar o espaço e os pormenores foram esclarecidos, vamos logo ao ponto.

Eu vou falar sobre uma mulher. Não. Sobre a mulher.

Mas não vai ser fácil. Na verdade, eu quero tentar explicar o quão difícil vai ser. E isso é sobre a natureza das coisas. A natureza incompreensível das coisas.

Eu imagino que você não tenha dificuldades para descrever uma camisa. Você já a viu várias vezes. Tem botões, mangas longas, um bordado no ombro esquerdo e é azul. Não é difícil pôr em palavras a aparência da peça. Não é difícil traduzi-la. Mas o que acontece se eu pedir para você descrever a cor azul?

Procure as palavras.

Certas coisas não podem ser traduzidas. Sua natureza é ainda desconhecida. Mesmo vendo-as, mesmo sentindo-as e vivendo-as, estão além da nossa capacidade de explicação. E esse é o meu problema.

Ela não pode ser traduzida.

Não há conjunto de palavras, gestos, sons ou magias que consigam conjurar sua essência. Eu já os vi tentar. Já vi poetas enlouquecerem na busca pelos termos certos. Já vi caçadores morrerem de velhice na jornada por um presente à altura. Já vi demônios se converterem para procurá-la no paraíso depois de perderem seu rastro.

Eu não vou me atrever a tanto. Não porque eu não queira. Eu quero entendê-la. Quero me deleitar com cada fibra da sua essência. Enxergar através de cada nuance da sua complexidade. Mas o mistério é parte dela, assim como os dedos são parte da mão. Retirar isso seria arrancar um pedaço da sua beleza.

Prefiro agir com cautela. Pisar com cuidado. Adentrar devagar o assunto a fim de manter minha sanidade. E com certeza, amarrar uma corda na pedra mais pesada que houver por perto para o caso de algo inesperado acontecer no mergulho. Vamos lá.

Como tudo que é furtivamente belo, não é a imagem que primeiro nos capta a atenção. É o som. No caso, a voz. Uma voz suave como o correr de um rio e doce como torta de maçã. Capaz de abrandar a fúria de uma mulher enganada e intimidar um lobo ululante. Fazer sorrir um velho viúvo e chorar um homem orgulhoso. Eu seria mais objetivo, se isso fosse possível. O que posso dizer é que sua voz é como um canto, e seu riso é a música em si.

Seria tolice tentar dizer como ela se parece. Você não entenderia. Nunca a viu. Ou pelo menos, não como eu vi. Eu gostaria de falar-lhe sobre seu sorriso. Sobre seu cabelo e orelhas. Sobre seu andar e seu amaldiçoar. Mas não seria justo. Seria como pintar um afresco do horizonte. Não importa o quão talentoso seja o artista, ele nunca vai conseguir reproduzir a paisagem com todos os detalhes e imperfeições, e ela, por sua vez, nunca se repetirá. O que você deve saber é que ela é linda. Linda até os ossos.

Porém, no final, se me fosse ordenada a tarefa de compará-la a algo, o que julgo ser outra futilidade, eu diria que ela é como uma fogueira alta na noite. Seu brilho forte atrai os homens de muito longe, mas não é ele que os mantém perto. É o seu calor.

Então, meu amigo, depois de todo esse discurso, toda essa rendição, seria muito cruel da minha parte não lhe dar qualquer prova real da pessoa a quem me refiro. Muito bem. Serei generoso. Você pode me agradecer depois. Não lhe darei duas ou três, mas todas as letras que completam o seu nome.

Diego Novaes
Enviado por Diego Novaes em 06/02/2014
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