ENCURRALADOS
Nota: esta história é uma fanfic para publicação em espaços amadores. Os direitos autorais do personagem Chapolin Colorado pertencem a Roberto Gomes Bolaños.
A Besta de Gévaudan é uma conhecida lenda francesa: um animal misterioso e predador que atacava numa região rural da França entre 1764 e 1767.
ENCURRALADOS
Miguel Carqueija
O dia estava tempestuoso e o casal seguia abraçado e acompanhado pelo cachorro, por um caminho sinuoso e estreito em meio à mata escura, e afinal chegou diante da cabana.
- Querido, até que enfim chegamos. Não agüento mais ouvir esses uivos...
- Meu bem, deve ser apenas um lobo desgarrado e esquelético de tanta fome, como os lobos costumam ser...
- Não esse! Não esse! O uivo era muito assustador! Encare a verdade, Jacques: quem está por perto é a própria Besta de Gévaudan!
Entraram e Jacques apressou-se em fechar a porta e passar a tranca. Não obstante, observou:
- Ora ora, Priscila. E você acredita nisso? A Besta de Gévaudan não passa de uma lenda de camponeses supersticiosos. Estamos em 1767 e não se deve acreditar em tolices desse gênero!
AÚÚÚÚÚÚÚÚÚÚÚÚÚÚÚÚUÚÚÚÚÚÚÚÚ!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Priscila se abraçou trêmula ao marido.
- Meu Deus! Ela está pertinho! Jacques, eu tenho certeza, é a Besta de Gévaudan mesmo que está atrás de nós! Estamos perdidos!
- Calma, Priscila, calma! Você está exagerando, esse bicho jamais se atreveria a penetrar em nossa cabana...
- Ah, não? E o que é aquilo então, pode me dizer?
- Uaaai!!! Oh, meu Deus!
Na janela que ficara aberta, aparecera uma cara enorme de goela escancarada e dentes afiadíssimos à mostra, a saliva escorrendo da boca famélica.
O casal correu para a janela e tratou de fechar os postigos com muita luta, e o monstro ficou rosnando no lado de fora.
Priscila estava baratinada de tanto pavor, torcendo as mãos e olhando apavorada a janela que tremia sob as patadas da fera.
- Meu amor, o que vamos fazer? Esse bicho terrificante vai nos matar, você não sabe que a Besta de Gévaudan já acabou com mais de cem pessoas? Que ela suga o sangue das vítimas?
- Ela não vai gostar de mim, eu estou muito anêmico. Estou muito anêmico! – e Jacques repetiu a proposição com voz muito alta.
- Mas eu não estou anêmica e não quero virar banquete de besta-fera! Temos que fazer alguma coisa, Jacques! Daqui a pouco ela vai por esse casebre abaixo e nós não vamos conseguir correr mais do que um monstro!
- Ora, Priscila! Você está se preocupando demais! Está esquecendo que nós temos o nosso mastim, o Mordedor? Ele vai acabar com essa fera num abrir e fechar de olhos! Por falar nisso... onde é que está o Mordedor?
- Bem ali – respondeu Priscila, apontando para debaixo da cama.
- Bem, bem... acho melhor nós pensarmos em alguma outra estratégia, querida...
- Eu gostaria que você levasse a nossa situação a sério e não ficasse com esse ar bobo de riso o tempo todo!
- Mas querida, eu não estou rindo, eu sou dentuço assim mesmo, não se lembra?
- Está bem, então o que é que a gente vai fazer?
- Ahnn... que tal se a gente jogasse o Mordedor lá para fora? A Besta comia ele e nos deixava em paz...
- Olha aqui, seu cafajeste. Você não se atreva a fazer uma baixaria dessas com o meu cachorro...
- Eu estou só brincando, querida. Tem uma solução melhor. Vou pegar o meu rifle e acabo com ela num instante...
Assim dizendo Jacques dirigiu-se à lareira e pegou em cima dela uma arma que estava pendurada na parede. Ao examiná-la porém levou um choque:
- Espera aí... e a munição? Priscila, cadê as balas? Eu não te disse para comprar as balas?
- Oh desculpe, querido. Eu SABIA que tinha esquecido alguma coisa quando estive no armazém...
