O menino e o grifo - Parte 2
O menino passou o dia com o grifo na cabeça; ele chegou à torre oeste muito atrasado, seu professor o olhou por cima dos óculos, ele era um homem muito rígido, gostava de seu pupilo, mas gostava ainda mais de disciplina; seu olhar era do tipo que congelava o inferno e calava a boca de qualquer um.
- O senhor está atrasado.
- Eu... é hãm, meio que me distrai hoje pela manhã....
-Isso significa punição, agora sente-se.
O garoto se sentou, ele já podia imaginar que ia passar o resto da tarde limpando a prataria (pela terceira vez), catalogando a extensa coleção de livros do professor (pela segunda vez), ou pior arrumar, limpar e catalogar o laboratório nojento do professor (ele fez isso uma vez, foi memoravelmente perturbador); mas com sorte um atraso ia significar só limpar a coleção de espadas do mestre.
O professor começou as lições do dia enquanto o garoto viajava, deixando a imaginação o levar, quando estavam no meio da aula de alquimia (com o mestre explicando a utilização de cristais de fogo como combustível para motores) o homem percebeu que o menino não estava prestando atenção alguma.
A régua de um metro, feita de madeira, desceu como um raio, acertando o tampo da mesa e tirando o garoto de seus devaneios.
-Hora do seu castigo.
O Homem saiu da sala sem dizer nada, irritado, ficando óbvio que era para o garoto segui-lo.
O professor tinha toda a torre oeste para ele; era aonde conduzia vários experimentos e estudos, além de onde guardava suas coisas. Ele levou o garoto até a sala adjacente, onde guardava a sua coleção de espadas. O garoto entrou logo atrás dele, a tempo de vê-lo tirando duas espadas de madeira de uma antiga arca. Ele se virou para o garoto e jogou uma delas para ele, era feito de uma madeira clara, era polida e pesada como qualquer espada de aço.
-Vamos para o pátio.
Esse era um novo tipo de punição para o garoto.
Os dois se dirigiram para o pátio na frente da mansão, o professor mandou o menino ficar em posição de guarda, ele assumiu sua própria posição de guarda a frente do garoto.
- Se você puder me vencer eu vou perdoar a sua insolência por não prestar atenção na minha aula e pelo atraso, se você perder (Um sorriso de escárnio) você vai ter punição em dobro.
O garoto respirou fundo, ele tinha aulas de luta com o professor desde os cinco anos de idade, ele estava prestes a ser surrado e receberia castigo em dobro.
- Em posição!
O garoto se preparou.
O mestre avançou com uma velocidade sobre humana, a espada de madeira mirando a testa do menino. O menino se desviou para a direita, já se abaixando para evitar o impacto, ele rodou e mandou a ponta da espada para as costas do homem, mas antes de fazer contato o professor já tinha bloqueado, colocando sua espada nas costas, ele girou o corpo usando a força centrípeta para empurrar o garoto e em seguida atacar novamente, desta vez o jovem pupilo bloqueou, o que foi um grande erro. O homem era muito mais forte que ele, o garoto foi empurrado a mais de um metro, quase perdendo o equilíbrio; o professor não lhe deu descanso, ele avançou numa estocada, o menino recuperou o equilíbrio no último segundo, se desviando para a esquerda, o homem não lhe deu uma segunda chance de tentar contratacar, ele já emendou outro golpe, o garoto conseguiu se desviar por milímetros; não podia ficar se desviando para sempre, se o professor conseguisse pegá-lo já era, ele apanharia feito um cachorro. A única chance era conseguir acertar um golpe que tirasse o balanço do homem, e então lhe aplicar uma sequência como se não houvesse amanhã.
O menino fez o melhor possível para observar o ambiente enquanto se desviava e bloqueava, deveria haver algo que ele pudesse usar ao seu favor, algo que pegasse o professor desprevenido. O pátio em si era limpo, não havia plantas ou bancos, mas uma varanda cercava todo o espaço, e a frente destas, fazendo um anel de quinquilharias em volta do pátio havia varias plantas e estatua que a mãe do garoto tinha trazido das terras do sul, sua terra natal. Num dos cantos ficava um desagradável estátua de um homem, ele ficava num pedestal finíssimo, quebradiço.
