Paîegûasu Nhe'enga (As Palavras do Grande Mago) - I

Ser um mago... Não é algo em que pese o dom da escolha, do livre arbítrio (se é que tal cousa existe). Desde a puerícia, eu já tinha plena consciência de que eu pertencia à cousas maiores, à propósitos maiores. Eu sabia, desde aqueles idos tempos, que minha existência tinha um propósito e que eu, por mais que tentasse, jamais seria igual a todos aqueles que me rodeavam até então. A partir daí, nada se pode relatar, pois a vida d'um mago se torna um segredo logo que termina sua puerícia, quando nós somos levados, por nosso próprio instinto, a nos afastarmos do restante do mundo, como que eremitas fôssemos.

Cá estou eu, depois do passar de muitos sóis, muitas luas... Muitas eras! De pé, no cume d'uma montanha a qual, desde tempos imemoriais, é chamada Anga Ybytyra, que na língua dos antigos regentes significa montanha dos espíritos. Estou trajando vestes compostas de uma espécie de toga de coloração azulada, que por cima leva uma capa cor d'açafrão. Vejo refletido no céu escuro, iluminado somente por uma lua de proporções descomunais, o reflexo do meu rosto... Rosto antigo, cheio de rugas, com meus cabelos e minhas barbas, ambos longos e d'alva coloração. Estou há tempos parado no cume desta montanha, observando o passar das eras, em contato apenas comigo mesmo, pois quem dera minhas visagens acerca de tudo aquilo que me fora dito pudessem ser apagadas e esquecidas. Algo muito maior, de formas que a mente humana não pode compreender em sua pequenez, mas q'uma palavra poderia expressar grande parte do que é e do que representa: escuridão.

Nós tínhamos antigos regentes, seres de muita força espiritual e psíquica, os quais eram uma espécie da criação muito avançada. É o povo que descende diretamente de Atlântida. Ainda resta, entre nós, alguns mestiços de atlantes com magos, que são abençoados com dádivas, como terem alta estatura, grande capacidade intelectual, asas, chifres, ou até mesmo possuem sua matéria composta de fogo ou d'outra espécie de cousa. Estes antigos regentes foram banidos destas terras e proibidos de voltar à elas durante muitas eras, pois foram buscar o conhecimento nos limites da existência, pondo em perigo o nosso mundo. Hoje, habitam um lugar de proporções gigantes, vivendo de maneira tribal e primitiva, carregando daqui apenas relatos orais em forma de lendas e contos, assim como também carregam a língua que usavam aqui e que levam consigo desde Atlântida. Lá, se dividiram em muitos, mas os que gozam de mais prestigio e que são os nossos regentes, nós os conhecemos, pois falam uma mesma língua, e ela ainda se usa aqui, por todos os que aqui vivem.

Meu nome? Quando vivia junto aos outros homens, recebi o nome de "Tomé" mas, ao entrar no meu afastamento, escolhi o nome Simão, e este é o nome pelo qual sou chamado desde as eras imemoriais.

- Apigaua Kirimbaua -