Jacques fez um gesto de desespero:
- Você percebe o que está acontecendo? Nós estamos aqui cercados, acuados por um monstro inumano, e desarmados. O que poderemos fazer?
Súbito o uivo da fera se fez escutar mais alto que nunca. Os dois se abraçaram no paroxismo do terror e balbuciaram juntos, pateticamente:
- Oh! E agora? Quem poderá nos ajudar?
- EU!!!
Debaixo das colchas, lençóis e cobertores sobre a cama, saiu uma estranha figura de roupa vermelha (exceto a calça curta amarela sobre o traje inteiriço) e umas anteninhas flexíveis no alto da cabeça.
- O Chapolin Colorado! – exclamou o casal.
- Não contavam com a minha astúcia!
Chapolin desceu da cama – e imediatamente foi mordido pelo Mordedor, que estava embaixo dela.
- Minha panturrilha! – gritou o Chapolin, pulando num pé só.
- Me desculpe, Chapolin – disse o Jacques. – Nós invocamos você porque precisamos que alguém nos defenda contra a Besta de Gévaudan...
- É comigo mesmo! – respondeu o vermelinho, pegando a sua marreta biônica. – Mas eu pensava que ela fosse bem maior!
- Espere!
- Espere, Chapolin!
- Vou acabar com ela ou meu nome não é mais Chapolin Colorado...
E o Chapolin desceu a marreta no Mordedor, que ganiu e correu, com o herói correndo atrás dele pelo aposento.
- Pare, Chapolin! – berrou a Priscila. – Não está vendo que isso aí não é a Besta? É apenas o nosso cachorro. Aliás ele e nada é a mesma coisa, mas mesmo assim...
- Suspeitei desde o início. Mas então digam... onde está a Besta afinal?
- Graças a Deus ela ainda está do lado de fora – esclareceu Jacques.
- Quer saber, seu bobo? Se eu fosse vocês relaxava, não me preocupava tanto. Vocês acham mesmo que esse bicho é capaz de arrombar essas paredes? Isso aqui é madeira muito sólida!
- Você acha mesmo, Chapolin? – indagou Priscila.
- É claro que acho – disse o Chapolin, com ares de sabichão. – Vocês podem ficar tranqüilos, que essa besta da Besta nunca vai poder atravessar essas ripas reforçadas... – e assim dizendo ele pôs a mão espalmada na parede mais próxima, repousou o peso do corpo... e ela atravessou a barreira, saindo no outro lado.
- Epa!!! – assim dizendo o vermelinho puxou a mão de volta.
- Chapolin, por favor, não esburaque a única proteção que temos! – gritou Jacques, indignado. – Já não bastam os cupins?
- Ora, então já temos uma solução. Espero que vocês dois não sejam adeptos da aerobiose...
- Por que diz isso?
- O que vocês têm a fazer é não sair de casa. Vocês têm víveres, não têm? Se ficarem uma semana aqui dentro sem sair a Besta de Gévaudan vai se cansar e irá embora procurar outra presa!
- Até que é uma boa idéia, Chapolin... – observou Jacques.
- Só tem uma coisa... – interrompeu Priscila, pensativa.
- O que, meu bem?
- É que o banheiro fica do lado de fora...
Jacques coçou o queixo, procurando refletir.
- Bom, meu amor... eu acho que nós temos um penico guardado em algum lugar, não temos?
- Para com isso, Jacques! Você é um homem ou um rato? Não vou agüentar uma coisa dessas! Você não pode pegar um cacete ou coisa que o valha e enfrentar a fera?
- Querida, eu teria a maior satisfação em fazer isso para te defender, mas... não tem necessidade. Afinal de contas nós estamos com um HERÓI aqui dentro, não estamos?
- Ah, sim? E onde ele está, por favor?
- Ora, bem aqui! Chapolin, como você é um grande herói e obviamente não tem medo de nada, você vai enfrentar a Besta de Gévaudan!
Chapolin levou a mão ao peito:
- EEEEEUUUUU?????
- É claro. Quem mais? Afinal você já realizou façanhas muito mais difíceis! Não que eu me lembre de nenhuma, porém... nós confiamos em você. Não confiamos, Priscila?
