Tupã Nhe'enga (Palavras dos Deuses) - IV

Após os acontecimentos citados anteriormente, é preciso que venhamos ao presente. Esta história está sendo contata não como uma forma de registrar cousas inúteis e sem valia alguma mas, pelo contrário, está sendo contada para relatar fatos que ocorreram há muito tempo, talvez como uma forma de ajudar as gerações futuras afim de que não cometam os mesmos erros!... Sem mais delongas...

Manhã. A luz do sol adquiria novas cores e texturas, uma vez que atravessava a matéria do astral, que permeava todo o espaço, o dito "ar". Este mundo fica na mesma dimensão que o mundo dos homens, mas são separados por uma linha tênue entre o que é "físico" e o que é "astral". Daqui saem os grandes sábios da humanidade, os grandes generais, os grandes prodígios e gênios. Neste dia ensolarado, estávamos reunidos em conselho. Já haviam dous mil'anos terrestres desde de o banimento dos Piranga. E do alto de nossa cúpula, chamada Itaîutinga Roka, que se verte em Casa da Prata ou Casa das Pratas, por aqui tudo ser feito desta matéria, estávamos reunidos eu, chefe dos maíra, e mais quatro outros chefes de cada um dos povos descendentes da linha de sucessão atlante. A discussão rondava sobre o que iriam fazer, pois o selo mágico posto pelos Piranga já estava a ponto de se dissipar, não aguentando além do que mais uma era de mil'anos, na melhor das hipóteses!... Eis que um mago de cabelos desgrenhados e brancos, com vestes maltrapilhas e de saúde mental duvidosa entra pelas portas e, como numa voz de trovão, tendo seus olhos brilhantes como fogo vulcânico, diz palavras de ordem, e toda a sala se escureceu e pareceu encolher perante sua potência. Suas palavras ecoavam pelo salão, e eram ditas na antiga língua sagrada dos Mboîtatá, que significa serpentes de fogo, que se assemelhavam aos dragões e sobrevoavam o mundo astral antigo, mas que há muito haviam desaparecido, deixando inúmeras cidades e construções suas abandonadas. As palavras foram as seguintes:

-Angaha kaarinar arothiis. Vaalaran arothiis ryhveelel thinn, inpoons, paathos od vann giilmer antiis od meliis. Ariitas giiwanothiis...

Que, em nossa língua, quer dizer: "Sou a palavra dos deuses. A luz dos deuses criou a terra, o mar, o firmamento e todo o fluxo do bem e do mal. A magia dos vermelhos..." Por algum motivo a sua fala havia sido interrompida, e toda a energia que emanava do corpo do velho simplesmente cessou, seus olhos pararam de brilhar, o salão voltou à sua iluminação normal, a voz do velho voltou a ser como a de um idoso de idade avançada e, em seguida, o velho caiu ao chão, como que inconsciente. Imediatamente, a lembrança de uma antiga profecia me veio à mente, e uma voz me disse que eu não deveria compartilhá-la com os demais representantes, e que eu deveria ajudar o velho, pois ele fora um instrumento da ação do universo. Em seguida, a voz me fez uma revelação que me deixou abismado. Ela dizia:

- Tu, da maneira que aconteceu com este velho, serás como um instrumento da vontade do universo, pois estamos acima dos Kûarasy Ra'yra, e a nossa vontade prevalece nas leis. Não me nomearás, mas deverás saber que guiar-te-ei nos teus caminhos, e serei a ti como que um refúgio quando te sentires cansado. Serás o instrumento dos deuses para a remissão dos Piranga, serás o instrumento nesta guerra contra os seres que estão prestes à sair de Itaîuba.

Muitas dúvidas ecoavam em minha mente como, por exemplo, o motivo de terem utilizado a antiga língua dos dragões, o motivo de terem escolhido um velho doido e maltrapilho das regiões mais imundas do astral como instrumento e, o mais importante, o motivo de terem escolhido a mim como instrumento para remissão dos Piranga e combate aos seres do interior de Itaîuba...