Illion

Era uma vez, há muito mais tempo do que alguém possa contar e num lugar longe demais para se ir, um garoto chamado Illion. Ele vivia com sua família num castelo de mármore branco construindo sobre uma planície relvada que se alongava até o horizonte.

Desde pequeno, o garoto ouvia com entusiasmo as histórias lidas por seus pais quando o punham para dormir. Antes que tivesse idade, ele mesmo aprendeu a ler e mergulhou nas aventuras como se fossem suas próprias. Costumava acampar por dias na imensa biblioteca da casa. Era tão grande que nem em mil anos ele poderia ler tudo que ela continha.

Mas isso não era problema para ele. Ainda muito novo, Illion só se interessava pelos livros sobre cavaleiros, dragões e donzelas. Tudo mais era apenas decoração para as paredes, através de seus olhos.

Depois de passar dias absorvendo as histórias que lia, o garoto costumava encená-las no jardim, alterando um detalhe ou outro que as tornavam mais fáceis de reproduzir, afinal ele estava só.

Exceto por seus pais, o garoto nunca vira outra pessoa. Por mais extensas que fossem aquelas terras, ninguém, exceto esquilos e raposas, fazia delas sua casa.

Então aos poucos, os personagens que Illion tanto admirava tornaram-se seus amigos. Havia Trey, o homem que matou sozinho o manticore de Sondor, Hulf, o urso pardo que desvendou o labirinto de Svelrá e resgatou a flor de Dehna de seu cativeiro, e Dannya, a única capaz de invadir as catacumbas de Aran e roubar o cetro real sem que ninguém sequer percebesse. Não importava o quanto parecesse, o garoto nunca estava só.

Então, como era de costume, o tempo passou. As aventuras começaram a se tornar parecidas, e depois se tornaram as mesmas. Illion podia descrever os desfechos das histórias antes mesmo de tê-las lido. E de maçantes, elas se tornaram vazias. O garoto agora queria viver as próprias aventuras.

No jantar, então, ele perguntou ao pai:

- O que há além das nossas terras?

- Ora, meu filho, o resto do mundo – ele respondeu bondosamente.

- Mas existem castelos, abismos e... princesas? – perguntou ele, timidamente.

- Sim, meu anjo – disse sua mãe. – Há cidades cobertas por ouro e luz, florestas tão densas quanto a noite e montanhas tão altas que não se pode ver o topo.

- E será que eu posso ir a esses lugares? – perguntou com brilho nos olhos.

- Poderá, mas não agora – respondeu seu pai, esboçando um sorriso para tentar amainar o desapontamento do filho.

- Quando então? – Illion retrucou.

- Quando estiver pronto.

- Mas eu já estou pronto – indagou ele, impaciente. – Já li milhares de livros e sei como agir em qualquer situação em que me encontrar.

- Tenho certeza que sabe – sua mãe interviu. – Mas mesmo assim ainda não está pronto.

- E quando estarei? – perguntou ele, com tristeza no olhar.

Dirigindo-se até ele, sua mãe disse:

- Tenha paciência, meu pequenino, você mal abriu os olhos – e envolvendo-o nos braços, continuou. – Você ainda verá tudo aquilo que quiser. Irá se aventurar nos mais distantes caminhos do mundo e conhecerá as mais curiosas pessoas que se poderia. Mas não hoje.

- Um dia, meu filho – disse seu pai, tomando a esposa pela mão. – Não muito distante de agora. Mas não hoje.

Então, Illion foi para cama imaginando todas as fortalezas que trespassaria, todos os monstros e bruxos que enfrentaria e todas as donzelas que resgataria. Pensou nisso até perder a força dos olhos e adormecer.

No dia seguinte, ele se dirigiu à biblioteca e tentou pôr de lado sua expectativa sobre o mundo lá fora. Mergulhou nos livros de medicina e história. Executou até a perfeição os movimentos de esgrima de um manual empoeirado que encontrou. Recitou até a fixação os versos das inúmeras canções sobre as mais belas mulheres e os mais destemidos guerreiros e calculou a infinidade de grãos de areia que caberiam naquele salão usando a aritmética dos mais geniais escritores naquelas estantes.

E o tempo correu.

Mas não correu depressa. Na verdade, não correu, nem sequer andou. A cada dia parecia que carroças eram atreladas aos seus calcanhares, e seu arrastar se tornava cada vez mais lento.

Todo dia, Illion esperava a palavra de seu pai para que pudesse deixar as fronteiras da propriedade. Todo dia, esperava em silêncio. Esperou tanto que perdeu a conta.

A excitação que ele havia guardado no fundo de sua mente como se fosse uma pétala de crisântemo, em algum momento tornou-se uma impaciente brasa de bordo. E a brasa era soprada todo dia, enquanto imperava o silêncio do pai.

O fogo finalmente tomou forma e, como o dia é dia, a impaciência de Illion consumiu sua obediência e ele se preparou para partir.