Silêncio.
- NÃO CONFIAMOS?
- Oh, claro – respondeu Priscila, com um gesto de pouco caso.
- Portanto, caro Chapolin, o que você tem a fazer é pegar a sua marreta, ir lá para fora e enfrentar a Besta! Vamos, vai lá!
- É, eu vou...
- Sim, Chapolin, vai!
- Eu vou...
- Sim, sim, você vai!
Chapolin passou a mão pela nuca.
- Eu vou lá...
- Claro, claro, Chapolin! Vai lá logo!
Chapolin passou a mão pelo rosto:
- Eu vou...
- VAI LOGO DE UMA VEZ, CARAMBA!!!
- Se aproveitam da minha nobreza – filosofou o herói.
Assim dizendo ele se aproximou da porta, puxou a tranca e segurou a maçaneta:
- Mas antes, quero deixar uma coisa bem clara. Se vocês pensam que eu estou com medo da fera...
AÚÚÚÚÚÚUÚÚÚÚÚ!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Chapolin deu um pulo e foi parar nos braços da Priscila.
- Vocês estão completamente equivocados! – terminou ele.
- Chapolin – falou o Jacques, muito sério.
- Que é? Pode falar.
- QUER FAZER O FAVOR DE DESCER DO COLO DA MINHA ESPOSA?
- Ah, eu nem reparei... bom, onde é mesmo que a gente estava?
- Você estava indo ao encontro da Besta. E vá logo, que eu já perdi a paciência.
- Está bem, eu vou. Se aproveitam da minha nobreza...
- Ai, que cara repetitivo...
E o Chapolin saiu, empunhando a sua marreta biônica.
Ouviu-se um novo uivo e ele retornou à porta.
- Que foi agora? – indagou Jacques.
- Eu estava pensando... e se a gente jogasse o cachorro para a Besta comer? Acho que ela ficaria satisfeita, e assim...
- NÀO!!! – berrou Priscila.
- Nós já discutimos isso antes de você chegar, Chapolin. Está fora de cogitação.
- É claro! Imagine, Jacques, dar o nosso querido cachorrinho para esse monstro devorar...
- E tem mais – acrescentou Jacques. – Eu já soube por vários comentários que a Besta não gosta muito de comer cachorros, por isso não adiantaria muito...
- JACQUES! Para de dizer besteiras! Deixa o Chapolin agir!
- Sigam-me os bons! - e com esse bordão o Chapolin finalmente partiu, ao encontro do monstro das trevas.
- Meu bem, o que você acha? – disse a moça, ofegante de nervosismo. – Será que o Chapolin ganha dessa fera?
- Mas é claro, Priscila. Afinal ele é o Chapolin Colorado, não é mesmo? Se isso significa alguma coisa...
GRÁU! RASG! TOMA ISSO! AI, PARA! GRRR... ROSN...GRRR... IAH!!!CHOMP!!!
- Meu Deus, o que estará havendo aí fora? – perguntou Priscila, numa extrema aflição.
- Ora, não percebe, querida? O nosso herói Chapolin está acabando com a ...
A porta se abriu de sopetão e o Chapolin entrou voado, com a roupa toda rasgada.
- Chapolin, passe a tranca! Você só passou a maçaneta!
- Olhe aqui – respondeu o vermelinho, arfando – nós estamos lidando com um animal irracional. Você acha mesmo que essa coisa tem inteligência bastante para virar uma maçaneta?
- Tanto tem que acabou de fazer! Olha ela aí! – exclamou Priscila, apontando.
Chapolin olhou para trás, todo arrepiado:
- Que quem f-foi q-que deu li-li-licença para a senhora entrar?
A Besta de Gévaudan, que se pusera de pé para abrir a porta, voltou a ser um quadrúpede e lambeu os beiços, observando seu almoço reforçado em potencial.
- Chapolin, mata esse bicho! – disse o Jacques.
- Não posso, homem. A Sociedade Protetora dos Animais vai me processar...
- Então faça alguma coisa! Não vê que ela vai nos comer a todos?
- Ora, que bobagem! – e Chapolin fez um gesto de desprezo. – Tenho certeza absoluta que ela não vai fazer nada disso!
