FELIZ PÁSCOA, LIZZIE!

Lizzie acordou naquela manhã insatisfeita como de costume. Era semana de Páscoa e ela não sabia exatamente o que aquele feriado prolongado poderia significar em sua vida nem sequer o que pretendia que significasse.

Olhando-se no espelho do quarto, dizia de si para si ao contemplar a figura que tomava conta da extensão do espelho: “Às vezes sinto que sou um quase-tudo. Menina, mulher, fera, doce, lua e estrela. Sinto uma quase-falta de tudo. Quero que um sentimento me abandone e ele já quase-foi, mas retornou e hoje quase-vive em mim. Eu vivo o quase. Eu sou o quase.”

A menina era um doce de garota. Suave, meiga, possuía cabelos densos e ruivos que lhe cobriam a cabeça, caíam como véu e quase tomavam o rosto, com o volume que faziam. Seus grandes e misteriosos olhos eram sombreados por sobrancelhas bem cuidadas. Havia ali um ar de investigação que revelava um pouco dessa personalidade insatisfeita que ansiava por múltiplas coisas e terminava por deixá-las inacabadas, tal a sua ânsia pelo novo.

Naquela manhã, enquanto se preparava para ir às aulas matutinas, Lizzie pensava em como a vida seria melhor se Roberto, seu namorado, fosse um pouco mais romântico e carinhoso com ela. Estivera a ponto de por termo ao relacionamento no último encontro, mas, quando estava por fazê-lo, algo em seu imo a fez retroagir.

Agora, enquanto dava uma carga leve de batom em seus belos e carnudos lábios de fêmea latina; Lizzie lembrava de quão doce era o beijo do amado e como gostaria de encontrá-lo nesta sexta feira para um momento romântico inesquecível. O rosto da jovem era afilado, onde queixos bem torneados fechavam a escultura de uma face que começava com cabelos fartos, prosseguia com olhos grandes e provocantes, apresentava maças rosadas, lábios carnudos e um nariz de porte perfeito, arredondado e bem detalhado, compondo com perfeição um rosto de ninfa.

O que fazia de Lizzie uma garota diferente era esta sua consciência de si mesma. Quando se olhava no espelho não enxergava somente sua bela aparência física, mas conseguia vislumbrar pelo espelho da verdade seu mundo interior: “Sou face da poesia, sou sonho doce, sou medo amargo. E sendo assim, muitas em uma, é que eu me permito viver o quase. Quase é aquele pouquinho que falta pra vida ser menos ou mais feliz. Quase também é um pouco de tudo ou quase-nada. Viver me permite ser quase, pois tenho em mim todos os sentimentos possíveis, vivo entre um devaneio e outro, o sonho místico e o acordar exultante.”

Enquanto estava meditativa em seu quarto, dando os últimos retoques na aparência e prestes a colocar a roupa que a acompanharia para uma manhã na escola onde, possivelmente, veria o namorado; Roberto, em sua residência, terminava de reembrulhar um ovo de páscoa enorme, feito com 10 kg de chocolate suíço, cheio de surpresas em seu interior que ele mesmo preparara para alegrar o coração da amada e provar para ela que não hesitaria mais na confissão de que ela era o amor de sua vida e que não queria perdê-la nunca.

Como elos de ouro de uma mesma corrente, ambos se preparavam para mais aquele dia em suas vidas, cada qual à sua maneira, ligados por um sentimento transcendental de amor que os unia, porém, sem a certeza plena do que se passava na vida um do outro. Roberto termina sua tarefa. Liga para uma firma de entregas rápidas e pede para retirar em sua residência, por volta das 14 horas, o embrulho que gostaria fosse entregue em um certo endereço, no dia seguinte, com todo o cuidado, pois era de conteúdo frágil. Deixa ordens expressas com a empregada sobre o despacho da mercadoria, e sai apressado para o Colégio.

