Sexta Feira 13
Ali na montanha, beirando a floresta, se muito bem olhar encontrará a humilde choupana que quase se camufla com a ajuda na névoa. O teto caprichosamente foi feito com os restos dos ramos das árvores do redor, algum barro para dar a liga e as paredes, um tanto irregulares, divertiram o artista em um mosaico de pedras e madeiras. A lareira aquece a velhinha, já cansada, e que agora se esconde e acompanha o mundo, os passarinhos chegam com as notícias.
- Bom dia senhora Frigga, hoje é sexta-feira, décimo terceiro dia do mês.
Como a mordida em um pão de açúcar, doce e macio, soam as melodias das músicas cantadas por Frigga, onze amigas e um amigo que se aprazem ao celebrar o amor. As vozes, do alto da montanha, ecoam por todo o vilarejo. Não existia decreto algum, mas eram praxe os casebres com suas portas, talhadas com as runas que simbolizavam os desejos de cada família, e janelas abertas, assim os corações eram acariciados no aconchego do lar. Lá fora, cantarolam as senhoras enquanto colhem para a refeição, as cantigas de roda nas brincadeiras das crianças têm o tema perfeito e os senhores abraçam seus companheiros e bradam, confeccionando suas ferramentas, de dentro das oficinas. Típicas sextas-feiras.
(Nesse momento a árvore mãe inicia a melodia e tão logo todos a acompanham ).
We are our mother’s savage daughter–
the ones who run barefoot, coursing sharp stones.
We are our mother’s savage daughters.
We will not cut our hair. We will not lower our voice.*
E são treze os amigos reunidos, são treze as canções de cada sexta, e nas sextas treze, os treze juntam-se aos trezentos moradores para celebrarem os quatro elementos. Com o suco de maçã mais gostoso, preparado por Frigga, eles brindam o amor, brindam a fertilidade!
- Que belo dia! Vem pássaro, vamos logo coletar as maçãs mais saborosas da floresta.
Novamente à choupana, o cesto preenchido por maçãs vistosas, reluzentes…
- Meu grande amigo, venha cá, quero lhe pedir um favor. Junto ao cinturão dourado encontra-se um molho de chaves, a maior de todas é do alçapão, essa porta chegará ao porão onde um baú guarda todas minhas canções escritas até o dia de hoje. Lá nada queima, meu pedido é que não deixe descobrirem essa chave.
- Senhora, o rei está por perto, mas duvido muito que chegue ao nosso vilarejo. Terá que passar pela correnteza do rio, e, juntamente ao seu exército, não serão bem-vindos na floresta, as cobras serão corajosas, os galhos se farão mais frágeis caso precisem de refúgio sob ameaça dos ursos que se manterão acordados e os lobos, silenciosos, atacarão de surpresa.
- Eles são treinados para guerrear, conhecem as adversidades, os lugares no paraíso foram a leilão, então creio que logo chegarão aqui. Precaveremos-nos meu amigo, assim nossas canções não correrão riscos.
Do outro lado da floresta, aproximava-se um rei da guerra, seu exército e, juntamente, o anseio por conquistas e dominação. Sua figura era rechonchuda, conquistada por sua preguiça e seu apetite interminável, sua pele era luxuosamente coberta por camadas de roupas caras e pedras preciosas, seu semblante misturava a preocupação e o orgulho, o sorriso de canto de boca não estava em seus olhos. Crescera no castelo, que era envolto por enormes muros, assim as reverberações das melodias de amor compostas por Frigga encontravam grandes barreiras e talvez por isso, o rei jamais se sentiu amado. As únicas melodias que conhecia foram compostas pelos sacerdotes e eram cantadas durante o culto religioso. Seu primeiro contato com o universo além do seu mundo aconteceu após a coroação, tão logo seu reinado aumentou, nas entrelinhas dizimou povos e suas culturas, enfrentou as resistências, impôs os costumes, explorou, mas não tinha se preparado para enfrentar seu maior inimigo, pois as muralhas de seu castelo jamais o fizeram conhecer, o amor.
As canções- vindas do alto da montanha, outro lado da floresta- propagavam-se por todos os lugares, as pessoas amavam-se, juntos faziam com que as imposições do rei não fizessem sentido algum. Vingativo, o rei tratou de elaborar um plano para silenciar as mensagens de liberdade, encarregou os sacerdotes de escreverem as canções que todos cantariam e lhes prometeu frações do reinado. Enquanto isso, junto ao seu exército, prometeu queimar todas as canções que Frigga compusera.