- Como pode ter tanta certeza?
- Pelo golpe de vista, é claro.
- O que quer dizer? – Jacques estava quase chorando.
- Ora, é simples. É evidente que o estômago da Besta de Gévaudan não tem espaço suficiente para devorar três seres humanos adultos e um cachorro gordo como esse aí. O mais provável é que ela coma vocês dois e me poupe, porque a minha roupa não tem gosto que agrade lobisomens, harpias, dragões, basiliscos e monstros em geral... e isso inclui a Besta de Gévaudan.
- Mas que espécie de super-herói você é? Tem a obrigação de nos salvar!
- Palma, palma... não priemos cânico...
Enquanto falavam iam todos recuando (menos o cachorro, que já voltara para debaixo da cama) e acabaram por esbarrar na lareira.
- Cuidado! – disse a garota. – Não podemos mais recuar!
- Agora é que estamos perdidos... – choramingou Jacques.
- Lareira, lareira... tive uma idéia...
Assim dizendo o Chapolin virou-se, pegou uma acha em chamas e atirou-a numa parábola contra o animalaço que vinha se aproximando com os dentes arreganhados e babando. A tocha caiu sobre o rabo felpudo da fera, que imediatamente se incendiou.
O efeito foi fantástico. A Besta de Gévaudan deu um grito de susto, rodou o corpo várias vezes e, vendo que não conseguia apagar o fogo, deu um grande pulo sobre a janela, arrebentando o vidro, e disparou uivando de desespero.
Chapolin e os demais correram para a janela ainda a tempo de ver o predador sumir-se no bosque, com a cauda inflamada.
- Meu herói! – disse a moça sorridente, abraçando e beijando o vermelinho.
- Meu bem, calma, já agradeceu... agora largue o Chapolin pois afinal você é casada comigo!
- Ora, não banque o marido chato!
E se isto fosse um episódio filmado, o nosso herói agora se voltaria para a tela e diria solenemente:
- E isto que vocês viram é a história verdadeira. Digam o que disserem, quem derrotou a terrível Besta de Gévaudan fui eu – o Chapolin Colorado!
Nota: esta história é uma fanfic para publicação em espaços amadores. Os direitos autorais do personagem Chapolin Colorado pertencem a Roberto Gomes Bolaños.
A Besta de Gévaudan é uma conhecida lenda francesa: um animal misterioso e predador que atacava numa região rural da França entre 1764 e 1767.
ENCURRALADOS
Miguel Carqueija
O dia estava tempestuoso e o casal seguia abraçado e acompanhado pelo cachorro, por um caminho sinuoso e estreito em meio à mata escura, e afinal chegou diante da cabana.
- Querido, até que enfim chegamos. Não agüento mais ouvir esses uivos...
- Meu bem, deve ser apenas um lobo desgarrado e esquelético de tanta fome, como os lobos costumam ser...
- Não esse! Não esse! O uivo era muito assustador! Encare a verdade, Jacques: quem está por perto é a própria Besta de Gévaudan!
Entraram e Jacques apressou-se em fechar a porta e passar a tranca. Não obstante, observou:
- Ora ora, Priscila. E você acredita nisso? A Besta de Gévaudan não passa de uma lenda de camponeses supersticiosos. Estamos em 1767 e não se deve acreditar em tolices desse gênero!
AÚÚÚÚÚÚÚÚÚÚÚÚÚÚÚÚUÚÚÚÚÚÚÚÚ!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Priscila se abraçou trêmula ao marido.
- Meu Deus! Ela está pertinho! Jacques, eu tenho certeza, é a Besta de Gévaudan mesmo que está atrás de nós! Estamos perdidos!
- Calma, Priscila, calma! Você está exagerando, esse bicho jamais se atreveria a penetrar em nossa cabana...
- Ah, não? E o que é aquilo então, pode me dizer?
- Uaaai!!! Oh, meu Deus!
Na janela que ficara aberta, aparecera uma cara enorme de goela escancarada e dentes afiadíssimos à mostra, a saliva escorrendo da boca famélica.
O casal correu para a janela e tratou de fechar os postigos com muita luta, e o monstro ficou rosnando no lado de fora.