Do outro lado da cidade, depois de vestir-se com peças íntimas de cotton contornadas por delicadas rendas, Lizzie ajeita o vestido sobre o corpo e continua a meditar sobre si, nesta sua auto-análise existencial, que a definia e confundia, num misto de prazer e dor que fazia de sua vida um eterno retorno ao nada indizível: “Já fui mais sonhadora, hoje sou quase-realista. Sinto-me fora de mim. Sinto-me cada vez mais utópica. Sou a fonte da felicidade e o manifesto de uma dor. Dor esta que não sei de onde veio e o que pretende, só sei que consegue me fazer ferida como nunca antes. Sou a morada do silêncio, este que diz muito a mim mesmo sem nenhuma voz. Sou o desejo da noite, sou um amor que pulula ao peito com vigor jamais visto. Toco pedaços de indecisão. Bebo gotas de certezas. Acredito nas minhas verdades embora elas durem tão pouco. Sou um capítulo enigmático do livro do saber. Sou o medo e a força, a paz e o caos. Há em mim um torrencial de sentimentos inexplicáveis, que ganham meu ser mesmo chegando de mansinho. Tenho a frieza e a ternura não como opostos, mas como grandes aliados do meu ser. E embora eu seja o quase, jamais deixarei de ser inteira, absoluta, intensa.” E dessa forma, num último fôlego de pensar, Lizzie se via inteira no espelho, corpo belo preparado para o dia, mas partida por dentro: alma inquieta sem a segurança do amor que realiza.

Depois de tantos pensamentos inquietantes e envolventes, Lizzie dá um suspiro prolongado e tomando de seus pertences escolares, dirige-se para a rua. Tem uma vida para viver e mesmo que a alma inquieta lhe provoque pensamentos angustiantes, decide-se por tocar o barco de sua existência, navegando nos mares revoltosos do Oceano que a abrigava.

Na escola, encontra-se com Roberto que, com certo ar de mistério olha para a namorada, como que sentindo o sabor da surpresa que tinha preparado e tentando imaginar a reação que ela teria quando recebesse o presente no dia seguinte. O tempo para romantismo é pouco naquela semana de provas e de intensas atividades escolares. Mas, o beijo tão esperado, Lizzie recebe do amado o que a faz ir às nuvens românticas do Amor e navegar nos céus da paixão.

Já Roberto vê naquele encontro casual, o antegozo do prazer que sonhava para o dia seguinte, feriado, quando a amada seria surpreendida pelo presente que preparara e com o mistério do conteúdo que seu presente carregava.

Manhã de sexta-feira. Feriado. Dia de Páscoa. Lizzie acorda tarde, por conta de noites mal dormidas para estudos preparatórios para provas. Quando se levanta, já está na porta do quarto, deixado pelo moto boy que a empregada permitira adentrar o interior da casa, um enorme embrulho, contendo o presente de Páscoa preparado com esmero pelo namorado.

O susto é grande quando abre a porta do quarto e se depara com aquele enorme volume. Sobre a caixa do presente, um cartão com os seguintes dizeres, que a moça lê avidamente: “Querida, escolhi o dia de hoje para lhe fazer esta surpresa. Há neste presente, tudo o que gostaria de lhe dizer do fundo do meu coração e que, espero, o dia de hoje me possibilite viver com você. Beijos!”

A jovem terminou de ler o cartão e mais inquieto ainda ficou o seu coração que, nesta altura, estava para lá de acelerado. Arrastou a caixa para dentro do quarto e trancou atrás de si a porta. Queria ter privacidade para desvendar aquele mistério. Abriu com sofreguidão o presente, e deparou-se de imediato com o enorme ovo de Páscoa, embalado de maneira tradicional, com enormes papéis brilhantes e laçarotes coloridos.

Até ai, nenhuma novidade, exceto o tamanho gigantesco do ovo, tal qual ela nunca havia visto. Contemplou exaustivamente o volume do chocolate, e seus lábios se mexeram imaginando a gostosura da guloseima. Findo este instante de magia, correu pressurosa até a cozinha e tomando uma faca de mesa, retornou ao quarto para separar o ovo em suas metades. Queria logo descobrir o que aquele enorme ovo de Páscoa escondia em seu interior.

E tudo o que se descortinou à sua frente iniciou o processo de por fim ao “quase-algo-quase-tudo-quase-nada” que até aquele momento fora a nota dominante em sua vida. Havia ali dentro inúmeros pequenos presentes que passo agora a alistar: uma caixa em formato de coração com pequenos bombons de cereja e licor; um kit de maquiagem; um conjunto íntimo francês; um livro de poesias; um chaveiro com uma chave brilhante; uma garrafa de vinho português; um bilhete de passagem aérea; um cartão de crédito; um apito; um nariz de palhaço; uma boneca; uma pequena xícara de porcelana chinesa; e, por fim, uma carta escrita em papel linho.

Lizzie olhava assustada para todos aqueles objetos. Ela nunca poderia imaginar encontrar tais apetrechos dentro de um ovo de Páscoa. Postara-se a se perguntar qual o significado de tudo aquilo. A única possibilidade de resposta, segundo ela mesma concluíra naquele momento, estava com o namorado. Mas, havia uma outra. Vasculhou em meio aos presentes que se espalhavam sobre a cama e finalmente achou a carta. Sim, a carta poderia conter explicações sobre o que tudo aquilo significava.

