Os discípulos de Scooby Doo
OS DISCÍPULOS DE SCOOBY DOO
Miguel Carqueija
Através da longa, esburacada e abandonada rodovia, corria o Aston Martin One 77 — que em tempos fôra o carro mais caro do mundo — parecendo, por sua forma e velocidade, um verdadeiro foguete horizontal.
Nossa equipe de Investigação de Fenômenos Psíquicos, observando de uma elevação, sentia crescer a perplexidade. Nunca havíamos deparado com fantasmas tão velozes. Aliás, desde a Grande Guerra da Água, trinta anos atrás, não se usavam mais automóveis capazes de tal performance. Quanto mais poderosos, mais caros, e já não existiam recursos de sobra.
— Estácio — falei para o rapaz orelhudo ao meu lado — o que você acha?
— Teremos que fazer uma barricada.
— Não sei se dará certo — observou Nilceia. — Fantasmas atravessam componentes sólidos, vocês estão cansados de saber.
— Vamos ter que utilizar o nosso helicóptero.
No fundo a idéia me agradava, pois iria aumentar a conta a ser apresentada à Prefeitura local. A aparição já sumira pelos meandros da estrada; teríamos mesmo de procurá-la pelos ares. Mandei vir a aeronave e no dia seguinte palmilhávamos a região assombrada pelo automóvel-fantasma. O espectro aerodinâmico causava pânico, jogava outros carros fora da estrada, o prefeito andava preocupado com os prejuízos no turismo.
O helicóptero estava com o arsenal completo para combate sobrenatural, como a água espiritual, o aspirador de almas e outros apetrechos utilizados por caçadores de fantasmas. A expectativa da luta me excitava; Nilceia, Adriana e Estácio não ficavam atrás.
Em vão rastreáramos pela internet a placa do carro; os registros de propriedade em grande parte tinham ido por água abaixo, na Guerra da Água. Não fazíamos idéia da motivação da abantesma que pilotava aquela coisa.
— Vejam, lá no entroncamento! — exclamou Adriana. — Lá está ele!
— Agora vamos pegá-lo! — exclamei por minha vez. — Tratem de preparar a rede metapsíquica!
Que belo e lustroso carro-espectro aquele, reverberando aos raios inclementes do sol! Custava a crer que se tratava de uma aparição. Os poucos autos que circulavam pela via, porém, retrocediam, pegavam estradas secundárias ou se jogavam no acostamento, tal o pavor que “aquilo” causava. Estácio desceu rapidamente, controlando o manche, enquanto Nilceia e Adriana preparavam a rede.
Só víamos um vulto fugidio lá dentro, tal a ligeireza daquele carro de corrida. O próprio helicóptero teve dificuldade em alcançá-lo e, quando lançamos a rede, experimentamos uma surpresa muito grande: o fantasma não foi detido, e atravessou-a com a maior facilidade. Eu nunca vira um fantasma tão poderoso.
Mas algo inesperado aconteceu. O rebrilhante e cinzento Aston Martin One 77, ao tentar desviar da rede, perdera a direção, indo bater de raspão no barranco vermelho do acostamento, e parara roncando. Meio esbaforidos, descemos com toda a rapidez possível e saltamos do helicóptero, empunhando as nossas armas. Havia qualquer coisa errada em tudo aquilo, mas não tivemos tempo para raciocinar.
O fantasma-piloto, com óculos de corrida, saltou do carro, meio cambaio. Era um espectro alto e desengonçado, com vestes anacrônicas. Antes que pudesse desmaterializar-se, acionamos nosso aspirador fantasmagórico e ele foi sugado para dentro num abrir e fechar de olhos.
— Depressa! — falei, agitado. — Vamos esconjurá-lo!
Através da boca do aspirador, encaçapamos o infeliz espectro com uma carga elefantina de água benta e ainda utilizamos o disparador de incenso. Para nossa surpresa, porém, o fantasma, todo encharcado e tossindo, pulou fora do aspirador, gritando com voz nada espectral:
— Parem com isso, imediatamente! Vocês ficaram loucos?
— Gente, temos que dar um choque elétrico nele, depressa! Talvez assim ele desmaterialize! — exclamou Estácio, e as garotas buscaram as armas requeridas.
— Que conversa é essa? Eu não sou fantasma, seus imbecis! Algum de vocês já viu fantasma com cartão de crédito?
E tratou de nos mostrar vários, que ostentavam o nome: Plácido Eurípedes da Silva.
O nome de um famoso milionário excêntrico.
Comecei a desconfiar que havíamos cometido um erro piramidal.
— Quer dizer que o senhor não é um fantasma? — balbuciei.
— Veja se isto parece coisa de fantasma!
E deu-me um soco no nariz, que me jogou ao chão.
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Para resumir, ele era o neto do último comprador do One 77, que por causa das complicações da guerra conservou a sua preciosidade escondida num porão de luxo da sua mansão suíça, e nunca mais a usou. Passaram duas gerações e o seu neto maníaco resolvera passear com o velho automóvel, que se mantinha como novo por constante manutenção. Só que os passeios eram a toda velocidade.
Foi complicado. Tivemos que indenizá-lo por danos morais, ele teve de pagar multa à Prefeitura por semear o pânico e a Prefeitura nos pagou por termos, ao menos, esclarecido o mistério.
E riscamos da nossa alçada os fantasmas motorizados...
Nota: Scooby Doo é criação dos produtores de animação dos EUA William Hanna e Joseph Barbera.
(imagem do google)
Comentários: Luanna Lino, Rosilene Lima, Vania Staggemeier, (...), Alex Raymundo