Igor

Igor era um monstro e ele sabia disso.

Ao contrário do que muitos pensam, ele não queria ser humano, mas queria que, aqueles que eram, entendessem que sua monstruosidade não deveria ser considerada abominável ou causar asco.

Sua história é um tanto quanto confusa. Nasceu de pais humanos completamente saudáveis, mas já aos quatro anos apresentava uma pequena anomalia aqui, outra lá. Aos seis, terminou de desenvolver outro olho e outro braço. Nenhum médico conseguia explicar o porquê desse acontecido, mas passados mais cinco anos, mais um braço e um olho haviam nascido e estavam perfeitamente operacionais.

A boca de Igor também foi mudando com o tempo. Quem diria que aquela pequena boquinha de bebê poderia ficar tão grande assim? Os limites laterais da boca são hoje gigantescos! Os lábios tiveram que esticar e ficaram fininhos, enquanto os dentes ficaram mais pontiagudos e espaçados. Sim, um monstro.

Igor, nos dias de hoje, possui oito olhos e um braço para cada olho. Seus braços, no entanto, ao contrário dos olhos, possuem tamanhos irregulares, apesar de serem operacionais. Enquanto isso, suas duas pernas atrofiaram um pouco, tornando-se um pouco menores do que o normal, quase não aguentando o peso do resto do corpo. Não podemos nos esquecer também do motivo pelo qual Igor sempre usa um chapéu de cowboy ridículo: seu cérebro cresceu e rompeu parte de seu crânio, mas hoje é coberto por uma placa de metal que permite que o mesmo fique protegido.

É claro que não uma das coisas mais bonitas de se ver. Um homem totalmente desproporcional com oito braços, oito olhos, usando sempre um jaleco branco, calças verdes de sarja e um chapéu fora do resto de seu estilo de vestuário. Talvez isso explique parte dos motivos para ninguém nunca ter conseguido manter uma conversa decente com este rapaz.

Seus pais sim eram pessoas toleráveis. O amaram até o momento que morreram de câncer. Cuidaram de sua educação, de seus modos, de sua higiene e de sua alimentação. Deram carinho e até tentaram inseri-lo nos círculos sociais, o que foi um completo desastre.

Quando era criança, cursou a escolinha como qualquer outra pessoa, protegido sempre pelos direitos humanos. Cresceu sem entender o porquê que a vida havia feito isso com ele e abandonou a religiosidade cedo. Aos doze teve sua primeira paixão por uma garota de classe alta do colégio que estudava. Todos sabemos que, com a primeira paixão, vem o primeiro coração partido. Foi a partir daquele momento que Igor optou por não se socializar mais. Ora essas! Era um monstro! E se o mundo não estava preparado para ele, faria sua parte e colaboraria para a paz. Desde então ficou em casa, cuidando de seus pais e sendo cuidado por eles. Eles o ensinaram grandes valores morais, lhe mostraram grandes obras da literatura clássica como Frankenstein e Jekyll, lhe deram instrumentos musicais, cuidaram de seu corpo e sua alma.

Aos vinte sete, descobriu que seus pais haviam contraído câncer logo antes de o conceberem. Decidiu então procurar ajudá-los e tornou-se cientista por conta própria. É incrível o que a internet pôde supri-lo! Em uma semana começou a trabalhar online e pôde comprar todos os materiais necessários para começar seus testes no combate do câncer. A parte boa é que nunca teve vida social para atrapalhá-lo em seus estudos.

Estava tão perto de encontrar a cura quando seu pai finalmente veio a falecer. Chorou mais do que alguém com somente dois olhos poderia chorar. Ficou de luto e até esculpiu uma estátua em sua homenagem. Três meses depois, ficou sozinho. Sua mãe também faleceu.

Blasfemou a vida e todos os deuses possíveis. Passou um tempo enorme a partir deste momento para que pudesse superar a morte de seus familiares. Escreveu poemas, cartas, músicas, peças; esculpiu estátuas, fontes, bonecos; fez aquilo que pôde para mostrar ao mundo o quão maravilhosos eram seus pais.

Mas como Igor sobreviveu daí pra frente?