Abriu-a. E leu com interesse redobrado o que Roberto havia escrito ali. À medida que seus olhos passeavam sobre as letras manuscritas do rapaz, sua expressão facial alternava-se entre o gozo extremo e a alegria pueril. Quando terminou de ler, seus olhos estavam marejados de lágrimas de incontida felicidade. Seu coração estava amando. Agora tinha certeza de ter encontrado o amor com sabor de chocolate.

O que havia naquela carta que despertara tanto interesse em Lizzie e lhe proporcionara momento de tão intensa felicidade? Para que o leitor não fique desassossegado, passarei a transcrever o conteúdo da carta de Roberto:

“Meu amor! Hoje é o dia mais feliz da minha vida. E minha felicidade só tem uma explicação: Você! Poder, finalmente, traduzir o que sinto por você com este gesto, é dar uma pequena demonstração material de algo que é tão somente espiritual, emocional, afetivo e que só um coração que ama poderia tentar expressar, e, mesmo assim, de forma tímida e frágil, pois amor só se consegue demonstrar com amor; vida com vida; prazer com prazer; alegria com alegria; afeto com afeto. E, é dessa forma, que almejo encontrar em você toda a reciprocidade para estes sentimentos mais nobres que me dominam neste exato instante de tentar expressar o que sinto por você.

“Fico aqui a imaginar como você está reagindo neste instante em que lê estas minhas mal traçadas linhas. Meu coração pulula de alegria e meu ser se desvela em incontidos desejos de te abraçar e beijar neste instante. Resta-me, porém, a ansiedade de poder ter sua resposta afirmativa ao final desta leitura.

“Passo, a seguir, a descrever o significado de cada presente que lhe enviei:

“A caixa de bombons. Este presente representa o quanto você tornou a minha vida doce. O formato de coração é representativo do amor que nutro por você. Os pequenos bombons de cereja, edulcorados de licor, representam que a vida é feita de porções de momentos que formam o conjunto de nossa existência.

“O kit de maquiagem. Este pequeno mimo representa a sua feminilidade. Você é bela ao natural. A natureza lhe presenteou com uma bela face em um corpo elegante, mas você é zelosa de sua beleza e sabe acrescentar detalhes que realçam sua beleza natural. Quero acompanhar todos os momentos do avançar da sua maturidade corpórea, sendo feliz ao lado da mulher que escolhi para amar.

“O conjunto íntimo francês. Estas peças de roupa íntima representam o anseio que tenho não só pela nossa primeira noite de amor, mas pela certeza de que juntos construiremos um casal que se ama, que se completa, e que se satisfaz no recôndito do lar. Ah, como anseio por este momento em que nossos corpos hão de se encontrar na alegria do prazer compartilhado.

“O livro de poesias. Não há vida plena sem a sabedoria. Este livro é de poesias, porque a poesia é a literatura aliada ao prazer. É sensual um poema, como é sensual o corpo da mulher. Assim como o corpo da mulher é um poema perfeito - sem anacronismos e arcaísmos -, o poema é uma mulher sinuosa em forma de versos. Nosso amor mútuo será a composição do poema de nossas vidas.

“O chaveiro com uma chave brilhante. Este é meu presente de casamento. Estas chaves abrem as portas da cobertura que será o nosso apartamento conjugal na Vieira Souto. O endereço está gravado na face externa do chaveiro. O apartamento já está montado e todo equipado para nos receber. Contratei designers de renome e decoradores de alto escalão para preparar nosso ninho de amor. A chave é de ouro 18, feita por um ourives de Paris, sob encomenda. É o símbolo do brilho conjugal que almejo ver em nossas vidas.

“A garrafa de vinho português. Não admito a vida sem festas. A vida precisa ser uma festa constante, onde a alegria se faça presente e o prazer não se esconda. Esta garrafa de vinho oitocentista representa o desejo por uma trajetória que seja de luz.

“O bilhete de passagem aérea. Já olhou a data do embarque e o destino? Faça-o agora! E prepare-se! Amanhã estaremos nos mares do Caribe, em Aruba, para nossa lua-de-mel. Já reservei Hotel em Baby Beach. É uma praia calma e extremamente bela que fica em San Cristóbal, cidadezinha com atmosfera autêntica. Quero dar um mergulho com snorkel junto com você. Já agendei com a Jolly Pirates nosso passeio. Não faltará oportunidade para a gente freqüentar a casa Carlos'n'Charles, a mais animada de Oranjestad. Mas o que quero mesmo é ter a verdadeira sensação de estar ao seu lado como na eternidade, sem nenhum tipo de interrupção.