Priscila estava baratinada de tanto pavor, torcendo as mãos e olhando apavorada a janela que tremia sob as patadas da fera.
- Meu amor, o que vamos fazer? Esse bicho terrificante vai nos matar, você não sabe que a Besta de Gévaudan já acabou com mais de cem pessoas? Que ela suga o sangue das vítimas?
- Ela não vai gostar de mim, eu estou muito anêmico. Estou muito anêmico! – e Jacques repetiu a proposição com voz muito alta.
- Mas eu não estou anêmica e não quero virar banquete de besta-fera! Temos que fazer alguma coisa, Jacques! Daqui a pouco ela vai por esse casebre abaixo e nós não vamos conseguir correr mais do que um monstro!
- Ora, Priscila! Você está se preocupando demais! Está esquecendo que nós temos o nosso mastim, o Mordedor? Ele vai acabar com essa fera num abrir e fechar de olhos! Por falar nisso... onde é que está o Mordedor?
- Bem ali – respondeu Priscila, apontando para debaixo da cama.
- Bem, bem... acho melhor nós pensarmos em alguma outra estratégia, querida...
- Eu gostaria que você levasse a nossa situação a sério e não ficasse com esse ar bobo de riso o tempo todo!
- Mas querida, eu não estou rindo, eu sou dentuço assim mesmo, não se lembra?
- Está bem, então o que é que a gente vai fazer?
- Ahnn... que tal se a gente jogasse o Mordedor lá para fora? A Besta comia ele e nos deixava em paz...
- Olha aqui, seu cafajeste. Você não se atreva a fazer uma baixaria dessas com o meu cachorro...
- Eu estou só brincando, querida. Tem uma solução melhor. Vou pegar o meu rifle e acabo com ela num instante...
Assim dizendo Jacques dirigiu-se à lareira e pegou em cima dela uma arma que estava pendurada na parede. Ao examiná-la porém levou um choque:
- Espera aí... e a munição? Priscila, cadê as balas? Eu não te disse para comprar as balas?
- Oh desculpe, querido. Eu SABIA que tinha esquecido alguma coisa quando estive no armazém...
Jacques fez um gesto de desespero:
- Você percebe o que está acontecendo? Nós estamos aqui cercados, acuados por um monstro inumano, e desarmados. O que poderemos fazer?
Súbito o uivo da fera se fez escutar mais alto que nunca. Os dois se abraçaram no paroxismo do terror e balbuciaram juntos, pateticamente:
- Oh! E agora? Quem poderá nos ajudar?
- EU!!!
Debaixo das colchas, lençóis e cobertores sobre a cama, saiu uma estranha figura de roupa vermelha (exceto a calça curta amarela sobre o traje inteiriço) e umas anteninhas flexíveis no alto da cabeça.
- O Chapolin Colorado! – exclamou o casal.
- Não contavam com a minha astúcia!
Chapolin desceu da cama – e imediatamente foi mordido pelo Mordedor, que estava embaixo dela.
- Minha panturrilha! – gritou o Chapolin, pulando num pé só.
- Me desculpe, Chapolin – disse o Jacques. – Nós invocamos você porque precisamos que alguém nos defenda contra a Besta de Gévaudan...
- É comigo mesmo! – respondeu o vermelinho, pegando a sua marreta biônica. – Mas eu pensava que ela fosse bem maior!
- Espere!
- Espere, Chapolin!
- Vou acabar com ela ou meu nome não é mais Chapolin Colorado...
E o Chapolin desceu a marreta no Mordedor, que ganiu e correu, com o herói correndo atrás dele pelo aposento.
- Pare, Chapolin! – berrou a Priscila. – Não está vendo que isso aí não é a Besta? É apenas o nosso cachorro. Aliás ele e nada é a mesma coisa, mas mesmo assim...
- Suspeitei desde o início. Mas então digam... onde está a Besta afinal?
- Graças a Deus ela ainda está do lado de fora – esclareceu Jacques.
- Quer saber, seu bobo? Se eu fosse vocês relaxava, não me preocupava tanto. Vocês acham mesmo que esse bicho é capaz de arrombar essas paredes? Isso aqui é madeira muito sólida!
- Você acha mesmo, Chapolin? – indagou Priscila.