Juntou algumas provisões, embainhou a espada e deixou um bilhete em cima do travesseiro. Apesar de está-los desafiando, o garoto não queria que seus pais se preocupassem à toa. Afinal, eles o amavam, só não conseguiam ver a verdade em seu coração. Estava pronto.

No estábulo, encilhou um dos cavalos mais fortes, olhou uma última vez para casa e acertou os flancos do animal. Ele disparou pela estrada e o jovem às suas costas sorriu em entusiasmo.

Illion esperava sair das terras da família e encontrar grandes centros, de arquiteturas magníficas prostrados logo após o horizonte. Mas a jornada foi mais longa do que ele havia imaginado e ao final do primeiro dia as sombras se alongaram e ele decidiu parar.

Numa clareira próxima à estrada ele amarrou o cavalo e acendeu uma fogueira. Hulf se juntou a ele quando o jantar estava pronto.

- Você não teme a ira de seu pai quando descobrir que você fugiu? – perguntou o urso, sentado do outro lado da fogueira.

- Nunca vi meu pai furioso. Ele é gentil demais para isso.

- Nesse caso você deve se preocupar em dobro - alertou ele. – A raiva dos bondosos é a pior que se pode imaginar. Ela fica guardada no âmago da pessoa porque nada é tão ruim que a faça escapar. Mas se você acertar a fechadura no lugar certo irá libertar uma torrente que o arrastará e afogará em arrependimento pelo resto de seus dias.

Illion sentiu o desespero crescendo em seu peito, mas logo se desvencilhou com desdém e vaidade.

- Pode até ser que ele se zangue a princípio. Mas quando eu retornar para casa atulhado de presentes e histórias, ele me receberá de braços abertos.

- Se você está dizendo... Eu realmente espero que seja dessa forma.

Os dois terminaram o jantar, apagaram a fogueira e foram dormir.

Aos primeiros raios de sol, Illion despertou. Dobrou a capa para que não tropeçasse na barra e levou o cavalo de volta para a estrada.

Cavalgou por mais meio dia e começou a notar que a estrada estava se afilando. A floresta pareceu mais compacta e densa. As árvores espessas não permitiam que ele visse muito mais do que três metros a dentro da mata e o céu acima da sua cabeça estava peneirado por um entrelaçado de galhos.

Prosseguiu até um ponto em que tinha dificuldade de passar com o cavalo. Os galhos agora roçavam o pelo do animal e rasgavam as mangas de suas roupas. Seguiu até onde não era mais possível. O animal enfim tornara-se grande demais.

Desceu da montaria e prendeu uma sacola com maças numa árvore para que ela não debandasse de imediato.

Seguiu contorcendo-se pela vegetação que rasgou sua roupa até que apenas poucas tiras a mantinham presa ao corpo. A luz só chegava ao chão em fachos, como vigas finas, sustentado o telhado de arbustos.

Mais alguns passos deixaram-no, como melhor seria descrito, preso numa teia de aranha, só que feita de relva. Seus membros ficaram imobilizados e um extremo pavor começou a tomar conta de seu peito, como se alguma criatura terrível se aproximasse às suas costas. Talvez estivesse. Ele não poderia dizer, pois sua cabeça também estava presa, apontando para dentro da floresta.

Moveu-se com mais voracidade do que um animal enlouquecido e de alguma forma conseguiu libertar um braço, depois o outro e a cabeça. Com mais força do que achava que tinha, puxou sua perna direita e a arrancou do emaranhado que a prendia. Recuperando o fôlego, focou sua atenção na outra. Repetiu o esforço, talvez até com mais força, mas o pé não saiu do lugar.

Pôs-se de joelhos e se concentrou nas histórias que havia lido. Qual seria a melhor forma de escapar daquela prisão?

Não podia cortar os ramos. Assim perderia a espada, presa nos ramos, antes mesmo de lhes causar qualquer dano significativo.

Não podia comê-los. Apesar de ter estudado milhares de espécies de plantas, aquelas não se encaixavam em nenhum perfil das que tinha na memória, e envenenar-se por ignorância não era do jeito que pretendia morrer.

Se esperasse até que alguém o encontrasse, poderia não haver mais nada para encontrar além de seus ossos e botas.

Ele sabia qual era a única alternativa, mas tentou evitá-la pela maior quantidade de tempo que podia.

Arrancou sua camisa em trapos e a amarrou firme logo abaixo do joelho esquerdo. Depois, desembainhou a espada com cuidado para não prendê-la nas fibras ao seu redor e posicionou-a na pele abaixo do trapo. Quebrou um toco de galho que estava a poucos centímetros da sua cabeça e o pôs na boca.

Parou por um momento para tentar pensar em alguma outra forma de sair daquela situação. Nenhuma lhe veio à mente.

Tomou um grande fôlego e contorceu a face em como ele pensou ser a mais desesperadora expressão que alguém poderia ter feito. Então, pressionou a lâmina contra a pele e o primeiro filete de sangue vermelho correu pelo fio da arma.