Uma ideia lhe veio. O menino foi recuando com cuidado, o mestre não podia perceber o que ele ia fazer. O homem continuava atacando, ele não dava brechas para o pupilo reagir, o garoto só recuava, o professor sabia que naquele ritmo ele ia acertar o garoto, ninguém podia se esquivar eternamente. Passou pela cabeça do mestre se o garoto não estaria tentando cansá-lo, mas isso seria estúpido, mesmo na idade que tinha o professor ainda possuía mais fôlego e força que o menino. Ele resolveu testar seu jovem oponente, diminuiu a cadencia de golpes, simulou cansaço, e então desferiu um golpe de cima para baixo, como se quisesse terminar a disputa num ultimo esforço; o garoto rolou para trás e quando a espada do mestre atingiu o chão ele avançou, colocando toda a sua força em uma estocada; rápido como uma serpente o professor se desviou da lamina e chutou o garoto no estômago, o jovem rolou pelo menos uns três metros parando aos pés da estatua desagradável. Antes de o menino poder se levantar direito o homem já estava em cima dele, a espada do professor cortando o ar em direção a sua cabeça; O garoto se permitiu um sorriso, com precisão ele se desviou, se deixando ir ao chão, enquanto a espada do professor passava a onde sua cabeça estava segundos antes, e acertando o fino pedestal no meio,que se quebrou com o pesado golpe. O garoto chutou o pé do pedestal, a metade de baixo da peça foi jogada para trás, precipitando a pesada estatua para frente em direção ao mestre.
O homem viu a pesada estatua negra caindo em sua direção e se desviou para a direita, sua guarda aberta. O menino veio de baixo para cima, sua espada encostando na garganta do professor. O garoto sorria, mas então sentiu um filete de sangue descendo por sua bochecha, o mestre tinha uma faca longa na mão esquerda, ela estava encostada na cabeça do jovem aluno, já tirando um pouco de sangue.
Um grito furioso foi ouvido através do pátio.
- O que está acontecendo aqui??!!!!
A mãe do garoto vinha correndo pelo pátio, seus cabelos cor de mel esvoaçando e a irmã do menino grudada em sua saia. O professor imediatamente desencostou a faca da cabeça do jovem pupilo e fez uma reverencia.
- Eu estava ensinando ao príncipe herdeiro o valor da pontualidade e da atenção.
O garoto amarrou a cara, ele detestava o titulo de “príncipe herdeiro”.
A senhora imponente se empertigou, jogando seus cabelos loiros para trás e estreitando os olhos para o homem falou com veneno.
- Meu cunhado pode ter nomeado você como tutor do meu filho, mas isso não te dá o direito de machuca-lo.
Ela puxou o garoto para si e começou a guiar os filhos para o palácio. O professor sorriu de maneira marota, seus óculos de aros redondos refletindo o sol.
- Como tutor real eu tenho o direito de castigar o menino se eu quiser, e ele ainda tem um castigo para cumprir...
A mulher virou com raiva, seus olhos faiscavam, mas antes de algo pior acontecer o menino se desvencilhou da mãe e foi em direção ao homem.
-Não tem problema, eu me atrasei para a aula.
A mulher olhou seu filho, os lábios se contraindo de contrariedade, então ela se virou e seguiu de volta para dentro sem dizer mais nada. O homem olhou para o seu pupilo, o garoto tinha um expressão decidida no rosto; isso fez o homem mais velho lembrar-se do pai do menino, primeiro ele sentiu o calor da familiaridade, depois um frio percorreu sua espinha com as lembranças. O professor suspirou.
- Eu acho que isso é um empate... bem, eu tinha dito que se você ganhasse não teria castigo, e se eu ganhasse você teria castigo dobrado, mas como foi um empate eu acho que você vai ficar com o castigo normal mesmo.
O garoto o olhou aborrecido, por um minuto ele tinha pensado que ia se livrar. O homem olhou para os lados coçando a barba.
- Um... eu acho que passar a tarde ajudando Bento a preparar a janta está de bom tamanho.