- É claro que acho – disse o Chapolin, com ares de sabichão. – Vocês podem ficar tranqüilos, que essa besta da Besta nunca vai poder atravessar essas ripas reforçadas... – e assim dizendo ele pôs a mão espalmada na parede mais próxima, repousou o peso do corpo... e ela atravessou a barreira, saindo no outro lado.
- Epa!!! – assim dizendo o vermelinho puxou a mão de volta.
- Chapolin, por favor, não esburaque a única proteção que temos! – gritou Jacques, indignado. – Já não bastam os cupins?
- Ora, então já temos uma solução. Espero que vocês dois não sejam adeptos da aerobiose...
- Por que diz isso?
- O que vocês têm a fazer é não sair de casa. Vocês têm víveres, não têm? Se ficarem uma semana aqui dentro sem sair a Besta de Gévaudan vai se cansar e irá embora procurar outra presa!
- Até que é uma boa idéia, Chapolin... – observou Jacques.
- Só tem uma coisa... – interrompeu Priscila, pensativa.
- O que, meu bem?
- É que o banheiro fica do lado de fora...
Jacques coçou o queixo, procurando refletir.
- Bom, meu amor... eu acho que nós temos um penico guardado em algum lugar, não temos?
- Para com isso, Jacques! Você é um homem ou um rato? Não vou agüentar uma coisa dessas! Você não pode pegar um cacete ou coisa que o valha e enfrentar a fera?
- Querida, eu teria a maior satisfação em fazer isso para te defender, mas... não tem necessidade. Afinal de contas nós estamos com um HERÓI aqui dentro, não estamos?
- Ah, sim? E onde ele está, por favor?
- Ora, bem aqui! Chapolin, como você é um grande herói e obviamente não tem medo de nada, você vai enfrentar a Besta de Gévaudan!
Chapolin levou a mão ao peito:
- EEEEEUUUUU?????
- É claro. Quem mais? Afinal você já realizou façanhas muito mais difíceis! Não que eu me lembre de nenhuma, porém... nós confiamos em você. Não confiamos, Priscila?
Silêncio.
- NÃO CONFIAMOS?
- Oh, claro – respondeu Priscila, com um gesto de pouco caso.
- Portanto, caro Chapolin, o que você tem a fazer é pegar a sua marreta, ir lá para fora e enfrentar a Besta! Vamos, vai lá!
- É, eu vou...
- Sim, Chapolin, vai!
- Eu vou...
- Sim, sim, você vai!
Chapolin passou a mão pela nuca.
- Eu vou lá...
- Claro, claro, Chapolin! Vai lá logo!
Chapolin passou a mão pelo rosto:
- Eu vou...
- VAI LOGO DE UMA VEZ, CARAMBA!!!
- Se aproveitam da minha nobreza – filosofou o herói.
Assim dizendo ele se aproximou da porta, puxou a tranca e segurou a maçaneta:
- Mas antes, quero deixar uma coisa bem clara. Se vocês pensam que eu estou com medo da fera...
AÚÚÚÚÚÚUÚÚÚÚÚ!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Chapolin deu um pulo e foi parar nos braços da Priscila.
- Vocês estão completamente equivocados! – terminou ele.
- Chapolin – falou o Jacques, muito sério.
- Que é? Pode falar.
- QUER FAZER O FAVOR DE DESCER DO COLO DA MINHA ESPOSA?
- Ah, eu nem reparei... bom, onde é mesmo que a gente estava?
- Você estava indo ao encontro da Besta. E vá logo, que eu já perdi a paciência.
- Está bem, eu vou. Se aproveitam da minha nobreza...
- Ai, que cara repetitivo...
E o Chapolin saiu, empunhando a sua marreta biônica.
Ouviu-se um novo uivo e ele retornou à porta.
- Que foi agora? – indagou Jacques.
- Eu estava pensando... e se a gente jogasse o cachorro para a Besta comer? Acho que ela ficaria satisfeita, e assim...
- NÀO!!! – berrou Priscila.
- Nós já discutimos isso antes de você chegar, Chapolin. Está fora de cogitação.
- É claro! Imagine, Jacques, dar o nosso querido cachorrinho para esse monstro devorar...