Tão logo chegou a sua ponta, o sangue pingou nos ramos próximos ao seu pé e, como um gato fugindo do banho, eles correram rápido e folgaram o emaranhado. Logo, não havia mais nada ao seu redor que pudesse prendê-lo.

Illion não compreendeu, é claro. Mas seu alívio foi tão grande que não permitiu que sua preocupação apenas saltasse para outro assunto, ao invés de desaparecer. Retomou o caminhar e tão logo viu luz entre as árvores à sua frente, estava fora da floresta.

À luz crua do sol, notou que sua roupa não estava mais em frangalhos e que o corte em sua perna não mais existia. Não havia sujeira em seu rosto nem folhas no seu cabelo. Estava limpo.

Ao levantar a cabeça percebeu que estava numa pequena fazenda. O trigo jovem crescia a poucos passos dele e havia uma tímida casa de madeira no topo de um dos leves morros da paragem. Achou uma trilha entre os alqueires e torceu para que ela o levasse diretamente à casa.

Durante o caminhar, notou algo diferente na plantação. Não parecia ser realmente composta por trigo, brilhava demais. Quando o sol batia do jeito certo, ele não conseguia manter os olhos fixos em seu balançar ao vento. Também notou que os grãos eram maiores e as hastes que os sustentavam, mais grossas do que deveriam. Na verdade, notou que tudo ali parecia diferente.

As árvores eram mais fortes e a grama, mais verde. Até o sol era mais quente. Não que queimasse sua pele, pelo contrário. Era confortavelmente quente, como uma lareira bem provida numa noite de outono.

Parecia que cada coisa ali havia sido nutrida demais. Pelo menos, mais do que ele achava que deveria.

Por fim, chegou à casa e bateu três vezes na porta.

Depois de algum tempo e de alguns passos reverberarem no assoalho, a porta se abriu e um homem se prostrou a frente de Illion. Era alto e forte. O rosto corado esbanjava saúde e os olhos brilhantes retificavam o atestado. Seu sorriso honesto pareceu mais aconchegante do que o sol lá fora.

- Em que posso ajudá-lo, meu jovem?

- Será que o senhor poderia dizer-me onde fica a cidade mais próxima?

O homem arqueou a sobrancelha esquerda por um segundo, mas logo retornou ao semblante amigável.

- Fica a um dia e meio de viagem seguindo naquela direção – a apontou para os morros em frente ao ponto da floresta de onde o garoto havia saído. – Que mal lhe pergunte, meu rapaz, de onde você está vindo?

- Eu vim de além daquela floresta – respondeu ele.

O homem ficou instantaneamente confuso. Pareceu passar os próximos instantes tentando fazer girar as engrenagens enferrujadas em sua cabeça.

- Não sabia que havia algo além da floresta – disse, enfim. – Fica muito longe daqui?

- Estou viajando há um dia e meio, mas fiz a maior parte do percurso a cavalo.

Ao dizer isso, Illion percebeu o quão difícil seria continuar sua jornada sem as provisões que havia deixado no animal. Amaldiçoou a si mesmo mentalmente três vezes.

- E onde está o seu companheiro? – perguntou o homem, realmente intrigado.

- Tive que deixá-lo para trás junto com a maior parte das minhas coisas.

- Ah, entendo – disse o homem, percebendo o empalidecer no olhar do rapaz. – Bem, eu tenho muita comida e água, você pode se reabastecer aqui antes de continuar sua viagem.

Os olhos de Illion se encheram de brilho, mas logo se esmoreceram de novo.

- Não tenho nada comigo que possa dar em troca do que preciso.

- Ora, não se preocupe – disse o homem, com um sorriso largo. – Eu tenho o suficiente para nós dois. Não há razão para acumular nada aqui.

- O senhor não guarda nada para o inverno? – perguntou o rapaz, resistindo educadamente.

- Inverno? – retrucou o homem, confuso. – O que é inverno?

Durante toda a vida, Illion viu as flores se abrirem e os frutos crescerem, depois as folhas caírem e os galhos se tornarem agudos. Havia sido esse o clico que presenciara todos os anos. Quando subia nas torres mais altas de casa, via a neve abraçar tudo aquilo que a vista alcançava. Nada escapava seu toque.

Era de se supor que a ausência de tal fenômeno o enchesse de perguntas e a conversa com o homem a sua frente se estendesse por mais algum tempo, mas não foi isso que aconteceu.

Ficou claro para ele que a grama era mais verde, as árvores mais altas e o sol mais quente porque o inverno não tocava aquelas terras. Logo, esse raciocínio se estendeu para a parte mais prática da sua mente.

Se não havia nada que retardasse a produção de alimentos, logo não deveria haver nada que retardasse o crescimento das cidades. As pessoas não deveriam passar fome e o comércio seria tão desenvolvido quanto a mente dos homens permitisse. As cidades deveriam ser realmente banhadas de ouro, como sua mãe havia dito, e apenas grandes homens seriam capazes de governá-las.

