O Trono Tomado – Cap. 1
O silêncio reinava com glória até que três batidas desesperadas chamaram a atenção do velho. O som não vinha de longe, e após se levantar e apurar os ouvidos, logo percebeu que eram toques na porta. Sua expressão então saltou rapidamente de concentrado em suas anotações à atônito convicto. Um leve arrepio correu seu corpo pelo simples fato de nunca, em toda sua solitária vida, ter recebido uma visita — o velho estava inclinado a acreditar que de fato era uma pessoa em sua porta. Viver todo esse tempo sem um ser falante ao seu lado trouxe-lhe apenas o esquecimento de como uma pessoa de fora realmente era. Agora, entretanto, aquelas batidas repentinas serviram-lhe de estímulo para essa recordação.
— Existe mais alguém nesse deserto verde? — Perguntou ele a si mesmo num tom baixo. E, claro, não obteve resposta.
Em sete passos arrastados o velho então chegou à porta. Havia decidido pelo menos até ali chegar. Hesitou alguns segundos mas por fim abriu–a, tomando um pequeno susto com duas súbitas imagens eufóricas que lhe apareceu.
— Precisamos de ajuda, senhor! Não nos negue um lugar. — E as figuras adentraram a casa num único passo. Pareciam cansadas, mas não para invadirem uma casa. Foram rápidas como um réptil.
O velho fechou a porta e se virou, dando de cara com as aparências estranhas. E em duas frases, que naturalmente surgiriam apenas em pensamento, mas que por motivos ignorados saíram-lhe da boca, o velho se deixou aperceber do fato num tom surpreso e pensativo.
— Uma mulher e uma criança! Uma jovem mulher e uma jovem criança.
As visitas recém chegadas ignoraram aquelas palavras e se entregaram à busca de um lugar para se esconderem. Encontraram uma mesa velha no canto do que seria a sala e instintivamente se jogaram debaixo; a jovem arrastava pelo braço o menor. O velho observou a cena sem nada entender. E somente depois de já começar a curvar um pequeno sorriso inocente mediante o desespero inexplicável daquelas almas, decidiu pedir um esclarecimento e pôr fim àquela aflição.
— O que está havendo? Quem são vocês, meus caros? — O velho não se impôs bruscamente. Perguntou-lhes com serenidade para evitar mais transtornos desnecessários. Ainda assim, mesmo que com toda sua cautela à mostra, sua aparência embaraçosa falou mais alto ao menor e este se escondeu ainda mais atrás da jovem.
O velho percebeu o receio do garoto mas não recuou, simplesmente esperou uma resposta. E logo ela veio, sob uma voz ainda cansada.
— Eles querem nos pegar — a jovem fez uma pequena pausa, respirou e continuou. — Não só a nós, mas também a todos os que fugiram. Nós dois estamos sendo perseguidos desde ontem.
— Espere. — O velho agora estava confuso. E para as perguntas que queria fazer não sabia muito bem quais palavras usar, então por fim decidiu se apossar daquelas que lhe surgiram naturalmente. — Quem são vocês? Estão fugindo de onde, de quem e por que? Estão mesmo correndo desde ontem?
Foram perguntas demais. A jovem estremeceu e seus olhos se encheram d'água; o menor se entristeceu junto a ela. Os dois então se abraçaram e o velho percebeu os laços. Apesar de há muito não estar habituado com sentimentos humanos, sabia que aquele não era um mero laço manipulado pelo medo, desespero ou coisa do tipo. A fisionomia dos dois não denunciava, mas na mente do velho o fato era quase gritante.
— Vocês dois são irmãos?
A resposta foi sim, dito apenas pelo balançar da cabeça. "Eu deveria ter ido por partes", o velho penitenciou a si mesmo com uma negativa na mente. Fora o bastante para agora seguir o caminho certo.
— Venham, saiam dai de baixo, não precisam se esconder, agora estão seguros. — Estendeu-lhes a mão.
De fato o velho não sabia o que era estar seguro para eles, visto que não conhecia seus motivos de temor, mas decidiu acalma-los com aquelas palavras e passar estabilidade, assim como também confiança.
As duas almas por fim se esgueiraram de sua cobertura pouco eficaz e se posicionaram em frente ao velho. O silencio se estabeleceu. Veio uma pequena lembrança de uma mulher abraçando seu filho e dizendo a ele palavras de conforto, mas o velho conteve seu impulso de fazer igual. Fixou-se simplesmente naqueles jovens misteriosos de histórias mais misteriosas ainda e esqueceu um passado.
— Como vocês se chamam?
— Sah e Élian — Respondeu a maior.
O velho gostou. Talvez já estivesse na ora de alguém pronunciar seu próprio nome naquela casa. Alguém que não ele.
— Venham. Venham para a cozinha — deixou passar sua apresentação. — Estão com fome, sede? Querem algo para comer? — Os dois o seguiram.