O Trono Tomado – Cap. 4
Do vão da cozinha o velho conseguia ver a mudança do dia. Apesar das árvores taparem o sol, que se punha no horizonte a sua esquerda, seu brilho alaranjado ou vermelho, fosse qual fosse só poderia ser do sol, parecia conseguir desviar-se dos troncos e folhas e invadirem com êxito o lugar onde estavam. Era bem bonito de se ver.
Mas o fato é que quando Oruna abriu a capa de couro, que já havia sido pousada sobre a mesa, o brilho do sol ofuscou a primeiro folha da história e fez com que o velho se incomodasse. Oruna então obstruiu a claridade com a mão e agora pôde ver algumas palavras surgirem sob a sombra de uma palma. Antes de começar a lê-las, entretanto, mirou uma última vez os garotos a sua frente, e também a aranha, e viu no rosto de Sah um traço de curiosidade; nos olhos de Orrariona, o mesmo brilho distinto; porem no rosto do menino não encontrou coisa alguma, além de duas manchas coradas em suas bochechas, nada de expressivo.
De repente o velho sentiu o pesar por ter prometido uma história que Élian não poderia ouvir. Martirizou-se mais uma vez, mas por fim se deu à narrativa, de fato um tanto consternado.
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O Rei e os Magos
Ouça minha voz e preste muita atenção. A história nessas linhas ocorreu há um tempão. Foi a aventura inesquecível...ou melhor, perseguição, de dois magos e um menino em um momento de aflição.
Eles morrem, papa?!
Não. Ouça.
Naquele reino, certa noite, o pior aconteceu. As trevas se fez homem e um feiticeiro se ergueu. Lançou fora os portões e então o castelo apareceu. Era aquilo que queria, entrou ele e os servos seus.
O que o feiticeiro queria com o castelo, papa?
O trono do Rei.
E ele conseguiu?
Sim. Ouça.
Quando a trombeta de aviso pelo reino ecoou, o povo logo entendeu: “Em nosso trono alguém sentou.“. “Vamos, Guarda! Vamos, Guarda!”, a fé do povo então gritou. Porem o mal sentado estava, e assim continuou.
O feiticeiro matou todos da Guarda, papa?
Não, apenas um grande número. Depois um general se levantou e liderou esses que sobraram. E dessa vez conseguiram matar todos os que estavam com o feiticeiro.
E o chefe, o mal?
Ele usava magia, magia negra. Ninguém da Guarda conseguiu mata-lo.
Mas no fim eles venceram?
Sim. Só magia vence magia. Ouça.
De repente homem e mulher começaram a caminhar. Apresentaram-se à Guarda e dispuseram-se a lutar. O general, velho incrédulo: “Nem sequer irão tentar!”. Mas o casal pulou a ordem, e por fim veio a ganhar.
Como o casal venceu, papa?
Só magia vence magia.
Eles também eram feiticeiros?
Não. Eles eram magos, os magos do começo dessa história.
Mas se eles venceram, por que foram perseguidos?
Quando o reino se estabeleceu novamente o Rei acreditou que todos que detinham a arte da magia, fosse qual fosse e quem fosse, representava uma ameaça ao seu poder.
Então ele mandou perseguir os magos?
Mandou matar. Ouça.
A voz do rei, a própria lei, soou tão forte que explodiu. E sua má sorte, naquele dia, sobre uma casa recaiu. “Matem todos, meu general!”, e sua ordem o homem ouviu. Tentou cumprir, fiel ao Rei, mas a família antes fugiu.
E para onde eles foram, papa?
Eles seguiram por um caminho ruim, dificultuso, perigoso.
E aconteceu alguma coisa com eles?
O general do Rei conseguiu alcança-los.
Mas o senhor disse que eles não iriam morrer.
E não vão. Ouça.
Quando a morte já se via sobre os fios daquela espada, o alívio, tão preciso, veio-lhes logo em disparada. O general surpreendido e de repente ao chão estava, fora um ataque em sua face, agora em sí o mal pairava.
Os magos atacaram o general, papa?
Não.
Então quem o matou?
A Oito Patas.
Quem?
Uma aranha. Ela era um animal muito valente.
E por que não atacou também a família?
Por que todos eram do bem.
E eles voltaram para o reino?
Não. Continuaram fugindo, e foram habitar um lugar muito distante.
"
Oruna terminou a história e fechou o caderninho de couro. Mirou os garotos.
— Meu pai dizia que a Orrariona poderia derrubar até o mais valente e resistente dos homens, como a Oito Patas.
Sah estava pensativa.
– E mesmo assim você não tem medo?
– Não. Ele também dizia que a Orrariona nunca me atacaria.
– E como tinha certeza? Ele também… – subitamente Sah deteu suas palavras. Uma dúvida atravessou seu caminho e de repente lhe veio à boca. – Você fala mesmo com ela?
Oruna hesitou.
– Não sei como, mas eles me entendem.
– Eles?... Aqueles outros nomes também…
– Animais.
Sah sorriu, escondendo sua incredulidade.
– Mas como pode ser possível? – Fitou a aranha, que permanecia inerte sobre a mesa.
– Não sei, você pode explicar?
Outro sorriso, agora mais sincero e suntuoso, e dessa vez Oruna a seguiu, para logo depois Élian também ser contagiado.
– Eles também falam com você?
O velho meneou a cabeça negativamente, parecia decepcionado.
– Então como você os entende?
Ficou pensativo, e as palavras lhe custaram a sair.
– Também não sei.