INUSITADO

Passaram-se os dias com a lentidão insuportável inerente aos sofrimentos, e as horas nem davam conta de tanto tempo sob a gélida agonia cotidiana. O sol nascia escaldante a queimar os infelizes sob seus arrogantes raios, demorando a se por como se anos fossem necessários, não somente uma manhã e a tarde, para atingir o ocaso. Contava os segundos, arrastava-se. Quando finalmente a lua beijava o mar despertando o prazer parecia que ainda mais devagar a noite caminhava pelo seu incansável trajeto. Tudo demorava, cada instante simulava cruel punhalada certeira nas traves do coração.

Contei pássaros sobrevoando árvores esquecidas pelos devastadores, anotei o número de todas as moscas e mosquitos se aventurando pelas plagas do meu universo, assisti ao farfalhar das folhas das mangueiras, dos coqueirais e das roseiras, percebendo o cair delas de quando em vez. Vi aviões sulcando nuvens e deixando violentos rastros de fumaça que aos poucos se desfaziam em nada, porém o céu, toldado ante a intrusa presença atrevida do brinquedo humano, deixava-se entrever enfurecido escurecendo o seu azul. Um inesperado arco-íris cruzando o espaço de Leste a Oeste acentuou deveras o ressentimento do infinito.

Quando as sementes de girassol jogadas na terra pelo semeador ainda estavam sendo germinadas pelas mãos sábias da natureza e a vida prosseguia essa interminável jornada rumo ao desconhecido, as garras do tempo faziam de mim um simples joguete com o qual se divertia às gargalhadas. Então a adrenalina explodia em meu corpo se disseminando enlouquecida, o coração disparava pressionado pelo furor da ânsia, os olhos intumescidos se negavam a derramar as lágrimas represadas em seus condutos lacrimais, o olhar se perdia sem domínio a nada ver, a não desejar senão o quedar-se inerte e o silêncio da angústia contida.

Os minutos eram horas, estas, dias, estes, semanas, estas, meses, todos em uníssono contribuindo para o recrudescimento da amargura e o latejar das têmporas desesperadas. No âmago desse redemoinho anunciado e no entanto inesperado, pude enxergar teu lindo sorriso passando rapidamente por mim com a brisa sussurrando gloriosas doçuras, mas logo desaparecendo por entre as brumas negras da noite sombria. Sorrindo, tu contendias com a agonia sem conseguir vencê-la, eu lá entre esse teu sorrir iluminado e as agruras pavorosas consumindo minha alma na lentidão temporal. Por que?

Os ventos sopram sempre na direção do infinito em busca de algo inexplicável, decerto, e vão deixando em seu caminho rastros de poeira, fragmentos de ilusão, sentimentos esquecidos, reflexões atordoadas. Eles espalham as folhas e derrubam frutos maduros quando moderados, porém balançam as árvores, derrubam telhados e provocam o caos se vem com brutal intensidade capaz de promover desastres e destruições.

Os ventos soam cavernosos por entre as frestas das janelas, invadem as brechas minúsculas e adentram horizontes inesperados. São como aplausos estrondosos ecoando pelas esquinas, dobrando ruas, consumindo a poeira, trazendo e levando mensagens de vida e morte. São os mensageiros do desconhecido e brotam de súbito, surgem como, por vezes, ervas daninhas minando os instantes e abrindo fendas em rochas após séculos de constantes e pacientes choques intermináveis.

Parecem, esses estranhos ventos, pássaros enlouquecidos ferindo o espaço com suas asas de aço em movimento, ou furiosos guerreiros bárbaros disparando potentes zarabatanas de onde surgem perigosas setas pontiagudas que penetram e rasgam até atingir o mais íntimo dos recônditos. Se bem recordem aves no céu, nem sempre eles cantam melodias maviosas ou emitem trinados e gorgeios fascinantes, antes deixam escapar gritos medonhos e assustadores e estes vão ecoando ravinas, estradas e cidades afora como se cães ladrassem ininterruptamente. À guisa do cálido sopro da morte.

Sendo como enternecedora e suave brisa acariciando nossos cabelos, que se revolvem em lentos movimentos ao seu sabor, esses ventos se tornam delicados e carinhosos momentos de ternura indizível. Perpassam pelo corpo, afagam, exprimem cândida doçura e provocam deliciosas cócegas nas pálpebras de quem os recebe para abraços duradouros. Desse modo racional e bem vindo, nos levam a pensar em vozes cristalinas como água de puros mananciais entoando dó-ré-mís para a composição de músicas imorredouras, translúcidas. Por esse ângulo originários, não são repentinos nem apavorantes, não explodem em nossos rostos feito petardos que ferem, apenas roçam de leve a modo de plumas embevecentes e nos fazem sorrir de prazer ante esse contato aveludado. Esses são os ventos da boa sorte, do bem querer, dos desejos inconfessáveis, dos amores perenes.

Preciso apagar a luz da saudade que me sufoca e fazer desenhos de luares falando-me da alegria. Porque o ar que me rodeia, decerto envenenado de lembranças amargas, penetra-me os poros com avidez e indiferença. Anelo noites estreladas e mares calmos que me aquietem a alma, contudo somente o vento inesperado da melancolia insiste em varrer meu rosto, aprofundar meus abismos já tão descomunais. Onde foi que deixei os restos de sorrisos e os fragmentos do mísero êxtase deparado ao longo dessa cansativa jornada? Provavelmente se dispersaram enquanto eu caminhava, espalhando-se devido a força das tempestades e dos reveses plantados em cada curva.

Onde colocaram a tomada da melancolia a todo vapor, de que forma a ligaram tão impiedosamente sem que eu pudesse esquadrinhar seus contornos? Quiçá em possa descobri-la para desligar antes que me afoguem as lágrimas e a amargura vença minha ânsia de continuar lutando pela felicidade. A energia negativa pairando nalgum lugar em meu derredor estonteia-me, arranca as emoções positivas semeadas em alguns momentos vividos, corrói sinuosa as cores do arco-íris pintadas por meu coração quando os corolários do sorriso sobrevoavam minhas faces. Algo transformou meus instantes, derrotou minhas certezas, sombreou as razões dos desejos que me guiavam. Necessito vencer esses óbices e subir as escarpas diante de mim desafiadoras.

Vou desenhar rostos felizes em papel celofane, sóis esplendorosos iluminando os amanheceres, anoiteceres enluarados fazendo do céu um glorioso quadro incomensurável, oceanos sorridentes abrindo suas águas para abraçar desertos implacáveis. Em cada parede e em todos os muros alhures grafitarei palhaços engraçados dominando piruetas hilariantes, acionarei despertadores com som de gargalhadas por ruas afora para que as pessoas despertem alegres para os novos dias vindouros. Gritarei através dos raios virtuais da internet brados de "viva a vida" e os enviarei ao Universo e, assim, tentarei distribuir ânimo a quantos certamente também estejam quase tragados pela desilusão. Serei embaixador do riso por aí, nos hospitais, nas creches, nos orfanatos. E escreverei a seguinte mensagem como verdadeiro projeto de vida: quero e serei feliz!, remetendo o refrão ao mundo inteiro

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 14/08/2013
Código do texto: T4434511
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