Enxergo com saudades a imagem  do meu berço, ele era o melhor e o mais bonito do  mundo, como de ouro. Foi feito com arte, em madeira de lei, todo trabalhado no torno. Decorado com roupas coloridas, macias e perfumadas. Eu tinha apenas dois anos de idade, o berço embalava e eu dormia sozinha. O sono era interrompido por uma imagem vestida de branco, olhando-me fixo. Era uma mulher linda, rosto delicado, olhar carinhoso, parecia uma santa. Iluminada, imóvel, perto do meu rosto. Quando eu passava por uma cochilada, acordava com um clarão perto da minha cabeça, parecia-me que alguém riscava um fósforo. O medo paralisava meu corpo. Cobria a cabeça com a colcha e, quando estava  com falta de ar,  espiava a mulher por uma frestinha. Ela estava ali firme, encarando-me. No inverno, era mais fácil manter-me escondida embaixo das cobertas, mas no verão,  a transpiração poderia matar qualquer vírus de gripe.
         Com a respiração ofegante, o coração saindo pela boca, às vezes eu conseguia gritar:
—Mamãe acende a luz! Estou com medo!
Quando vinha a claridade eu não via ninguém.
Que susto!

Começava a clarear o dia, a visita ia embora e o medo também. Depois de muitos anos, menina-moça, longe do berço, na minha cama sem grade em outro quarto, não vi mais aquele rosto. Hoje, guardo esse filme com muita nitidez. Era tudo verdade, mas ninguém entendia.
 
A mão embala o berço 
 nasce um tesouro
em berço de ouro
 
um anjo acompanha
a alma inocente
 
na noite de sono
brilha uma luz
 
Maria vigia...

até clarear o dia...
                                                     
Izabel Camargo
Enviado por Izabel Camargo em 02/08/2013
Reeditado em 02/08/2013
Código do texto: T4416900
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