Fraqueza

As minhas mãos suam tanto que tenho de secá-las na calça jeans surrada a cada dez segundos. As batidas do meu coração são tão fortes que parecem murros acertando em cheio o meu peito. Caminho de um lado para o outro, os pensamentos em uma desordem total, enquanto repito a mim mesma com uma voz trêmula: "Você consegue, você consegue. Seja corajosa ao menos uma vez na vida".

A porta se abre velozmente, emitindo uma lufada fria de ar que arrepia meus braços nus, e dela irrompe Thaís. Apressada, ela fecha a porta com cuidado para não fazer barulho, e crava seus olhos em mim.

- OK, agora escute. Eu não devia fazer isso, mas sei que se não te contar, há uma grande probabilidade de que você morra lá fora.

Fico petrificada. Se fosse em outras circunstâncias, eu teria dito que ela está exagerando, como sempre faz. Adoraria poder dizer isso. Mas acontece que não há outras circunstâncias. É minha vida que está em jogo, e sei disso em cada terminação nervosa do meu corpo. Em cada célula. E em que mais você conseguir pensar.

- Ela vai tentar te distrair. - dispara ela - A cada movimento que fizer, irá enviar cenas, conversas, e qualquer outro momento da sua vida que seja difícil de suportar. Você não conseguirá enxergar nada, apenas o que ela quiser. Irá te fazer fraquejar. - ela inspira, tomando fôlego. - Você precisará se concentrar, Anita. Concentre-se em matá-la.

Um ruído alto ecoa pelo lado de fora da porta, e em seguida meu nome é chamado.

- Preciso ir. - diz ela. - E, faça o que fizer, Anita, mas não a deixe tocá-la.

Então ela se vai, deixando-me apavorada e sozinha novamente.

Reúno o máximo de força que consigo para sair porta afora, o que leva pelo menos uns três minutos. Teria sido mais, se a voz metálica não tivesse chamado o meu nome novamente, só que dessa vez mais irritada.

Caminho pelo corredor largo e sem vida, apenas extremamente frio e com várias portas ao redor. Elas não possuem indicações nem nada, só a mesma tintura branca ofuscante do restante do corredor. Minhas botas de couro preto rangem no chão de linóleo, um som absurdamente alto ao meus ouvidos, considerando a quietude do lugar. É como um hospital, só que monstruosamente desabitado. É de dar medo. Ridiculamente, olho por sobre um ombro para ver se não há nenhuma figura suspeita me seguindo.

No fim dele há uma outra porta. Mas esta é de metal e muito pequena, tanto que tenho de me espremer para passar por ela. Imediatamente, a luz me cega. Pisco repetidas vezes, desejando desesperadamente que meus olhos se acostumem logo, antes que o-que-quer-que-seja me ataque por trás.

Aos poucos, consigo ver onde estou. É ao ar livre, um local cercado por árvores de médio e grande porte. Suas folhas balançam ao vento, emitindo um farfalhar constante que eu até poderia considerar relaxante se não soubesse que estou correndo um sério risco de vida aqui. Acima, um sol escaldante pisca para mim com seus raios luzentes.

- Sua arma está logo a frente, Anita. - a mesma voz metálica de minutos atrás comunica.

Giro a cabeça instintivamente na direção do som, e encontro um auto-falante preso a uma das árvores. Em seguida, meus olhos são atraídos para um objeto luminoso no chão. À medida que me aproximo dele, posso observar que se trata de uma espada. Não é grossa como uma daquelas espadas de cavaleiros medievais, nem nada do tipo. Mas também não é tão fina quanto uma de esgrima. Era quase como um... um espeto de churrasco. É, eu sei, não consigo pensar em nada sofisticado mesmo, mas é o que parece.

Me agacho para pegá-la, observando-a mais atentamente, e cometo o estúpido ato de deslizar o indicador sobre ela. Estúpido porque logo em seguida descubro o quanto é afiada. Meu dedo sangra instantaneamente e tudo o que faço é xingar em alto e bom som enquanto aperto-o, na tentativa de estancar o que parece ser uma hemorragia das brabas.

É, Anita, isso é que é sabedoria!

