O cubo mágico

As teorias sobre o mundo e seu funcionamento são muitas. Mas chegou um tempo onde não necessitamos mais de suposições. A ficção está finalmente batendo à nossa porta.

As duas forças organizadoras do mundo, tempo e espaço, misturam-se, transpõem-se, são estilhaçadas e espalhadas por sobre todo o globo terrestre. O pânico toma conta de todos. Inúmeros universos paralelos são criados, pessoas são tiradas de seus tempos e espaços cotidianos e jogadas em outros. Numa casa modesta da Escócia, Cristovão Colombo desembarca com sua comitiva, para descobertas nunca antes por eles imaginadas.

Um grupo de jovens que passeava no shopping, de repente se vê numa floresta selvagem, com animais enormes e mortíferos. Por sobre o céu de todas as cidades do século XXI, criaturas gigantes encobrem o sol. No mar, os banhistas são tragados pelos primeiros gigantes que um dia povoaram a Terra.

Clara estava deitada em sua cama, aterrorizada com os gritos que vinham da rua. De repente, sua porta se abre. Um fedor invade o quarto da garota e um homem arrasta-se para dentro. Não conseguia-se distinguir o que era sua pele e o que era sujeira. Ele estava nu e seu corpo era adornado por inúmeras pinturas vermelhas. Do seu nariz se assomava um osso, atravessando seu septo.

Ambos estavam terrivelmente assustados. Clara estava petrificada, agarrada à sua coberta, com os olhos esbugalhados em direção ao homem que agora dirigia-se para mais perto de sua cama. Ele também tinha os olhos enormes postos sobre ela e balbuciava coisas a ela ininteligíveis. Trazia na mão uma lança com penas e um chocalho no cabo. O homem parou. Começou a bater sua lança no chão, com toda sua força e a balbuciar cada vez mais alto, balançando seu corpo para cima e para baixo. Clara começou a gritar. Do chão, saíam lascas de madeira e um terror imenso oprimia o peito de ambos. O grito da garota começou a incomodá-lo e ele tentou fazê-la parar, tampando sua boca. Ela, num impulso, bateu em seu braço, gritou ainda mais alto e ficou em pé na sua cama.

Anos e mais anos, além de muito espaço geográfico, separavam suas sociedades e não se podia esperar que esse choque cultural terminasse em sorrisos. Graças à adaptação ao meio em que vivia, o homem aprendera a atacar quando se sentia ameaçado. Sua lança atingiu a garota no estômago. Um jorro de sangue quente sujou o homem, sua lança e os lençóis brancos da cama. Clara caiu no chão. Ele sorria pois ela se silenciara.

Beatriz não acreditava na ciência. Trancou sua casa, desligou a televisão e os computadores das crianças. Acendeu velas por todo e lugar e reuniu todos num círculo em volta da mesa de jantar para orar. Ela sabia que seu Deus tinha uma resposta para tudo aquilo. Sabia que ele a ouviria e tudo voltaria ao normal.

Suas preces, infelizmente, perdiam-se na escuridão do céu infinito. Ele estava ocupado demais, sentado no alto de sua magnificência, revirando um cubo multifacetado. A cada movimento, um tempo e um espaço desprendiam-se do seu local de origem e viajavam através deles mesmos para instalarem-se em outros. Acuada num canto, uma criatura observava tudo.

- Pare com isso! Você está criando caos! – disse Lúcifer.

- Cale a boca! – retumbou uma voz imperiosa. Na Terra, um trovão cortou os céus. – A criação é minha e eu faço com ela o que eu quiser!

Não precisamos ir longe para ver que a maior artimanha do mal é passar-se pelo bem. Na Alemanha, inúmeros judeus foram torturados. Nos céus, há muitos mais anos do que o homem pode se lembrar, um führer se ergueu. Silencioso e mortífero como uma cobra. Mas uma coisa, porém, não pode-se negar: ele realmente havia nos criado à sua imagem e semelhança.

Carol Santucci
Enviado por Carol Santucci em 05/02/2014
Reeditado em 08/02/2014
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