Tinha uma técnica incrível (e dolorosa) que o permitia se camuflar um pouco: amarrava seis braços para trás, usava chapéu e óculos escuros. Seu senso de moda era duvidoso e, é claro, não conseguiria enganar ninguém assim se saísse na rua, então se limitava a fazer encomendas pelo telefone (como comida e outras necessidades). Apesar de conseguir se virar bem assim, ainda não conseguia dar conta. Não havia, por exemplo, ninguém que entregasse papel higiênico. Foi quando decidiu contratar uma empregada.

Igor agora possuía um imenso laboratório no topo da casa de onde poderia sempre observar quando a empregada chegava e quando partia. Conversava com ela apenas por detrás de uma parede feita com um pano fino, usando a desculpa que possuía uma doença e não poderia entrar em contato físico com ninguém.

Funcionou por um tempo.

Depois de alguns meses, Igor descobriu sua verdadeira monstruosidade: Amava demais. Ele podia enxergar quatro mil setecentas e vinte uma frequências de cores além daquelas que podemos enxergar. Além disso, seu tecido nervoso era dez vezes mais elaborado que o do ser humano, permitindo-o sentir mais sensações que qualquer um. Se o mundo já lhe parece bonito, imagina viver assim? As rosas eram mais rosas, as árvores eram mais bonitas, o toque era mais intenso, o gosto era mais saboroso.

Apaixonou-se por aquela doce empregada com quem nunca tinha ficado, de fato, frente a frente. E foi exatamente por estar apaixonado que optou por nunca mostrar-se a ela. Imaginava que poderia assustá-la. Imaginava o alvoroço que poderia causar.

A partir de então, sua vida fora imensamente emocionante. Descobriu, além de coisas pequenas como a cura para o câncer e o fato de ter três corações, o verdadeiro prazer de amar. Passou a cuidar da empregada. Seu dinheiro era providenciado por um cientista que prometeu total sigilo de sua existência em troca de seus experimentos. Comprou presentes, mimos e até lhe fez poemas. Igor escrevia extremamente bem!

A doce empregada, após criar intimidade com o monstro, começou a descobrir seus dotes maravilhosos. Começou com as esculturas que encontrou num cômodo nunca antes visitado, depois a música que ouviu o patrão tocar quando chegou antes da hora, seguido pelos lindos poemas que costumava encontrar pelas escrivaninhas da casa. Começaram a conversar mais. As experiências da garota eram incríveis para Igor! Ele sentiu tanta vontade de Amar o mundo! De sentir tudo aquilo! Imagina como seria!

Foi quando um dia, após adquirir total confiança da empregada (que também dizia estar apaixonada por ele), resolveu se mostrar.

A garota não só saiu correndo, como ligou para os jornais, a polícia e tudo mais que tinha direito.

Com seus três corações partidos, Igor sentiu-se traído. Sentou-se no canto de seu laboratório e chorou por três dias seguidos, até o momento em que os repórteres desistiram de procurá-lo. Depois daquela terrível experiência, resolveu acertar as contas com aquela horrível garota. Percebeu o quão podres podem ser os seres humanos.

É claro que não eram todos, mas aqueles que fossem teriam de pagar.

Saiu à noite, quando todos já estavam dormindo, e correu pela cidade até encontrar a casa da maldita arrasadora de corações. Com seus múltiplos membros, escalou até a janela de seu quarto e entrou. Duas horas depois ela acordou amarrada e amordaçada no laboratório do monstro.

Passou o resto da vida alimentando e cuidando da moça. Estranho, não? Mas assim todos ganhavam: ele poderia admirá-la e saborea-la enquanto, ao mesmo tempo, a torturava por sua personalidade horrível! Além disso, é claro, se dedicou a caçar e assassinar as demais pessoas que mereciam de punição. Acabou com os ladrões, os policiais corruptos e com todos os políticos da cidade.

Depois de um ano, a polícia finalmente descobriu quem estava por trás de homicídios tão horríveis, mas já era tarde. Encontraram uma casa totalmente vazia. Nunca mais ninguém viu Igor, mas a garota acabou aparecendo em casa depois de mais alguns anos, quando, supostamente, haveria aprendido a lição. Hoje ela é escritora, mas quase foi internada no sanatório quando tentou convencer sua família de que o monstro era, na verdade, um bom rapaz.

Igor pode ter nascido um monstro, mas foram as pessoas que o quiseram assim.