“O cartão de crédito. Já preparei nosso cartão de crédito internacional comum. Ele representa que agora somos um. Tudo em nossa vida será compartilhado, até as finanças. Permitir o acesso aos valores que recebi de herança é dizer que confio em você e coloco o meu futuro em suas mãos. Não quero mistérios entre nós dois. Nossa vida comum será nossa razão de existir.

“O apito. Você deve ter achado estranha a presença desse objeto. Simples objeto de fabricação caseira. Mas toda vez que você escutar um apito, você lembrará do signo que ele representa: nossa lua de mel foi no Caribe, aonde transatlânticos chegam diariamente e apitam insistentemente avisando que tem gente chegando para ser feliz. O apito e qualquer apito, todo apito de sonido certo e seguro, será uma recordação de que fomos unidos para sermos felizes.

“O nariz de palhaço. Eis mais um objeto de natureza incomum. Mas evoco esta imagem para afirmar que sem humor a vida se torna áspera e difícil. Vamos construir uma vida comum que seja prazerosa e divertida. Isso depende do estado de espírito que criarmos a cada dia que acordarmos juntos para mais uma jornada existencial.

“A boneca. Não bastasse a recordação da infância, a boneca também transmite meiguice e candura. Estou tirando-a da casa de seus pais para ser feliz comigo. Cada menina tem sua boneca de estimação. Chega um tempo na vida que é ocasião de se largar as bonecas. Estou lhe presenteando com este exemplar para contestar o que ocorre hoje em dia: a maioria das moças esqueceu seu lado meigo, materno, feminino. Ser mulher é sua vocação. Seja! E seremos felizes.

“A pequena xícara de porcelana chinesa. É um simples objeto embora este exemplar tenha sido trazido de Pequim. Ele representa o nosso envelhecimento juntos. Nossos corpos envelhecerão juntos, mas nosso espírito manter-se-á jovem para tomarmos, a cada tarde, aquele chá que nos lembrará sempre que fomos feitos para ser companhia um do outro.

“A carta escrita em papel linho. Por fim, o significado desta carta. É apenas uma escrita. A escrita de hoje. A escrita dos sonhos. A escrita dos desejos. Na verdade, nossa vida deverá ser uma carta aberta, em que nós dois, com as canetas do amor e o tinteiro da felicidade, haveremos de escrever nosso romance vivencial. E esta escrita começa a partir de agora. Você tem pouco tempo para decidir. Você quer? Aguardo sua resposta com ações concretas em direção ao que foi proposto...

“Assinado: Roberto Belmonte Ruas”

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Agora, o prezado leitor pode compreender o porquê das reações de Lizzie, enquanto lia a carta do amado. Era muito conteúdo para um pobre coração abalado pelo amor. A decisão da jovem foi rápida. Correu ao quarto de viagens, tomou três enormes malas de férias e juntando seus pertences em duas delas, colocou na terceira, o que levaria para a viagem de lua-de-mel.

Na bolsa de mão colocou o cartão de crédito, o livro e a chave da cobertura da Vieira Souto, em Copacabana. Ligou para um táxi e, solicitando a presença de um empregado no recinto, despachou as malas para o veículo. Foi até a cozinha e chamando os empregados que a acompanhavam desde a sua infância, deu abraço fraterno em cada um deles sem dizer palavra. O tom enigmático de sua atitude deixou-os com a pulga atrás da orelha.

Chegando ao apartamento da Vieira Souto, mais uma vez deslumbrou-se com o que viu. Era tudo o que sonhara para a sua vida. Foi ao quarto do casal e deitando-se sobre a cama, mergulhou o rosto no travesseiro perfumado e imaginou a presença de Roberto a seu lado. Como num flashback instantâneo sua vida inteira passou-lhe pela memória.

Retornou ao táxi que a esperava na rua, depois de deixar duas das malas no novo apartamento e seguiu para o Aeroporto Internacional Tom Jobim. Lá, exatamente uma hora antes do embarque viu um jovem sorridente que se aproximava dela leve como um albatroz que plana seguro nos ares do amor.

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Os quinze dias no Caribe foram inigualáveis. De lá, Lizzie ligou para sua mãe explicando tudo o que acontecera. A família se assustara com o relato que os empregados fizeram do acontecido. No quarto da moça, um enorme chocolate fabricado sob encomenda e pesando mais de 10 kg estava se derretendo sob o calor do Rio de Janeiro.

