A JANELA QUE SE FECHA.

Era uma janela igual às outras. Amoldava-se às mesmas medidas das demais e tinha a mesma utilidade que todas tinham. Porque, então, aquela janela me causava tanto fascínio? Sim. Um fascínio que nenhuma outra havia – por mais que eu tentasse – despertado em mim. Lembrava sempre dos vôos, em que os pensamentos me levavam até aquela janela – do outro lado do mundo – bem perto do primeiro nascer do sol e onde uma flor repousava, placidamente, em cabelos revoltos, dos lençóis macios.

Acendi um cigarro, refleti sobre o poder da imaginação, enquanto a fumaça sumia por entre as rótulas da janela do meu quarto, talvez, levando uma última mensagem para quem olhasse, todas as noites, o céu brilhante de um universo único. Meus pensamentos percorriam, com ousadia, os versos dedicados de uma poesia, onde as palavras se misturavam com a esperança e a alegria de quem esperava, não fumaça de um vício qualquer, mas o calor de um corpo limpo, sem máculas, para cobrir-lhe a pureza de uma alma encantada de poemas e estrofes declamadas na sua mais pura sabedoria.

Olhei para o poema a minha frente e reparei que estava escrito que o amor pertencia somente a ela, que não adiantava pedi-lo de volta, pois certamente ela o daria; e me pedia para não chamá-la de linda mulher, senão desta vez ela acreditaria. Talvez não devesse ler mais o restante do poema, para não lembrar que meu abraço se faria real; que meu cansaço se faria mortal; que a espera dela se faria pequena e que o meu olhar a faria serena. Pararia por ali.

Agora, não importava o resto do poema, dos códigos decifrados, das fantasias planejadas e das loucuras cometidas. A janela não mais se abriria para dar liberdade aos pensamentos de quem percorria, incessantemente, as léguas que separavam o sonho do desejo, o sonho da fantasia, o sonho da realidade.

Não adiantavam mais as lutas filosóficas e o prazer de ler cada frase de uma crônica chamada saudade ou, então, reler a história de quem conhecera o poeta num leito de hospital.

Não. Nada mais valia a pena. Era como se o vôo da borboleta tivesse retornado para o casulo e de lá não mais se realizasse o milagre da vida, mesmo que as outras borboletas continuassem rodeando as flores do jardim. Lembrei-me de que, tudo que é sólido se desmancha no ar e, a certeza que eu tinha, tinha virado apenas lembranças; do fogo, não as brasas, mas, as cinzas; da crença, a maior das desconfianças; dos alicerces e pilares, a queda. Apenas dois passos mal dados e o descompasso de uma caminhada que teria muito que colher em seu final.

Só não queria providenciar o enterro da menina, pois ela jamais morreria. Ela era rebelde, teimosa, persistente, metida, indisciplinada e não morreria nunca, mesmo sendo, hoje, uma fogosa mulher.

Sei que a janela continuará por lá, impávida, apenas recebendo a brisa suave, de todas as noites, e não mais a lufada de um vento certeiro, que invadia os aposentos para aconchegar-se brandamente em braços sensíveis e calientes, como a inventar o amor, sem querer reinventar os amantes. Olhei para a minha janela e revi o momento cruciante da outra janela, lá ao longe, tendo como palco a silhueta solta de uma penumbra que vinha na minha direção a bailar gestos sensuais, descortinando a moldura de uma virgem e tornando-a visível aos meus olhos.

Ela, a janela, ia, aos poucos, se despindo e se despedindo com um aceno de um adeus definitivo, enquanto as cortinas se fechavam, pela última vez, encerrando a temporada de um teatro inesquecível.

Fechei os olhos para não ver as luzes se acendendo e a platéia do meu eu levantar-se para aplaudir o final do espetáculo e cair na consciência de que o show terminara.

Preferi pensar em um conto popular, daqueles em que a história nunca termina e que seus capítulos duram para a vida inteira. Preferi pensar no ditado popular que diz: quando uma janela se fecha, duas se abrirão em seguida.

Abri os olhos, sorri, fechei, temporariamente, a minha janela e voltei a pensar naquela flor que bailava em uma festa caipira.


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Raimundo Antonio de Souza Lopes
Enviado por Raimundo Antonio de Souza Lopes em 07/04/2007
Reeditado em 02/02/2012
Código do texto: T440462
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