O Trono Tomado – Cap. 7
Antes mesmo do primeiro passo que iniciaria a fuga, Oruna já estava perdido. Tentou apurar o quanto pôde seu instinto na esperança de que um caminho lhe fosse indicado, mas todo aquele tempo em que passara preso àquela casa por consideração às palavras dos pais, parecia ter-lhe bloqueado até mesmo os impulsos. Excluindo o caminho que os levariam a dar de frente com os perseguidores, e isso seria o mais natural a se fazer, ainda lhes restavam muitos outros rumos possíveis e desconhecidos. Então por onde deviam ir? Oruna ainda se encontrava em frente a casa, estava impaciente, silenciado e sem resposta a tal pergunta.
De repente uma voz se levantou e elucidou a questão.
— Eles não podem nos conduzir?
Oruna se voltou a Sah e se sentiu extremamente aliviado.
— Claro, menina. — Agradeceu com um gesto de cabeça. Depois se voltou para a raposa e disse, decidido: — Glors, nos leve para longe, e siga um caminho seguro. — Ponderou mais uma questão e acrescentou. — Casra, atrás da Glors. Proteja nossa dianteira. Galra, nossa retaguarda. Ac-rô, Vântida, de olhos firmes das alturas. — E enfim disse aos garotos: — Vamos?
E foi nessa formação que a comitiva deixou aquele lugar.
Após as primeiras horas de caminhada a floresta já parecia não ter fim. Não que o destino deles fosse onde as árvores não mais aparecessem, mas todo aquele tempo andando, além de cansar-lhes, dava também a impressão de que não saiam do lugar. Era uma sensação perturbadora para quem fugia. Em contra partida, não receber a notícia de que os perseguidores estavam perto amenizava um pouco suas más impressões. Mas ainda assim, em alguns momentos, o que mais queriam era chegar num campo aberto, onde poderiam ver, com nitidez, tudo a sua volta.
A comitiva não corria como que desesperada. Assim que entraram na floresta, de fato o velho bradara para que a raposa acelerasse um tanto, e assim trocaram algumas passadas rápidas. Mas pouco tempo depois Oruna já sentia um cansaço exagerado sobre o corpo e de repente já estava faltando-lhe o fôlego. Pararam no exato momento, e depois de puxadas fortes no pulmão o velho recuperou sua respiração. Desde aquele ponto se deram ao limite de Oruna. Caminhavam em passos curtos e calmos. E Sah, que vinha logo atrás do velho, cansada, agradecia pelo cómodo ritmo em que seguiam.
As dificuldades se estendiam por todo o caminho, e se resumia a um solo com buracos dissimulados por folhas e galhos quebrados e raízes proeminentes saltadas da terra, além de uma vista pouco privilegiada, prejudicada pelos muitos braços de árvores que invadiam a trilha. Era um lugarzinho hostil e traiçoeiro. E por muitas vezes causara alguns ostensivos tropeções que terminaram em queda. Felizmente quem caiu não se machucou seriamente. Élian conseguiu um arranhão na canela depois que foi de encontro com uma das raízes elevadas, mas o acidente não o impediu de seguir caminho. E Sah, em sua infelicidade, obteve um corte relativamente profundo na palma da mão. Esse corte, de fato, conseguiu um maior estardalhaço e fez com que o grupo parasse novamente.
— O que foi, menina? — Oruna se virou rapidamente para trás.
— Sangue! Eu me cortei nessa pedra. Está doendo muito. — As expressões da garota confirmavam a dor.
— Calma. — Oruna rasgou um fiapo da orla do seu vestido e envolveu o ferimento. — Tente fechar a mão e ficar assim durante um tempo. Agora temos que ir. Não podemos ficar parados. — E a comitiva seguiu.
Não muito depois do acidente a raposa guia parou. Num primeiro instante um susto tremendo invadiu seus corpos, ficaram rígidos como pedra. Os animais ficaram em alerta, e Ac-rô e Vântida grasnaram das alturas. Eles nos alcançaram? Drasticamente Oruna e os garotos só conseguiam pensar no pior. Sah trouxe Élian para perto de si o velho se aproximou dos dois. Seu pé se afundou num buraco invisível e o fez se apoiar num tronco. Nem um arranhão.
— O que foi, Glors? — Oruna recompunha o corpo.