Ele não perdeu mais tempo fazendo perguntas ao homem. Juntou os suprimentos e agradeceu bondosamente dizendo que pagaria em dobro e voltou à estrada.

Mas, por mais que Illion ansiasse pelo seu destino, não podia encurtar o caminho até ele. Andou o dia inteiro e só parou quando a única luz que iluminava o céu vinha de trás do horizonte.

Ele havia passado as últimas horas imaginando as cidades, assim como havia feito no dia em que perguntara a seu pai sobre o mundo. Só que dessa vez tinha certeza que as encontraria. Podia sentir seu cheiro sendo trazido pelo vento.

Pensou em toda a prata e ouro acumulado nas muradas. Pensou nas arquiteturas magníficas dos palácios. Pensou no conhecimento acumulado nas bibliotecas. Pensou em toda riqueza que encontraria.

Só então se deu conta do que havia esquecido de pensar.

Se havia tanta riqueza em um lugar só, também deveria haver aqueles que quisessem tomá-la. Então, também deveria haver guerras e destruição por onde a ganância passasse.

Talvez tudo não fosse claro e reluzente como havia imaginado, mas vermelho e sombrio.

Novamente achou uma clareira próxima da estrada e pôs-se a preparar o jantar, sentindo um aperto no coração.

Dessa vez foi Trey quem se juntou a ele.

- Você não deveria se preocupar tanto – disse ele, abocanhando um pernil.

- Como não? – retrucou Illion. – Se houver guerra na proporção que imaginei, não vai haver muita coisa para se ver quando chegarmos à cidade.

- Talvez as muralhas não estejam tão reluzentes e as pessoas não estejam tão gordas, mas com certeza haverá o que ver.

Illion captou os dois olhos que o observavam entre as chamas tremeluzentes da fogueira.

- Você saiu de casa procurando aventuras - continuou o cavaleiro. – Que tipo de aventuras vai encontrar num reino implacavelmente monótono?

- Você prefere que haja morte e dor só para satisfazer sua vaidade? – perguntou o rapaz, consternado.

- Eu não disse isso – defendeu-se Trey. – Mas se a cidade for tão grande e magnífica quanto você diz, imagine por quanto tempo ecoariam na história as canções sobre o homem que a destruiu ou a salvou.

- Você está louco – disse Illion, encerrando o assunto.

O jovem enrolou-se na capa e virou a cabeça para longe da fogueira. Tentou dormir mas as palavras de Trey continuaram rondando seus ouvidos. Por mais que tentasse negar, ele via a lógica do cavaleiro e sabia que, lá no fundo, gostaria de encontrar algum caos à frente.

No dia seguinte, levantou-se cedo, juntou seus pertences e voltou para a estrada. As propriedades, que até agora espalhavam-se pelo território deixando espaços de mata virgem entre as plantações, agora ocupavam cada metro de chão.

As pessoas que viu trabalhando no campo conservavam o mesmo semblante do fazendeiro com quem conversara no dia anterior. Todas altas e fortes. De bochechas rosadas e dentes brancos. Nenhuma pareceu se incomodar com a presença dele ali e a maioria sorriu inesperadamente, como se fossem crianças.

Após algumas horas, Illion atingiu o topo de uma colina e de lá pôde vê-la.

Arvandor.

Fora construída numa leve elevação cortada no meio por um rio. Seus muros se erguiam mais altos do que qualquer árvore que Illion já tivesse visto e eram brancos como a lua. As duas metades da cidade uniam-se por uma ponte em arco que saltava de uma extremidade do rio até a outra. Era tão larga que poderia ser atravessada por quatro carroças postas lado a lado.

De cima, ele pôde ver a disposição dos prédios dentro das muralhas. Ao longe, parecia a superfície de um mar revolto, cheio de ondulações. As casas eram altas. Umas mais, outras menos, porém nenhuma era mais alta do que todas. Isso incomodou o rapaz.

Não havia palácio no centro da cidade, ordenando todas as outras construções ao seu redor, apenas várias praças organizando núcleos de vivência.

Mesmo assim, era melhor do que tudo que o rapaz já havia imaginado. Em seu resplendor, disputava com o sol o direito de iluminar o mundo. Em sua magnitude, disputava com a terra o direito de ser chamada de lar. Em sua destreza, disputava com o tempo o direito de se dizer eterna.

Por mais que quisesse continuar admirando-a, Illion forçou os olhos a desviarem seu foco e tornou a andar.

Chegou ao primeiro lado da muralha e encontrou os enormes portões abertos. Notou que não havia guardas nem na entrada nem em cima dos muros. Ele não viu tumultos, brigas ou alvoroços. Tudo estava calmo e as pessoas distribuíam sorrisos umas para as outras.

Dirigiu-se a um jardineiro que cuidava das hortênsias próximas à fonte da praça.

- Com licença, senhor.

- Sim, meu rapaz? – respondeu ele calmamente.

- Onde mora o governante desta cidade? – perguntou ele, sem mais rodeios.

