O ASTRO QUE TUDO VÊ - PARTE 3

O LIMIAR DA PEREGRINA ILUMINADA: BRÍACA

_Vô, porque será que o iluminado mor me escolheu?

_Minha querida Bríaca, não foi o “Raio de Sol Vivo” quem a escolheu. Ele apenas cumpre os desejos de nosso Pai. –respondeu um senhor com uma voz tão tenra que mal dava pra interpretar o que de fato ele queria dizer.

Bríaca, mesmo com seus 16 anos sempre fora uma guerreira. Perdera, quando jovem, seus pais em um acidente que nunca foi explicado. Ambos caíram juntamente com um desfiladeiro quando o atravessavam. Ela, mesmo com toda a tristeza conseqüente dessa tragédia, nunca perdera o brilho. Sempre fora considerada a mais bonita de Esméria, há quem diga que se o Pai Sol tivesse uma filha, decerto seria Bríaca. Ninguém conseguia explicar o porquê de o cabelo dela ser de um dourado esplêndido, pois ela viera de uma linhagem onde todos os ascendentes possuíam cabelos escuros. Sua mãe, quando ela contestava tal fato, explicava a ela, que ela fora um presente do Santíssimo.

_ Sim, Vô eu sei. Mas nunca me imaginei ser escolhida pra algo, principalmente pra participar de uma jornada guiada pelo nosso próprio pai. Mas confesso estar com medo. Sei que sou capaz de concluir tal tarefa, mas tenho receio de partir e não mais voltar. – ao proferir tais palavras, percebeu que se houvesse mesmo a chance de deixar todas as más lembranças para trás, faria sem pestanejar.

_Você sempre encontrará o caminho de volta. Você sempre encontrou.

_Mas eu nunca fui pra lugares tão longínquos, com outra cultura, outro povo, outras felicidades. - interrompeu agora com certo entusiasmo

_Vivenciar outros costumes, não fará com que você pertença a eles. Você é esmeriana, e isso nunca haverá de mudar. Você é uma filha da natureza, filha do Pai que tudo vê, tudo sabe. Se ele a escolheu, foi porque com certeza ele sabe que você é merecedora e não o desapontará. –concluiu o velho

_Mas eu já decepcionei pessoas próximas a mim.

_Quieta! Não diga nem mais uma palavra.

_Mas... –insistiu, Bríaca.

_Vá tomar um banho! Interrompeu seu avô

Bríaca pôs-se a retirar do aposento e foi em direção ao banheiro para banhar-se. Enquanto ela tomava seu banho, seu avó, Sr, Junca, ficou refletindo no que sua neta acabara de falar. Ficava pensando que se por detrás desse entusiasmo de ajudar o Astro, havia na verdade um sentimento de abandono. Ficava martelando em sua cabeça a ideia de ela deixar Ésmeria e nunca mais voltar. Ele sentia em sua alma, era como se ele pudesse ver mais do que as demais pessoas, mesmo não possuindo o sentido da visão. Passado alguns minutos sua neta volta pra ter com ele.

_Então, minha querida, eu enquanto você estava a se banhar, decidi que irei contigo.

_Mas vozinho, você não está em condições de viajar, sua idade, sua visão. –concluiu sua neta logicamente

_Engano seu, estou melhor do que você imagina, nunca estive mais lúcido em minha vida, além do mais terei você e meu pequenino Leão pra me guiar. Você bem sabe o que já passei ao lado do meu querido companheiro. Já desbravei terras inóspitas ao lado dele, lutei juntamente com nossos fundadores, e ele sempre do meu lado.

_Vô, mudando de assunto, você falando de guerras e tudo o mais... me conta um pouco como você ajudou na história do Vislumbrador Infeliz? -ao ouvir essa pergunta, Junca ferozmente pega uma porcelana que estava a sua frente e jogou contra a parede.

Bríaca não entendeu como ele fora tão rápido em seu movimento, mas isso não a incomodou, pois o que de fato sempre a perturbara era que quando perguntava ao seu avô a história do Vislumbrador, seu avô nunca dava uma resposta objetiva e seu comportamento sempre mudava bruscamente.

_Eu já te falei que não gosto que você insista nesse assunto. Isso já aconteceu há décadas. Não há nada pra lembrar. Atenha-se na história que o povo conta. Pois eu não tenho nada a acrescentar além daquilo que já foi dito. E você bem sabe que essa é uma história que não quero mais lembrar, não quero mais pensar sobre isso. Perdoe-me se fui meio rude contigo agora. É que sempre fico muito sensível quando você toca nesse assunto.-disse o velho com um voz engasgada

_Eu que peço perdão, vozinho, sei que você não gosta que toque nesse assunto. Prometo não mais te perturbar com esse assunto. – retrucou a senhorita com seus dedos cruzados atrás das costas - Vou à cozinha tomar um café, quer que eu trague algo pra você?

_Não querida, não se preocupe comigo, sou apenas um velho ranzinza.

Bríaca então se levantou novamente e antes de se dirigir à cozinha, foi ao canto da sala onde restavam os pedaços do bule de porcelana. Catou um por um, e foi pôs-se a caminhar. Chegando à cozinha, começou a sentir um cheiro tão agradável que lembrava sua época de meninice, antes de seus pais falecerem. Virou seu olhar para o fogão, e percebeu que sua ama estava a cozinhar algo.

_Manjar dos Iluminados? Perguntou Bríaca.

_Isso mesmo sinhazinha.

_Leão, saia da cozinha. –gritou a pequena olhando para o leão e voltou a fitar sua ama- Hum, quanto tempo que não como esse manjar. Ele me lembra tantas coisas...

_Eu sei, sinhazinha, por isso tomei a liberdade de preparar isso pra você. Quero que você se alimente bem para poder iniciar sua jornada amanhã. A propósito, por que esses cacos estão em suas mãos?

_O Vovô perdeu a cabeça quando perguntei a ele o que ele havia feito com o Vislumbrador...

_Hã? De novo com essa história sinhazinha? Interrompeu a ama.

_Esmeralda, você está conosco há décadas, e te considero uma avó, apesar de você não ser casada com meu avô. Enfim, confio em você, e você bem sabe que pode confiar em mim. Nunca fiz nada que desabonasse minha lealdade, e como disse, ainda que você trabalhe para nós, eu a amo como se você fosse sangue do meu sangue.

_O que você que saber, minha filha? _indagou Esmeralda

_Quero saber da verdade. Por que meu avô tanto se incomoda quando eu toco no assunto e por que ele fica receoso de me contar a parte dele na história?_concluiu Bríaca se dirigindo a sua aia com um olhar de curiosidade

_Querida, sinto muito, mas eu também não sei nada além dessa história que você já não saiba. Mas por que você fica insistindo em saber a participação dele? Já tem mais de meio século desde que o Infeliz morreu.

_ Pois é, mas sinto que ele está escondendo algo de mim.