De repente os tigres avançaram e se posicionaram ao lado da raposa. Roncavam num tom de aviso.
— O que foi, Glors? — Repetiu o velho.
Pelos gestos da raposa Oruna entendeu se tratar de um bicho se aproximando. Em sua cabeça era um realidade melhor do que se fossem os perseguidores. Infelizmente, não saber de que animal se tratava era um agravante que por fim poderia se revelar ainda pior. Poderia ser mortal. Oruna mirou os dois pequenos tigres a sua frente e sem perceber depositou confiança neles. Depois ponderou um fato pertinente.
— É apenas um?
Se fossem dois ou três ou, pior, um bando, talvez a confiança do velho estivesse sido vã. Ele esperava que não, mas estava preocupado. Se fossem mais de um, Casra e Galra poderiam de fato protegê-los como ele havia prometido a garota? Era difícil responder. Oruna nunca vira seus companheiros num ataque, não sabia como agiam, não conhecia sua voracidade. A única coisa que sabia era que aqueles pequenos tigres tinham dentes imponentes e afiados demais dentro da boca. Talvez eles sejam dono de uma mordida que finaliza, o velho pensou. Mas e se...De repente se perdeu nos pensamentos. Silêncio.
Foi quando de súbito a raposa roçou o chão com uma das patas. Oruna entendeu o gesto e se sentiu aliviado. Depois olhou para os garotos e entregou-lhes expressões mais flácidas.
— A boa notícia é que é apenas um animal. A má notícia é que não sabemos qual é.
Sah não disse nada. E de repente seu olhar se direcionou à Orrariona, ainda sobre o ombro de Oruna. Lembrou-se perfeitamente da Oito-patas. "Você é valente como ela, Orrariona? Pode nos proteger?". Seus pensamentos tiveram fim quando de súbito um ronco mais ostensivo emanou de um dos tigres, para logo em seguida o outro o imitar com o mesmo som poderoso. Sah vidrou os olhos nos animais a sua frente e viu a raposa recuar quase um metro, depois se esconder atrás de uma árvore. "Está chegando!". Ouvia-se o quebrar de galhos secos e via-se o sacudir de algumas pequenas árvores cada vez mais perto. De repente o desespero já havia se estabelecido. Oruna se virou e posicionou-se na frente dos garotos, como um muro posto para proteção. Ac-rô e Vântida já voavam mais baixo, por entre as árvores, e grasnavam num mesmo tom de aviso.
O sol estava na ativa, bem no alto, mas ainda assim não clareava muita coisa. Pareciam estar no coração da floresta, num lugar escuro e de poucos recursos. Isso representava outra dificuldade. Mas Oruna havia pedido um caminho seguro e confiava na raposa para entrega-lo. Glors era sagaz e esperta. Aquela trilha, sem dúvida, era segura. Apenas estava sendo utilizada por um outro ser, que Oruna sequer imaginava qual era, mas que se aproximava rapidamente.
— Fiquem atrás de mim, garotos. – O velho disse.
E o som no meio da mata se aproximou mais. Já estava a uns cinco metros, em poucos segundos, quatro, três...
— Casra, Galra...
Dois...um...O coração saltou bruscamente e uma última arvorezinha foi ao chão para revelar um urso pardo. Era monstruosamente grande. E quando viu os tigres a sua frente, ergueu-se sobre as patas traseiras, ficando perfeitamente em pé, e dobrou, assustadoramente, de tamanho. Instintivamente Casra e Galra avançaram sobre o colossal urso, mas duas patadas consecutivas jogaram os tigres longe. Oruna assistiu a cena e de repente caiu sobre os joelhos. Não sabia o que falar, se tinha mesmo palavras a serem ditas, e muito menos o que fazer. Sentiu-se impotente. Penalizou-se com um "Fracassei" pesaroso em sua cabeça. De repente estava perdido.
O urso avançou mais um metro. Sah gritou desmedidamente. O rosto de Élian não cabia outro sentimento senão o medo. O urso avançou outro metro. Oruna tentou dizer alguma coisa, mas as palavras não saíram. Então forçou-se, e por fim disse para os garotos correrem. Sua voz estava exausta. Casra e Galra tentaram outra investida, mas novamente fracassaram. E o urso, de repente, alcançou o velho.