Ankou, o príncipe maldito _ Conto inspirado na mitologia bretã.

O céu estava carrancudo aquele dia, cinzento, trovejando e iluminado as trevas com seus raios fulgentes. Devido à impossibilidade de caçar javalis, o príncipe resolveu oferecer um banquete para seus súditos; um banquete faustoso, para demonstrar o quão glorioso era seu triunfo,e quão “generoso” eram seus modos.

Em meio à tamanha pompa, o príncipe ergueu-se e propôs uma luta: uma batalha entre um de seus nobres vassalos e um doente, que além de enfermiço, perdera seu braço hábil numa escaramuça. Sabendo que seria condenado ao opróbrio se recusasse o confronto, o homem adoentado pousou seu copo de vinho sobre a opulenta távola do banquete, pegou sua espada com desengonço, e já ébrio, rumou para o vão que havia entre duas oblongas mesas. Era o local costumeiro para batalhas, lugar que todos, escravos ou senhores, crianças e adultos, homens e mulheres poderiam ver o desenrolar sangrento e o faiscar das espadas, enquanto os bardos cantavam canções para exaltar os vitoriosos. Desnecessário dizer quem foi o vencedor de tal batalha, mas ao invés de por um fim na vida sôfrega do homem doente, o lacaio do príncipe o cortou paulatinamente, e a cada esguicho de sangue, um pinote era dado pelo príncipe, que se fartava numa távola ligeiramente mais alta que as outras duas para mostrar sua superioridade. Ver os seus companheiros morrerem era como oferecer um baú de ouro e prata para ele.

Finda a luta, o príncipe encerrou o banquete e retirou-se para seu leito, pois no dia seguinte, ele pretendia despertar ao dilúculo para encher uma carroça de javalis, para mostrar o quão habilidoso e truculento era ele.

O sol mal havia dissolvido a púrpura escuridão que precede o alvorecer, e o príncipe já estava de pé, gritando insultos para o vento e enaltecendo a soberba. Dizia o príncipe:

_ Hoje volverei com a carroça repleta de cadáveres, para que todos vejam o tamanho de minha glória!

O príncipe partiu com um cocheiro e uma hoste de subalternos, portando um arco e uma espada incrustada de pedras preciosas. Tamanha era sua altanaria, que ele havia mandado que polissem seu elmo com areia do rio, usava cota de malha e partiu como um homem que se veste em esplendor de batalha para abismar o inimigo. O príncipe adentrou o bosque de carvalho, num dia insólito, e até o zéfiro soprava diferente naquela manhã. Uma atmosfera funesta abraçava aquela mancha apenumbrada que era o bosque sob o sol tímido do inverno, mas o príncipe, transbordando ufania, viu aquilo como um augúrio favorável à carnificina vindoura.

_ Andai, monte de merdas, ou vós sereis mais uma pilha de corpos enchendo a carroça! disse o príncipe com altivez.

Os subservientes, amedrontados, esporearam os seus corcéis bosque adentro para mostrar competência, quando um deles subitamente puxou as rédeas de seu cavalo, e atônito, fitou surpreso uma figura cadavérica montada num árdego e magnificente cavalo branco.

Iracundo com a presença do homem em suas terras, o príncipe bramiu:

_ O que fazes aqui, dentro das terras alheias?

O cavaleiro taciturno ofereceu o silêncio como resposta, trotando com bazófia, em movimento circular, para que o príncipe vislumbrasse um majestoso arco e flecha por entre o negrume da capa, que contrastava lindamente com o chispar do broche de prata que a prendia.

_ Pois bem!_ disse o príncipe em tom de desafio. _ Se tu pensas que podes caçar, proponho-te uma disputa: O que lançar a flecha do suspiro da morte no primeiro veado branco, terá não somente sua carne, como também decidirá o fadário de seu oponente. A figura sobre o cavalo branco aceitou sem hesitar, e pela primeira vez entre aquele colóquio, o sujeito fez ouvir sua voz.

_ Que assim seja! _ respondeu de forma lúgubre. A voz daquele ser peculiar, com um longo manto enegrecido , era tão sinistra quanto o farfalhar das folhas sendo sopradas pela brisa noturna nas paredes musgosas do castelo.

