Banho de ofurô real
Era um rei muito vaidoso e que se entediava facilmente. Não gostava de passeios no bosque, não gostava de caçadas, não gostava de espetáculos. Mas adorava sentir o frescor e a maciez das frutas, o suave gosto do vinho e o delicioso perfume das flores do campo. Amava, mais ainda, a delicadeza dos óleos e das fragrâncias finas que utiliza em seus longos e caprichados banhos. Gostava de momentos relaxantes, mas, como monarca, gozava de apenas poucos instantes deste tipo.
Até que determinado dia um de seus leais ministros lhe presenteia com um ofurô exótico, de madeira nobre, repleto das melhores essências e sais de banho.
O rei se agraciou muitíssimo. Entrou no ofurô, se acomodou e, enfim, encontrou algo de que não se enfadou. Como era relaxante! Gostou tanto que decidiu passar um dia inteiro assim. Traziam-lhe flores das mais perfumadas, frutas das mais saborosas e adicionavam mais óleos à água de banho, tudo a pedido do rei. Cobriram a água da banheira com pétalas de rosas e cravos-da-índia. De fora da água, ficaram apenas parte do busto, a cabeça e os braços reais. E assim passou o primeiro dia.
No segundo, ainda no ofurô, expediu um decreto: passaria uma semana na banheira relaxante, de onde despacharia os processos administrativos do reino. Fez-se um alarde na Corte, lógico. Mas fizeram de tudo para agradá-lo. Passada a semana, o rei decidiu ficar ali durante todo o resto do mês. E depois decidiu ficar um ano até que, por fim, decretou que nunca mais sairia dali.
Tudo o que precisava ser decidido ou conversado, o era ali. Dali o rei assinava, ordenava, condecorava e festejava. Era ali que comia, dormia e até fazia suas necessidades. Dois anos depois a água já era de uma cor e textura bem peculiares. Ainda assim, cheirava mui agradável: sempre adicionavam mais essência a ela.
Todavia se passaram dez anos, e como o rei não se fazia presente em todos os atos de seu reinado, foi perdendo sua soberania a ponto de sofrer tentativas frustradas de invasões inimigas. Imploravam a ele que saísse do ofurô e tomasse decisões mais enérgicas, mas, como não se viam atendidos, começaram a insurgir contra a autoridade real. E assim os próprios súditos do rei facilitaram a entrada dos inimigos, os quais foram logo tratando de destronar o monarca.
Os invasores chegaram ao recinto do ofurô, onde o rei passara a última década, e ordenaram que saísse dali. Não saiu. Ameaçaram barbaridades e, mesmo assim, o rei permaneceu imóvel. Injuriados, tiraram-no de dentro da banheira com as próprias mãos.
A surpresa foi geral, os invasores se entreolharam assustados: o corpo do rei derretera dentro do ofurô.
Darcicley Lopes
P.S.: Conto selecionado em 2010 para participar da antologia "Alétheia - Ficção Especulativa", da editora Multifoco, organizada por Leonardo Schabbach. Guardei o conto até hoje, mas como o livro nunca foi publicado, resolvi postar o conto aqui no Recanto das Letras.