- Governante? – retrucou o homem. – Arvandor não tem governante.

Illion não compreendeu. Como podia não haver governante? Como uma cidade tão grande se sustentaria sem alguém para organizá-la? Quem resolveria seus impasses? E as disputas? Quem organizaria os exércitos?

- O senhor poderia me falar um pouco sobre ela? – pediu o rapaz, tentando não parecer tão desorientado.

- Sinto muito, mas agora não posso – disse o homem, parecendo realmente sentir muito. – Tenho que cuidar dessas belezinhas – e olhou para as hortênsias que pareciam ansiar pelo seu toque. - Mas você pode falar com aquele homem ali. Tenho certeza que ele adoraria contar-lhe o que desejar saber. Seu nome é Adam.

Adam estava sentado no banco próximo aos lírios. Assim como todos ali, esbanjava saúde, mas possuía uma barba muito espessa e branca que, diferentemente de tudo mais, dava uma pista sobre sua idade.

- Senhor Adam, meu nome é Illion e gostaria que o senhor me falasse sobre Arvandor.

O rapaz estava impaciente eu não fazia mais questão de tentar esconder isso.

O homem sorriu, tomou um grande fôlego e disse:

- Há alguns dias a Marie fez uma torta de maçã. E que torta era aquela. Todos ficaram tão enfeitiçados pelo cheiro que emanava da forma na janela que ela teve que gastar todo seu estoque da fruta e fazer mais tortas. Não sei quantas foram, mas eu mesmo fiquei tão abarrotado que não comi mais nada até o jantar.

- O que?

- Ontem, o Benton ali resolveu trocar todas as margaridas da praça por aquelas plantinhas roxas. Ele fez bem. Não que houvesse algo de errado com as margaridas, mas também não há nada de errado com as roxas.

- Mas o que isso tem... – balbuciou o rapaz, enquanto o homem falava.

- O Trevor, noutro dia, esqueceu a chaleira no forno e ela saiu voando como um tordo prateado pelo telhado da casa dele. Não acertou ninguém, ainda bem. Mas nós todos rimos do susto por horas, até nossas barrigas começarem a coçar.

- O que está fazendo? – exclamou Illion, perdendo a paciência.

O homem olhou-o, assustado.

- Estou falando-lhe sobre a cidade, como você pediu.

- Não – disse o rapaz, ainda enraivecido. – Você está me contando histórias bobas sobre as pessoas que vivem aqui.

- Sim – disse o homem, calmamente. – Não era isso que você queria?

- Não – disse Illion, tão perdido quanto uma criança num jogo de cartas. – Quero saber quem comanda a cidade, há quanto tempo ela foi construída e quem o fez.

Adam franziu o cenho e desviou o olhar, pensando. Passou mais tempo do que Illion gostaria de esperar, mas enfim o homem voltou a falar.

- Sinto muito, meu jovem – com a mesma expressão do jardineiro. – Não posso responder-lhe nenhum dessas questões.

- E por que não?

- Porque não sei como – respondeu ele. – Não há alguém que governe a cidade, todos cuidados dela e não me lembro quem a construiu... Tenho a impressão de que ela sempre esteve aqui.

- Ela não pode ter sido construída antes que você estivesse aqui?

- Talvez, mas não me lembro de quando não estava aqui.

Illion sentiu desespero subindo pelas pernas. Não queria tocar no assunto daquela forma, mas não viu outra alternativa.

- E as guerras? – perguntou ele. – Uma cidade tão grande deve atrair homens que desejam poder.

- Não me lembro de nenhum enfrentamento por aqui. Talvez tenham acontecido enquanto eu tirava um cochilo, mas não acho que seja esse o caso.

- E por que há muros tão altos? – indagou o rapaz. – Ninguém os construiria se não houvesse a possibilidade de batalha.

- Talvez, mas eles são tão antigos quanto o resto da cidade e não posso dizer com que propósito foram construídos.

- Mas como...? – balbuciou ele, aturdido. – Deve haver alguém aqui que saiba essas coisas.

- Não há, meu rapaz – disse Adam, com ar pesaroso. – Você não vai encontrar ninguém aqui que possa ajudá-lo.

Illion estava devastado.

Se não havia rei, não havia linhagem real. Se não havia linhagem real, não havia início nem fim da cidade. Sem não havia guerras, não havia heróis. Em resumo, não havia história.

Ele lembrou de um conto que leu quando era mais novo. Era sobre um homem obrigado a fugir de sua cidade quando ela foi invadida por mercenários. Em seu desespero, ele debandou de imediato e não pôde levar nenhuma provisão em sua jornada indefinida. Vagou por dias. Não encontrou nada nem ninguém. Depois de tanto tempo sem alimento, ele sabia que cairia logo. Então, avistou uma laranjeira no final da estrada. Hipnotizado pelo cheiro doce, o mais doce que já havia sentido, se aproximou da árvore utilizando a pouca força que ainda possuía nas pernas. Tomou um dos frutos na mão e mordeu-o sem vergonha, mas não havia nada por baixo da casca.