Então, de repente, me sinto tonta como se tivesse tomado todas em alguma das festas que eu costumava frequentar antes de descobrir que sou uma aberração adolescente, cuja missão é proteger os humanos de espíritos malignos que tentam matá-los. E é por isso que estou aqui, para lutar contra sabe-se-lá-o-que, porque tenho de ser forte para conseguir enfrentar a rotina do trabalho que estou destinada a exercer.

Para o bem e felicidade geral da nação, é claro.

Cambaleio de um lado para o outro, com as mãos a frente do corpo, buscando algo ao qual possa me apoiar, porque, de uma hora para outra, não consigo enxergar absolutamente nada. Só o que sinto são meus joelhos amolecerem e, em seguida, o chão.

Uma imagem distante do carro dos meus pais em uma estrada, me vem à cabeça. Eles estão se aproximando de uma curva, diminuindo a velocidade. A imagem se abre um pouco mais, clareando, e vejo um outro carro na contramão. Está tentando voltar para a outra pista, após uma ultrapassagem. Indo muito rápido. Não... Não vai dar tempo. Eles estão perto demais. Há o som desesperado de uma buzina e, em seguida, o baque estrondoso da colisão.

Estremeço.

Subitamente, me lembro de algo. Mais especificamente, do que Thaís me dissera.

"Ela vai tentar te distrair..."

Sinto o pânico se alastrar pelo meu corpo, rapidamente, como fogo no álcool. Ele me deixa alerta, libertando-me do transe.

Abro os olhos.

Vejo terra.

Ergo a cabeça.

Botas de couro preto caminham em minha direção, seguidas por calças jeans desbotadas, grosseiramente rasgadas nos joelhos...

Levanto de supetão, sentindo a pulsação na garganta. Céus, não estou brincando, posso ouvir meus batimentos como se fossem tambores de escola de samba.

Porque quem está aqui, bem à minha frente, encarando-me com o olhar alucinado, a postura quase selvagem... Sou eu mesma.

E, vou te contar, nunca pensei que eu poderia ficar tão assustadora.

Só então parece me ocorrer de que preciso de uma arma se quiser ter pelo menos uma remota chance de sobrevivência.

Agora você deve estar pensando: Qual é, sua cagona, é você mesma que está ali. E eu te respondo: Você também não ficaria desesperado se estivesse no meu lugar? Quer dizer, como pode haver outro de você?

Localizo a minha espada e rapidamente a pego, posicionando-me com ela bem apontada para a criatura louca que avança sem parar na minha direção. Talvez eu devesse sair dali, sei lá, correr. Mas estou tão paralisada pelo medo que permaneço ali, estática.

A coisa acontece rápido demais para que meu cérebro embriagado de pavor registre tudo com precisão. De repente ela já está a centímetros de distância e só então eu recuo, fazendo com que seu instinto assassino aumente ainda mais. Ela gira sua espada idêntica a minha com uma velocidade surpreendente, e a lâmina pega de raspão no meu pescoço. O suficiente para eu já sentir o sangue começar a escorrer.

Levo um susto tão grande no momento em que ela me acerta que, novamente, fico congelada no lugar, enquanto memórias antigas me atingem com a mesma força de seu golpe.

Vejo Rodrigo e eu, juntos, felizes. Estamos rindo e fazendo palhaçadas feito duas crianças. O que, basicamente, nós éramos. Depois estou na noite de seu assassinato. O galpão velho e úmido, os cacos de vidro no chão, o barulho ritmado de socos acertando seu rosto. Começo a correr desesperadamente na direção do som.

Eu grito, sentindo uma dor lancinante que me faz retornar à realidade. Instintivamente levo a mão livre ao local do corte. Ela está encharcada de um líquido escuro quando a tiro da barriga. E então, de repente, sinto um ódio gigantesco invadir meu peito. Aperto os dedos em torno da espada, cravando o olhar na garota que agora sorri maliciosamente.

Mas ela é surpreendentemente mais rápida.

(continua...)

Luiza Venturini
Enviado por Luiza Venturini em 05/09/2013
Código do texto: T4468351
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