UM MOMENTO DE DESCONTRAÇÃO

Um momento de descontração

“Je veux, sans que la mort ose me secourir,

toujours aimer, toujours souffrir, toujours mourir. “

Corneille (1606- 1684 )

“Eu quero, sem que a morte ouse me socorrer,

sempre amar, sempre sofrer, sempre morrer.”

Nove horas da manhã de um sábado. A praia estava cheia de sol e de gente. Mas eu ia só, junto ao mar, sem nenhuma pressa, distraída mesmo, alheia a todo o “ frisson” que tomava as pessoas.

Então, inesperadamente, subiu-me do fundo da alma, um sonho há muito tempo esquecido e que não será real jamais.

Entretanto, não é proibido sonhar... e é por isso que, em alguns minutos, quantos sentimentos, quantas vibrações, quanto calor e quanta luz eu pude experimentar!..

De repente, atravessei o limiar dos bastidores. Lentamente, as cortinas se levantaram.

A orquestra e seu maestro, o coro, o público, todos estavam à minha espera. Era o meu triunfo, a minha vitória. Estava eu ali para cantar o papel principal de uma ópera de Verdi, para aqueles que sabiam apreciar a boa música, com um gosto refinado.

Por minha vez, eu saberia verdadeiramente exprimir o temperamento da personagem e suas paixões; saberia amar, sofrer, morrer... e o faria com voz clara, cujo tom de soprano ligeiro desenvolveria as frases com grande sonoridade, enquanto o público me seguiria atento e comovido. Saberia manter a medida dos gestos, saberia volver os olhos e sustentar o interesse da plateia até que a grandeza da obra de arte finalizasse no inevitável desfecho trágico.

No fim do espetáculo, eu estenderia os braços e os fecharia, inclinando-me ( ao som de “bravo!” “ bravo!” “bis!”) para agradecer os aplausos, sem esquecer, evidentemente, de dividi-los com os outros cantores e a orquestra.

Aquele seria um momento em que o coração se inundaria de muita alegria.

Mas, eis que rápido, rápido, faço meu retorno ao cotidiano. O mar ainda estava ali certamente. Também as pessoas.

Quanto a mim, felizmente conheço minhas exatas dimensões, realizando plenamente o que posso, da melhor forma.

Tento extrair de meu espírito, todo dia, a verdadeira arte de viver.

Esther Lessa

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Esther Lessa
Enviado por Esther Lessa em 21/12/2013
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