Tanto que falam em vocação, mas para a música os sacerdotes eram uma negação. Suas melodias são regradas, temem os intervalos das notas musicais, sua forma de falar de amor era um tanto quanto estranha, lembra posse. Porém, eles têm uma vantagem: a perícia em conversão. E cantaram muito, em todos os lugares, espalharam-se… Os povos foram persuadidos para servirem e aceitarem o serviço. Assim, o ritmo livre, harmônico das cidades e vilarejos do reino tornou-se uma frenética e regrada batida com os tempos divididos. Faltava o outro lado da floresta, ironicamente o rei escolheu a sexta-feira treze.
- Soldados! Cá estamos nós, o acesso ao vilarejo é difícil e cansativo, mas foram treinados para cruzarem qualquer obstáculo e superarem as suas emoções. Minha ordem é, após a travessia da floresta, encontrem todas as canções, queimem, achem Frigga e seus doze amigos, capturem.
Mas quem lutou bravamente naquele dia foi a floresta, os soldados já estavam cansados e Frigga teve tempo de conversar com o vilarejo.
Era fim de tarde, céu dourado, sol no horizonte, na altura dos olhos, é necessário forçá-los um bocado. Os moradores formam uma grande roda, no seu interior as jarras e os copos de barro, beber-se-á o suco de maçã, os instrumentos percussivos que percorrem livres a melodia das canções, dessa vez as letras das novas composições não estavam ali, mas sempre estiveram! Frigga logo inicia:
- Todos os dias têm suas peculiaridades, mas para nós, nessa roda, como notam hoje é um dia incomum. Canto o amor esses anos todos de minha vida, canto porque alimenta minha alma, o prazer, vivencio a liberdade, não há magia mais bonita que o amor e a fraternidade. Um encanto desses jamais sucumbirá sob a ganância de um rei que ostenta o poder e que sua única sensação de prazer é a massagem do ego. Esse rei do qual vos falo, caminha com seu exército em direção ao nosso vilarejo, eles tentarão queimar nossas canções e vos farão cantar as músicas dos sacerdotes, assim como fizeram em todo o reino. Juntos, escolheremos a música que levará para longe qualquer sentimento individualista, cantaremos com a maior das forças, colocaremos a melhor das intenções de nosso íntimo, bradaremos as palavras mais belas que escolherem, há muito suco para refrescar nossas gargantas, nossa união ressoará e cruzará qualquer barreira.
Tão logo o discurso, ouviu-se uma voz tímida, pura, cantarolava a cantiga da roda das crianças, era a criancinha mais jovem do vilarejo. Emocionados, imediatamente estavam todos em sincronia. E que vozes! Atingiram em cheio os soldados que, exaustos, acabavam de cruzar a floresta.
O rei estava surpreso, pois esperava encontrar as pessoas em suas casas, o batalhão dividia-se entre aqueles que vencidos olhavam para o alto da montanha, admirados e os que ainda resistiam, ordenados pelo esbravejar real, vasculhando todos os casebres em busca das canções.
A casa de Frigga recebe a esperada visita do rei, que vira, revira e nada encontra, encontra apenas o arcabouço que parece entrar na terra. Logo desconfia e corre pedir ajuda para os seus homens. Não há mais tempo, a doce melodia já é ensaiada por alguns, outros abraçam-se e contemplam o luar, não faz mais sentido correrem pelo vilarejo, não faz mais sentido obedecer. Em um ato de desespero a figura soberana tenta uma última ordem, o grito vem de suas entranhas e tenta fazer frente à força das vozes unidas.
- Frigga, é a última chance para entregar-me a chave do alçapão, atearei fogo em tudo depois subirei até aí.
Sentiu-se em um aquário, seu esforço não fizera nem cócegas aos ouvidos alheios. E mais, ou retirava-se logo, ou perderia também seu batalhão. Sua desistência marcou a vitória do amor.
- Eu voltarei Frigga, sua bruxa!
O vilarejo cresceu e continuou comemorando toda sexta-feira treze, nesse dia todas as casas do reinado passaram a acolher as canções que vinham do alto da montanha, outro lado da floresta, guiadas por Frigga e seus doze amigos.
*Nós somos os filhos da nossa mãe natureza.
Aqueles que correm descalços por entre as pedras afiadas.
Nós somos os filhos da nossa mãe natureza.
Nós não vamos cortar nossos cabelos e não vamos abaixar nossa voz.