O MISTÉRIO DA CARTA
Como fazia há quinze anos, Juca Flores dirigiu-se para a parte frontal de sua humilde residência, onde havia instalado a pequena banca de jornais e revistas. Era uma pequena peça, medindo dois metros e meio de largura por três de cumprimento. As necessidades dos últimos tempos obrigaram o ancião a fechar o estabelecimento que mantinha no centro, bem localizado e com clientela fiel. O dia começou como todos os outros, o clima quente e abafado, ele, um tanto cansado, resquício de uma noite mal dormida. Aquele seria um dia diferente – não duvidava disso! Não sabia exatamente em que aspecto, mas tinha a certeza de que algo de bom aconteceria em breve. Dificilmente tinha pressentimentos, mas ao acordar um arrepio percorreu-lhe o corpo. Da última vez que isso aconteceu só guardava boas recordações.
Após tirar a tranca da porta, dirige-se a passos lentos até a grande janela que dá para a rua. Por entre a grade vê, já na calçada de paralelepípedos irregulares, o carteiro que se aproxima sorridente. Estremece e pensa um milhão de coisas em poucos segundos. Quando foi mesmo que recebeu a última carta? Não lembra. Por mais que tenta se esforçar, sua memória já não o ajuda muito.
- Notícias de longe chegando para o senhor, seu Juca! – O carteiro o chama para a
realidade.
Atônito e sem palavras, Juca pega o enorme envelope pardo, observa o remetente e sorri. Agora, tem a certeza que o seu dia seria realmente maravilhoso. Sua filha mostrava sinais de vida. Com lágrimas nos olhos, o jornaleiro abre a correspondência. Abre devagar, sem muita pressa, como que ampliando aquele momento de mistério.
O mensageiro continua ali, parado, em silêncio, respeitando o sentimento do amigo, mas também querendo invadir sua privacidade, tornar-se cúmplice de seus sentimentos. Já o conhecia há tanto tempo e sabia o quanto aquele homem havia sofrido.
- Ah! Como esperei por esta mensagem – suspira comovido.
- E o que ela conta seu Juca? É coisa boa? Por acaso virá lhe ver?
Juca respira fundo e começa a ler a carta. A voz trêmula pela emoção que dele se apossa naquele instante denuncia seu estado de contemplação. A filha diz que esta bem. Trabalhando muito e que pensa em voltar algum dia para visitar o velho pai. Os sete anos sem o ver parecem uma eternidade. Quer saber como ele esta se virando, agora que ficou sozinho. Quer que o pai lhe perdoe por não retornar ao lar, mesmo sabendo que ele agora não tem a quem recorrer.
Uma lágrima grossa, daquelas bem quentes, que brota do mais íntimo da alma, teima em saltar de seus olhos. Nem se dá conta, de que já esta sozinho novamente. O mensageiro já tinha partido, deixando-o perdido em seu devaneio.
De repente, interrompe a leitura da carta e vê que há algo a mais naquele envelope amarrotado. Sua surpresa é maior quando retira dele outro envelope, pequeno e bem colado. Rasga-o com sofreguidão. Dentro deste, um retrato da filha e seis notas de cem dólares. Novas e verdes, reluzente até. À primeira vista aquele retrato lhe traz inquietações. O olhar da moça, muito distante, parece querer dizer alguma coisa. Foram tantas as alegrias vividas com a filha, mas a solidão dos tempos que se seguiram só serviu para aumentar a aridez do deserto que sua vida transformara-se. O carteiro já vai longe, mas com um grito rouco, Juca o chama de volta. Sabe o que deve fazer e assim que o homem entra novamente no estabelecimento não hesita em meter a mão no bolso do jovem, depositando aquelas cédulas ingratas e murmura baixinho:
- Este é um pequeno presente para você e seus filhos! Tenham um bom Natal e sejam muito felizes! – O carteiro sorri timidamente, agradece e sai cantarolando, mesmo sem saber o que aquele dinheiro representa.
Num instante de introspecção, Juca enxuga aquela lágrima inútil e se pergunta o porquê da insistência da filha em rogar-lhe perdão, afinal, quem deveria implorar o perdão não seria ele? Ana Luiza traz paz ao seu tão sofrido coração. Somente a filha sabe o quanto ele precisava de sua compreensão e mais do que isso, do seu perdão. Ao expulsar a filha de casa, havia expulsado-a de sua vida também. Não poderia aceitar aquele dinheiro. Não queria admitir que sua filha havia seguido o destino que ele tanto temia. O que fazia, onde estava, com quem andava? Não queria respostas! Só queria paz, e isto dificilmente encontraria.
Oséias Santos de Oliveira
Professor, graduado em Letras, Pós Graduado em Língua Portuguesa e Supervisão Escolar, Mestrando em Educação- Diretor de escola, membro da ASES - Associação Santa-rosense de Escritores.
e-mail: oseias.ol@uol.com.br