O trato mal foi aceito entre ambas as partes, e os adversários galoparam tão celeremente quanto puderam por entre os enormes troncos ; as bolotas de carvalho um mero vislumbre no chão folhoso, tamanha era a velocidade com que cortavam as árvores. Eles cavalgaram e cavalgaram; cruzaram regatos e charcos; campos e montanhas; porém, o cavaleiro insólito nunca perdia a liderança. E quando eles finalmente avistaram um veado branco, o ser de capa longa, que nunca mostrava sua face, soltou a corda de seu arco, libertando a flecha que cortaria o ar gélido de inverno carregando o suspiro fúnebre. O veado caiu desfalecida e languidamente com o tiro certeiro da flecha.

O príncipe, ressentido pela perda, tomou a resolução de se vingar e ordenou que seus homens cercassem o forasteiro, ufanando-se que a caçada não lhe traria apenas o veado, mas mais um cadáver como sinal de sua conquista.

O estranho riu e disse com tom zombeteiro:

_ Podeis ter o veado! E todos os cadáveres do mundo! Vossa alegria é caçar, honrado príncipe?! Que caceis então! Vossos troféus serão os mortos do campo de batalha, os enfermiços e adoentados, e eles terão o cheiro da putrefação, caçador!

Após proferir aquela anátema, o estranho esvaiu-se por entre as árvores, e o príncipe, trajado em esplendor de batalha, agora tinha a face lívida e exânime. Um de seus dois cavalos que puxavam sua negra carruagem, agora era um ser surrado pela eternidade, velho e macilento. Os homens estáticos de terror, não puderam correr do seu senhor, pois este ceifou suas vidas para iniciar sua interminável jornada: A de encher a carroça com os corpos dos mortos e levá-los para o submundo, nunca esquecendo que sempre haverá lugar pra mais um!

Quando um Ankou vem, ele não retorna de mãos vazias. ( Provérbio Irlandês)

Rafael Sad

Ankou é uma personificação da morte na mitologia bretã, bem como na córnica, na normanda e no folclore francês.

Há muitos contos envolvendo o Ankou, que são descritos como um homem ou esqueleto vestindo uma capa e segurando uma foice, e em algumas histórias ele é descrito como uma sombra que parece um homem com um chapéu velho e uma foice, muitas vezes em cima de uma carroça coletora de cadáveres. Diz-se que ele usa um manto negro com um grande chapéu que esconde seu rosto. Outras versões contam que o Ankou é a primeira pessoa morta do ano (embora ele sempre é retratado como adulto e pertencente ao sexo masculino), acusado de recolher a alma dos outros, antes que elas possam ir para a vida após a morte.Acredita-se que ele guia uma grande carroça preta, puxada por quatro cavalos negros;. acompanhado de duas figuras fantasmagóricas a pé . Outra lenda diz que sua carroça é guiada por dois cavalos: Um velho e enfermo e outro jovem e cheio de viço.

Um conto diz que havia três amigos bêbados indo para casa certa noite, quando eles se depararam com um homem velho numa carroça. Dois dos homens começaram a gritar como o Ankou, e em seguida, atirar pedras nele, quando, por fim, conseguiram quebrar o eixo de sua carroça e fugiram.

O terceiro amigo se sentiu mal e, querendo ajudar o Ankou, encontrou um ramo para substituir o eixo quebrado, e, em seguida, deu ao Ankou os cadarços de seu calçado para que eles pudessem ser uados para amarrar a carroça. Na manhã seguinte, os dois amigos que atiraram pedras no Ankou foram mortos, ao passo que aquele que ficou para ajudar, ficou apenas com os cabelos esbranquiçados. Ele nunca relatou como tudo aconteceu.

Outra história de origem é que o Ankou fora outrora um príncipe cruel que encontrou a morte durante uma viagem de caça e desafiou-a para ver quem conseguia matar um veado primeiro. A Morte ganhou a disputa e o príncipe foi amaldiçoado a vagar pela Terra como um Ghoul pelo resto da eternidade.

Um ankou não é a própria morte , mas seu servo; seu papel é coletar em sua carroça as almas dos recém-falecidos. Cumprindo o papel de "barqueiro das almas", o Ankou é considerado uma entidade condutora das almas . Diz-se que quem vê um Ankou morre no período de um ano.

Acredita-se que o Ankou tenha tido um papel diferente no panteão bretão, que foi reduzido hoje em dia, ao mero papel da morte.

Na mitologia irlandesa, um ankou é visto mais como uma fada do que outro tipo de espírito. A s lendas dizem, também, que em sua carroça há sempre lugar para mais um.

Informação complemetar: http://en.wikipedia.org/wiki/White_stag