Novamente

Cortava os céus, imponente. Na grandeza de seu voo, nada a podia deter. Estava acima de tudo, só não dos aviões, pois estes eram ciborgues insuperáveis.

Em dias de sol, lá estava ela, radiante, com sua cauda a balançar livremente, sem obstáculo algum. Lá de baixo, todos a olhavam com grande admiração, absortos em suas cores provocantes e seu deslizar suave naquela imensa pintura azul.

Muitas vezes apareciam outros de sua espécie, mas ela, arisca e dona de seu espaço, sempre mantinha distância. Irritada com a presença de seus iguais, passava furiosa por entre seus corpos, jogando-os em direções diversas, pra se perderem para sempre.

E foi assim, dia após dia ensolarado. Lá de cima, ela não se importava com ninguém, mostrando-se mesmo esnobe sobre tudo e todos.

Certo dia, o sol não compareceu por completo, mas uma brisa agradável foi o suficiente para fazê-la se aventurar nas alturas. No entanto, logo a brisa transformou-se em ventania, o que dificultou seus movimentos. Em poucos minutos ela começou a rodar, sem direção. Ainda tentou manter a imponência, mas um muro repleto de galhos e cacos de vidro reteve os seus movimentos.

Agora ela estava lá, presa, solitária como nunca se sentira antes. A ventania foi se dissipando, mas chegou a noite, junto com uma furiosa tempestade. Ela, enroscada e sem movimentos, já não podia fazer nada.

Na manhã seguinte, era possível ver a sua pele toda rasgada, desbotada, como algo que nunca teve valor. Porém um menino, vendo aquele resto de pipa enroscado no muro, notou que ainda era possível aproveitar sua armação. Pouco tempo depois, lá estava ela, novamente nos ares. Ainda bela, imponente, mas agora voando em harmonia com as outras pipas.

Todo mundo tem a sua segunda chance...

*originalmente 09/04/2012