Era sexta-feira da paixão. Lizzie estava em Aruba. Seus pais acharam tudo muito louco e extremo. Mas não reprimiram a moça pelo feito inusitado. Ela só queria um presente da mãe: “Mainha, pega esse chocolate derretido e transforma-o em pequenos bombons em forma de gota e em forma de cruz. Faz isso para mim?” Ela ligou lá do outro lado do mundo para a mãe que prometeu atender ao seu pedido.

No terceiro dia em que estavam em Aruba, Lizzie e Roberto procuraram a direção do hotel para a realização da cerimônia de casamento conforme os ditames das tribos locais. Tudo foi feito com o ritual nativo, num Bangalô com jardim sobre a água. A garrafa de champagne, a cama decorada com flores, souvenirs de madrepérola com nome gravado do casal, camiseta e pareô do Aruba Lagoon Resort Hotel, sem falar no ministro da cerimônia nativo e dançarinas típicas, tudo contribuiu para uma cerimônia simples, porém romântica.

Foram dias inesquecíveis para o casal. Quando voltaram para o Rio de Janeiro, retomaram os estudos e realizaram uma outra cerimônia de casamento para atender o desejo dos pais e a presença de convidados amigos.

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Os anos se passaram. No freezer especial que encomendara somente para esta finalidade, Lizzie depositara, em duas gavetas, os bombons em forma de gota; e, em outras duas, os bombons em forma de cruz que sua mãe lhe entregara assim que chegaram da lua-de-mel.

Todo ano, na véspera da sexta-feira santa, Lizzie retirava um bombom em forma de gota e colocava aberto ao relento. No outro dia, derretido pelo sol, era alimento de pássaros, abelhas e formigas, sendo retirado o que sobrara no papel laminado somente no domingo e feita a limpeza do local.

Isso perdurou por exatos 33 anos. Quando acabou o último bombom em forma de gota, semana seguinte, Roberto morre misteriosamente após uma noite insone. Seu coração não resistira a um ataque cardíaco que lhe ceifara a vida. Lágrimas de amor foram vertidas por Lizzie ao lado do caixão, juntamente com os três filhos do casal e suas respectivas esposas.

Ano seguinte. Abril. Semana Santa que se aproxima. Lizzie, agora, uma senhora respeitada, que ainda guardava no corpo as marcas de uma beleza que a Natureza lhe aquinhoara, cumpre seu ritual: toma do freezer mais um bombom, agora em formato de cruz, e deposita-o ao relento, no mesmo lugar de sempre, para abençoar os seres viventes com o doce cheiro e sabor do amor.

Desde a sua juventude, logo após o casamento, Lizzie, que não imaginara que sua vida seria um conto de fadas, decidira por dedicar parte do dinheiro que tinha mensalmente para sua administração particular, para iniciar um projeto social que denominou “Mulheres Doces, Doces de Mulher!” Era uma ONG que reunia mulheres pobres para fabricar bombons caseiros, transformando o chocolate bruto em verdadeiras obras de arte, feitas com amor e carinho, para providenciar o ganha-pão para centenas de mulheres que não tinham emprego.

Nesta altura de sua vida, a ONG não só providenciara o sustento para as mulheres, como crescera de tal forma que já possuía cheche, escola, bazar, ginásio esportivo, padaria-escola, dentre outros segmentos que fomentavam a melhoria de qualidade de vida de milhares de pessoas que viviam em seu entorno. Essa era a contribuição que Lizzie desejou dar para a Sociedade tão logo foi presenteada por um grande amor, o amor de Roberto, e a maneira que ele fez transformar o seu coração. Ela, que pela vida e pela insegurança da vida, era uma mulher-quase, foi transformada pelo amor e pela solidariedade em uma mulher-tudo.

Quando acabou o último bombom em forma de cruz, Lizzie estava com 98 anos de idade, três filhos, oito netos, 25 bisnetos e quatro tataranetos. Lizzie tombou à sepultura e foi descansar. Sua mãe que se assustara com o gesto ousado da filha em ir casar-se tão distante, como que adivinhara os anos da sua vida, fabricando tantos bombons quanto os anos da sua existência. Porém, seu gesto de amor, nunca mais seria esquecido: enquanto houvesse amor e solidariedade no coração da humanidade, haveria mulheres da ONG “Mulheres Doces, Doces de Mulher!” fabricando bombons agora com a marca: "Lizzie, um amor de Mulher!"

ALEX GUIMA
Enviado por ALEX GUIMA em 05/04/2007
Reeditado em 12/01/2024
Código do texto: T438627
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