E assim como o fruto, Illion sentiu-se vazio.

Perguntou ao homem onde ficava a cidade mais próxima dali, mas ele, é claro, não sabia. Nunca havia deixado aquelas terras e não conhecia ninguém que já o tivesse feito.

Então o rapaz decidiu andar. Não foi bem uma decisão. Quando deu por si, já estava andando. Não havia muito mais que pudesse fazer, pensou ele. Havia posto toda sua esperança naquela aventura. Saíra de casa, desobedecendo a seu pai, à procura de histórias. Algo que pudesse ser salvo, consertado ou pelo menos mudado. Mas tudo era tão perfeito.

Então andou.

Andou até a noite tomar o céu. Então juntou alguns galhos e fez uma fogueira. Sentou-se desejando não encontrar o chão e comeu qualquer coisa que alcançou na mochila. Dannya juntou-se a ele ao lado da fogueira.

- Não é melhor você voltar para casa? – perguntou ela.

- Não faz diferença. Voltar agora ou daqui a dez anos... Desobedeci meu pai na certeza de que poderia chegar em casa de cabeça erguida.

- Cedo ou tarde, todos nós temos que lidar com nossas decisões.

- Você deve estar certa – admitiu ele. – Não há realmente mais nada que eu possa fazer?

- Você pode vagar a esmo pelo resto de seus dias, mas não acho que isso seria inteligente – disse ela, com um sorriso irônico. – Ou você pode mudar algo naquela cidade chata...

- Como assim?

- Aquelas pessoas parecem ter vidas tão monótonas, sem emoção nenhuma. Talvez você devesse dar-lhes essa emoção.

- Eu não posso causar confusões só para alimentar meu ego. Além do mais, que tipo de histórias contariam sobre o homem que quebrou algumas mesas na taverna da cidade? –perguntou ele, rindo.

- E que tal sobre o homem que tomou a cidade?

Quando Illion olhou para a mulher, ela havia sumido. Em seu lugar só havia grama e a sombra dos galhos que ainda não foram consumidos pelo fogo à sua frente.

Então o rapaz viu um par de olhos azuis fitando-o entre os arbustos próximos. Rapidamente pôs uma mão no cabo da espada e a outra firme no solo para se levantar ao menor sinal de perigo.

Calma, meu belo jovem – disse a coisa entre os arbustos, numa voz assustadoramente sedutora. – Não vou machucá-lo.

A voz era forte e retumbante e também era doce e suave.

Era como a ventania de um temporal, capaz de arrastá-lo como se não pesasse nada. Mas também era como o sopro delicado de uma bela mulher. Envolvente demais para se ignorar, mas imperioso o suficiente para se temer. Rasteiro o suficiente para tremer-lhe a barriga, mas volumoso o bastante para encher-lhe os ouvidos.

Illion retesou todo o corpo enquanto a coisa movia-se entre os arbustos e, enfim, mostrava sua forma de loba branca.

- Quem é você? – sussurrou ele, sem saber ao certo se deveria falar.

- Meu nome é Alura, Illion.

- Como você sabe meu nome?

- Eu sei muitas coisas, mas isso não é importante agora - respondeu ela. – Eu vim porque senti aflição em seu coração.

- Eu desobedeci meu pai ao sair de casa para encontrar aventuras, mas aqui não há nada. É tudo tão perfeito.

Várias dúvidas poderiam estar preenchendo a cabeça do rapaz naquele momento. Dúvidas sobre a origem daquele magnífico ser a sua frente, em sua maioria. Mas não havia nada disso.

A cada sussurro daquela voz, seu corpo reverberava em conjunto tentando entrar em sintonia e sua mente esvaziava-se à procura da paz que o som prometia. Tudo que ele podia fazer era continuar a conversa, sem barreiras e sem pudores. Como se fossem dois velhos amigos.

Entendo – disse ela. – Sim, este mundo é perfeito. Tudo que puser no solo crescerá saudável até a altura da sua cabeça. Tudo que jogar na água voltará embotado de alimento. Tudo que fizer com as mãos será bom e forte.

- Adam também me disse que nunca viu uma batalha, mesmo sendo a pessoa aparentemente mais velha daquele lugar.

- Ah, Adam... – riu ela. – Ele é realmente muito velho. Mais velho do que você imagina. Mas a idade significa muito pouco naquela cidade, ninguém consegue se lembrar muito bem do passado.

- E por que não?

- Aqui é assim – respondeu a loba, enquanto se movia entre as línguas quentes da fogueira. – Os dias são tão parecidos que as pessoas acabam se perdendo em sua memórias.

- Então realmente nunca houve guerras por aqui – disse Illion, franzindo o cenho enquanto pensava. – As pessoas lembrariam de algo tão em desacordo com a beleza deste lugar.

