Îasy Ybytu (Os Ventos da Lua) - II
Há ainda algumas coisas que precisam ser sumariamente ditas a respeito do nosso passado, pois nós podemos seguir adiante, mas o nosso passado é parte integrante do nosso ser... Dividirei em partes desta vez, afim de que não canses os teus olhos ao passar das linhas.
Morubixaba Ara (O Tempo dos Regentes)
Há não muito tempo, os regentes eram os maiores seres deste lugar. Eram nossos governantes e, acima de tudo, nossos mestres. Como fora dito, eles são a expressão final, o resquício de poder dos antigos atlantes. Em sua implacável busca por conhecimento, herança dos antigos atlantes, acabaram por querer desvelar os segredos imemoriais dos limites da existência, da Pytuna, que é Noite. Os perigos estreitaram-se, pois uma fenda foi aberta entre Pytuna e o nosso mundo, e daqui, poderiam muito bem passar ao mundo dos homens. Não se sabe ao certo o que habita ou o que é Pytuna, mas sabe-se que fora trancado há muito tempo pelas forças primordiais, os Kûarasy Ra'yra, os Filhos do Sol, as forças supremas regentes de todo o universo. Ora, se algo é trancado, é com propósito de que nada entre e, principalmente, nada saia! Mas os antigos não quiseram considerar os avisos...
Kûarasy Ra'yra (Os Filhos do Sol)
São seres primordiais, mais antigos do que qualquer coisa que já existiu. os Kûarasy Ra'yra transcendem a existência, transcendem a eternidade e qualquer definição nossa ou humana. Todavia, certas vezes, fazem-se presentes, como que encarnados, para nos dar alertas. Nos dias antigos, os Morubixaba (chefes, regentes), cegados por seus conhecimentos e ganâncias, não os deram ouvidos e, como os Kûarasy Ra'yra não interferem no livre arbítrio dos seres, apenas retiraram-se.
Pytuna: Itaîuba (A Noite: O Ouro)
A Noite estava presa numa pedra pequena, de coloração amarronzada ou alaranjada, a qual chamamos de Itaîuba. Os Morubixaba, então, trincaram a superfície da Itaîuba, pois sustentavam uma tese de que lá jazia o conhecimento de todas as incógnitas do universo. Com a trinca, uma fumaça de cor púrpura começou a escapar do interior da Itaîuba, e essa fumaça se tornou um ser espectral de aparência sombria e avassaladora, que se intitulara Kuprĩg. O ser espectral disse:
- Ah! Quão estranho é este ambiente! A trinca da Pãjã* é que me trouxe aqui... A corrupção desde lugar é inevitável!...
Os Morubixaba olharam abismados os olhos cintilantes de cor vermelha da criatura, e, como num mantra poderoso de entoação universal, conseguiram selar, temporariamente, a criatura de volta dentro da Itaîuba.
Morubixaba Sema (A Saída dos Regentes)
Eis que do céu noturno surge uma bola de fogo flamejante, e dela saem três formas humanoides com 16 pés de altura, adornados em ouro e pedras preciosas, com 8 grandes asas cada um e com coroas de um material que mais parecia ser feito de magma incandescente. Eram os executores, enviados dos Kûarasy Ra'yra, que eram chamados Karaîbebé, que em nossa língua significa "sagrado que voa" ou, simplesmente, "anjo". E eles disseram palavras de punição contra os Morubixaba, e eles, em sua potência e ciência, aceitaram seu destino. Despiram-se de suas vestes, pondo à mostra suas peles de coloração avermelhada e em seguida foram pulverizados os seus corpos daquele lugar. Em seguida, os Karaîbebé disseram, como que em coro, pois pensam e agem igual:
- Por seus atos nefastos, por sua desobediência às leis magnas regentes do universo, por sua negligência em detrimento da vida d'outros, serão banidos os regentes. Eis que viverão no mundo dos mortais, e mortais também serão, e viverão como criaturas primitivas, aprenderão com os animais irracionais, e carregarão no peito a saudade deste plano, carregarão em suas bocas as lendas e visagens do que um dia viram aqui, e também carregarão consigo sua língua. Viverão em busca de redimir seus erros, para que um dia possam entrar por estes portais e ter novamente com os seus regidos. Aqui encerram-se as palavras dos Karaîbebé.
Então a regência foi passada aos segundos na linhagem dos atlantes, pois os segundos descendentes da linhagem eram conhecidos como "maíra".
*- Pãjã - Pedra de Amolar, na língua caingangue, usada nestes contos como a língua dos seres da Escuridão.