- E tem mais – acrescentou Jacques. – Eu já soube por vários comentários que a Besta não gosta muito de comer cachorros, por isso não adiantaria muito...
- JACQUES! Para de dizer besteiras! Deixa o Chapolin agir!
- Sigam-me os bons! - e com esse bordão o Chapolin finalmente partiu, ao encontro do monstro das trevas.
- Meu bem, o que você acha? – disse a moça, ofegante de nervosismo. – Será que o Chapolin ganha dessa fera?
- Mas é claro, Priscila. Afinal ele é o Chapolin Colorado, não é mesmo? Se isso significa alguma coisa...
GRÁU! RASG! TOMA ISSO! AI, PARA! GRRR... ROSN...GRRR... IAH!!!CHOMP!!!
- Meu Deus, o que estará havendo aí fora? – perguntou Priscila, numa extrema aflição.
- Ora, não percebe, querida? O nosso herói Chapolin está acabando com a ...
A porta se abriu de sopetão e o Chapolin entrou voado, com a roupa toda rasgada.
- Chapolin, passe a tranca! Você só passou a maçaneta!
- Olhe aqui – respondeu o vermelinho, arfando – nós estamos lidando com um animal irracional. Você acha mesmo que essa coisa tem inteligência bastante para virar uma maçaneta?
- Tanto tem que acabou de fazer! Olha ela aí! – exclamou Priscila, apontando.
Chapolin olhou para trás, todo arrepiado:
- Que quem f-foi q-que deu li-li-licença para a senhora entrar?
A Besta de Gévaudan, que se pusera de pé para abrir a porta, voltou a ser um quadrúpede e lambeu os beiços, observando seu almoço reforçado em potencial.
- Chapolin, mata esse bicho! – disse o Jacques.
- Não posso, homem. A Sociedade Protetora dos Animais vai me processar...
- Então faça alguma coisa! Não vê que ela vai nos comer a todos?
- Ora, que bobagem! – e Chapolin fez um gesto de desprezo. – Tenho certeza absoluta que ela não vai fazer nada disso!
- Como pode ter tanta certeza?
- Pelo golpe de vista, é claro.
- O que quer dizer? – Jacques estava quase chorando.
- Ora, é simples. É evidente que o estômago da Besta de Gévaudan não tem espaço suficiente para devorar três seres humanos adultos e um cachorro gordo como esse aí. O mais provável é que ela coma vocês dois e me poupe, porque a minha roupa não tem gosto que agrade lobisomens, harpias, dragões, basiliscos e monstros em geral... e isso inclui a Besta de Gévaudan.
- Mas que espécie de super-herói você é? Tem a obrigação de nos salvar!
- Palma, palma... não priemos cânico...
Enquanto falavam iam todos recuando (menos o cachorro, que já voltara para debaixo da cama) e acabaram por esbarrar na lareira.
- Cuidado! – disse a garota. – Não podemos mais recuar!
- Agora é que estamos perdidos... – choramingou Jacques.
- Lareira, lareira... tive uma idéia...
Assim dizendo o Chapolin virou-se, pegou uma acha em chamas e atirou-a numa parábola contra o animalaço que vinha se aproximando com os dentes arreganhados e babando. A tocha caiu sobre o rabo felpudo da fera, que imediatamente se incendiou.
O efeito foi fantástico. A Besta de Gévaudan deu um grito de susto, rodou o corpo várias vezes e, vendo que não conseguia apagar o fogo, deu um grande pulo sobre a janela, arrebentando o vidro, e disparou uivando de desespero.
Chapolin e os demais correram para a janela ainda a tempo de ver o predador sumir-se no bosque, com a cauda inflamada.
- Meu herói! – disse a moça sorridente, abraçando e beijando o vermelinho.
- Meu bem, calma, já agradeceu... agora largue o Chapolin pois afinal você é casada comigo!
- Ora, não banque o marido chato!
E se isto fosse um episódio filmado, o nosso herói agora se voltaria para a tela e diria solenemente:
- E isto que vocês viram é a história verdadeira. Digam o que disserem, quem derrotou a terrível Besta de Gévaudan fui eu – o Chapolin Colorado!