- Você está correto – assentiu ela. – Aqui não existe nenhum motivo para guerra. Também não existe coragem, audácia ou conquista. Não existe ardor, vitória ou herói. Não existe aventura. Sob o sol, as cores parecem vivas e reluzentes, mas na verdade é tudo cinza e mórbido.

- Como alguém pode viver assim? – perguntou ele, consternado.

- Eles não sabem que o fazem. Para eles não há nada além do que conhecem. Então é simples. Vivem na ignorância, presos no véu de sua felicidade imaginária... Como eu queria mudar isso, dar-lhes um porquê de viver...

Os olhos de Alura reluziam às chamas bruxuleantes da fogueira, como as estrelas do céu acima deles.

- Entendo você. Se pudesse faria algo também.

- Faria realmente? – perguntou ela, tencionando a voz de tal maneira que fez a nuca de Illion arrepiar.

- O que eu poderia fazer que você não pode?

Ele sabia que uma criatura com tal voz não podia ser apenas o que aparentava. A voz que o envolvia e o chamava para perto também lhe promovia medo, e por isso ele tinha certeza de que nada do que conversavam eram apenas palavras ao vento.

- Há muitas coisas que eu posso fazer, mas isso não é uma delas... Já você, meu jovem, pode mais do que imagina. Você pode libertá-los todos dessa monotonia lancinante.

- Como assim?

- Se você desejar pode transformar essa prisão em aventura e emoção.

Illion pensou por um momento e, franzindo o cenho, disse:

- Você diz aventura, mas também haverá dor e tristeza, não é?

- Sim, também haverá dor – disse ela, ainda com a voz muito terna. – Mas a dor é o que faz o homem crescer. Sem ela, o homem não evolui, não constrói nem dá valor ao que construiu. Sem a dor não há como discernir o que é bom e mau. Sem ela não há razão para lutar nem para defender os que amamos.

Sim. Foi o que ele pensou. Era simplesmente lógico e ele sabia disso. No entanto ainda temia. E nisso se apegou, tentando retardar sua rendição ao raciocínio sem falhas que havia escutado.

- E o medo? – indagou ele. – Se ele se espalhar pelas casas dos homens não será sua ruína? Não ficarão paralisados e indefesos a qualquer mal que lhes ameaçar?

- Pode ser que alguns se rendam a ele e fiquem para trás – disse Alura, num tom levemente exaltado. – Mas o medo é o que mantém os homens vivos. Os dignos o abraçarão e tirarão dele a força necessária para vencer os perigos. Sem ele sucumbiríamos às provações. Sem o medo a morte não seria algo tão ruim.

Illion percebeu que o céu estava clareando. Passara horas acordado sem se dar conta. E assim como era certo que o sol logo nasceria, ele sabia que se curvaria às palavras do animal. No entanto, ainda temia.

Alura percebeu o fraquejar em seu olhar.

- Você não vê que estará salvando todos eles?Salvando-os da ignorância?

Sua voz agora não era mais doce, não do mesmo jeito. Illion podia sentir a flexão impaciente em seu tom.

- E como eu poderia fazer algo assim? – indagou ele, tentando se esquivar da tarefa. – Não sei nem por onde começar a pensar em como fazer tal coisa.

- Você pode fazer isso, acredite em mim.

- Talvez eles sejam assim por algum motivo... – falou ele, sem força na voz.

- O motivo é a falta de coragem de todos que podem fazê-lo.

O rapaz percebeu algo.

Alura, assim como ele, estava presa naquelas terras, mas não pertencia a elas. Vinha de outro lugar. Talvez de muito longe, longe demais para se andar. Ou, talvez, viesse das mesmas terras que ele.

Ela continuou a falar e ele não se atreveu a interrompê-la.

- Se você tiver a coragem, será o responsável por todas as descobertas e todo o clamor da humanidade. Todos os grandes feitos estarão atrelados ao seu nome. Canções sobre você ecoariam por mil eras antes de chegarem à metade de seus dias. Você será o homem mais conhecido do mundo.

Aquelas palavras retumbaram no interior de Illion. Era exatamente o que ele queria. Era exatamente isso que ele buscava.

O animal notou o brilho em seu olhar e não permitiu que a oportunidade se esvaísse com o vento.

- Ou você pode voltar para casa de bolsos vazios e encarar o olhar desapontado de seu pai...

Aquelas palavras foram precisamente o necessário para que Illion abandonasse sua insegurança. Talvez se a sequência fosse diferente, ou se alguma das palavras tivesse sido trocada, o muro não tivesse caído. Mas não foi assim. A frase atingira a falha em seus alicerces e tudo mais desmoronou.

Muito bem – disse ele. – Eu o farei.

Seguindo as instruções de Alura, o rapaz deixou cair algumas gotas de sangue da sua mão no solo e encaminhou algumas palavras que não entendia do seu peito até sua boca.

E foi isso.

