O Trono Tomado – Cap. 5
Na manhã do dia seguinte os garotos acordaram como que regenerados. De fato não haviam passado a noite num belo acolchoado real, como lhes seria natural se estivessem em seus aposentos, mas aquilo que Oruna lhes oferecera como a superfície de uma cama, fora capaz de, em sua simplicidade, prestar-lhes algumas boas e confortáveis regalias. Pelo menos agora seus semblantes já não mais carregavam as expressões cansadas que antes os inundavam. E isso deviam ao velho.
Sah e Élian atravessaram o pequeno cômodo da entrada e encontraram Oruna na cozinha. Estava à mesa e tinha os braços repousados sobre a madeira do móvel. Trazia na face demasiadamente enrugada um olhar carregado.
– Você não dormiu?
– Precisava ficar acordado.
– Por que?
Oruna mirou a garota e imaginou-a sorrindo.
– Ora, para protegê-los. – Disse, descontraído.
Por um lastimável segundo Sah conseguiu ver um velho sendo facilmente derrotado num ínfimo combate. De fato não conhecia muito bem Oruna para afirmar suas fraquezas, em contrapartida, também não podia dizer nada a respeito dos maldosos que perseguiam a si e seu irmão. Eram dois lados de forças desconhecidas: Oruna e os homens de negro. Entretanto, para Sah, num lance óbvio, um velho não conseguiria sequer se proteger, quanto mais a outros. Essa realidade doeu-lhe na pele, mas felizmente conseguiu supera-la, e consequentemente esquecer o fato.
A garota então se aproximou e sentou-se num dos troncos serrados à mesa. Élian a imitou. Sah estava pensativa.
– Você mora aqui desde…sempre? – Por fim disse.
O velho balançou a cabeça.
– E seus pais, morreram? – Fora direta como um bruto. Porem a resposta não tardou.
– Sim. Há algum tempo.
– E de onde eles vieram? Não é comum alguém morar na floresta. – Disse, demonstrando no rosto o absurdo que era o fato.
Ludicamente Oruna imaginou que Sah havia acordado inspirada pelas curiosidades; curiosidades, talvez, suscitadas de seus sonhos. Entretanto não havia nada de mais em questionar alguns fatos a respeito de um velho um tanto estranho, mesmo que usando de perguntas diretas e afiadas. Pelo contrário, Oruna até gostava das indiscrições da garota.
Por fim mirou-a e se rendeu com um sorriso.
– Eles vieram de uma pequena vila de artesãos ao norte daqui. Meu pai me contou essa história e apontou o dedo para lá. – Oruna estendeu a mão e apontou o dedo para um lado, imitando o gesto do pai. – Me contou a história da praga que atingiu os campos e causou fome em toda a vila. E por isso o povo teve que deixar aquela terra. Alguns foram para a direita, outros para a esquerda. Meus pais decidiram ir para o lado mais verde.
– Qual era o nome deles?
– Ishak e Limna.
Sah balançou a cabeça como que entendida.
– Quantos anos você tem?
Oruna de repente se emudeceu. Quantos anos ele tinha? Nem ele sabia. Até se recordava de um tempo muito distante quando um simples menino tinha oito ou nove anos, mas depois desse tempo nunca mais contou, e sua idade então se perdeu.
– Pergunta difícil, menina.
– Você não sabe sua idade?
O velho meneou a cabeça, e Sah lhe entregou um olhar perplexo. Élian começava a imitar a irmã.
– Eu acho que você é velho igual o Conselheiro. – E ficou pensativa. Depois riu.
Naquele mesmo momento um som esvoaçante invadiu a cena. E o bater das asas chamou a atenção do velho, que imediatamente se levantou e caminhou em direção a entrada. Antes mesmo de abrir a porta Oruna reconheceu a ave e pronunciou seu nome: Ac-rô. Sah puxou o irmão e seguiu o velho.
A ave havia pousado num pequeno campo limpo, sem mato e árvores, em frente a casa. Era uma águia de beleza rara, como Sah pôde constatar; talvez fosse a única que existisse. Suas penas eram vermelhas, num tom mais forte que a terra, e seu bico, escuro, de uma cor que a garota não conseguiu distinguir. Para ela, num conjunto de características, a ave era, ao mesmo tempo, estranha e magnífica.
Quando Oruna se aproximou alguns passos mais, Ac-rô abriu as asas num súbito movimento e revelou uma enorme envergadura. O velho entendeu o gesto como um cumprimento, e como resposta ergueu o braço esquerdo. Sah ficou sem entender, mas continuou observando sem censurar o que via.
— O que foi, Ac-rô? – Por fim o velho disse.
De repente a ave bateu as asas com exagero. Inúmeras vezes. O vento forjado expulsou as folhas secas de perto e levantou a terra assentada. Oruna mirou Ac-rô com um olhar inquieto.
— Quantos?
A pergunta não soou razoável por ter sido feita a um animal, mas não era hora de Sah pesar as razões. Ela já havia entendido. “Nos encontraram!”
Ac-rô fez novos súbitos gestos, e mesmo que naturais a uma ave, Oruna os entendeu, claro, de uma forma inexplicável. De repente o velho franziu o cenho.
— Chame os outros, Ac-rô. E fiquem perto da casa. Proteção, proteção. Vai.
Ac-rô voou e o velho se virou aos dois garotos. Em sua cabeça havia uma agitação indesejável.
— Estão vindo. E são muitos. Entrem! — Estava sério, sério até de mais.