Quando abriu os olhos, Illion não encontrou a loba do outro lado do braseiro morto. Não recebeu resposta ao gritar seu nome nem encontrou rastros do animal ao olhar as plantas ao redor. Mas ele viu outra coisa quando postou seu olhar no céu. Viu torres de fumaça em vários pontos do horizonte, se erguendo centenas de metros no ar. Uma delas vinha de Arvandor.

O rapaz se dirigira a ela o mais rápido que pôde e em pouco tempo chegou lá. Entretanto, se perguntou se havia caminhado na direção certa, tamanha era a diferença do que via com o que tinha na memória.

A desolação se espalhara pelas vias da cidade tingindo os muros com um negrume seco. As cinzas dos prédios que sucumbiram às chamas entraram em suspensão e criaram uma névoa densa e escura por toda a cidade. As pedras do calçamento estavam manchadas com terra umedecida por uma mistura de fluidos cujo cheiro subia até as narinas de Illion causando-lhe enjoo. A cor que a cidade outrora esbanjava não existia mais. Em seu lugar só havia a palidez sepulcral do campo de batalha após a guerra.

Por mais aterrorizantes que fossem as cenas de genocídio que Illion retirava de seus livros, nada em sua memória podia se comparar àquilo. Os corpos dispostos em posições antinaturais preenchiam a paisagem desoladora e as sombras estavam alongadas mesmo com o sol alto no céu.

Uma torrente de desespero invadiu Illion, como se a cheia de um rio tivesse sido maior que a força de sua barragem. O líquido gélido subiu por suas pernas em direção ao peito, ocupando cada fresta em seu caminho. Inundou seu estômago e seus pulmões. Depois caiu no coração e correu por cada fina veia de seu corpo. Subiu até sua mente e entorpeceu-lhe o pensamento. Então, fluiu por seus olhos e escorreu por seu rosto até atingir o chão abaixo. Por fim, seus joelhos cravaram-se na areia como uma pedra que cai na superfície calma de um lago e não havia mais nada de pé.

Ele pensou em como a morte deve ter sido um alívio em meio a todo aquele horror.

Depois de um tempo começou a sentir uma leve brisa perpassar seu pescoço. Então a brisa transformou-se numa corrente forte de vento que ameaçava tirá-lo do chão e ele não estava mais em Arvandor. Estava em casa.

Reconheceu os ladrilhos do salão principal e a luz aconchegante que trespassava as cortinas. Levantou a cabeça e viu seu pai prostrado a sua frente.

E lá estavam eles. Os olhos inquisidores de um homem desapontado.

- Pai, eu... – balbuciou ele.

O homem acenou com a mão para que ele se calasse.

- Você me entristeceu, meu filho – disse ele, num tom moroso. – Não só por ter me desobedecido, mas também pela irresponsabilidade de suas ações. Você desconsiderou as implicações de seus atos e agiu conforme sua vaidade.

- Mas, pai – exasperou ele. – A loba, Alura... Ela me convence a fazer aquilo.

- Não afaste a culpa de si – gritou o homem. – Mesmo que ela o tenha cuspido palavras, você só se moveu porque quis.

Illion sentiu as entranhas se remoendo dentro da barriga.

Sentando-se numa cadeira, seu pai continuou:

- Você não está pronto e agora isto está claro. Sua missão era se tornar um homem sábio e governar o mundo que eu estava forjando.

Illion levantou a cabeça em busca de alguma luz ante aquelas palavras. Pondo a mão na testa franzida, o homem continuou:

- Sua mãe e eu o criamos para que, chegado o dia, você pudesse cuidar do nosso mundo assim como havíamos cuidado de você.

Ele não podia acreditar naquelas palavras.

- Eu sou apenas uma ferramenta de vocês? – exclamou o jovem, incrédulo.

- Você é nosso filho – disse o homem, autoritário. – E nós o amamos.

O silêncio imperou no salão por certo tempo, então o homem levantou-se da cadeira e disse:

- Seu sangue é real e nenhuma criatura viva pode fazer-lhe mal... No entanto, nunca achei que o inverso poderia ser tão cruel.

As lágrimas voltaram a correr pelo rosto de Illion.

- Sua mãe está no norte e estou me dirigindo para o sul. Precisamos direcionar os homens para a paz antes que não reste mais nada.

O rapaz dirigiu o olhar molhado para o pai.

- Volte para a biblioteca e saia quando achar que está pronto.

Illion permaneceu no salão por mais tempo do que alguém aconselharia, ajoelhado nos ladrilhos e embotado em tristeza.

Depois disso há apenas uma certeza dentre duas dúvidas. A certeza é que ele continua na biblioteca, lendo e relendo seus livros. A dúvida que ainda resiste ao tempo é sobre o motivo de sua permanência dentro daquelas paredes.

Será que ele, mesmo embutido de sabedoria, adquirida de seus livros, ainda não se acha pronto para tomar seu lugar no mundo? Ou será que ele teme encontrar os olhos tristes de seu pai refletidos nas faces dos homens que encontrar?

D.A.N.

Diego Novaes
Enviado por Diego Novaes em 19/11/2013
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