Desfile Macabro

- Sexta-feira 13 – ele sussurrou, desanimado – Logo, numa sexta-feira 13!

Estava voltando a pé para casa, sozinho, depois de um dia particularmente cansativo na faculdade. A biblioteca sempre teve um poder sobrenatural sobre ele e sempre que andava pelos grandes corredores, as estantes cobertas livros o hipnotizariam e por horas, ele virava um escravo para as palavras, as letras, as histórias, os autores e às vezes ao próprio livro. Nesse fatídico dia, não fora diferente, mas dessa vez, ele se perdera por tempo demais e quando dera por si, a biblioteca já estava vazia e só os guardas andavam pelos corredores da faculdade.

Era a noite mais assustadora do ano para o rapaz supersticioso e ele andava sozinho pelas ruas desertas em direção à casa que dividia com sua irmã mais nova. Não havia uma alma viva andando pelas proximidades, as casas estavam silenciosas e as lojas, fechadas.

Não iria correr. Era um homem formado, finalizando seu mestrado em folclore, e, portanto, não iria se amedrontar. A ficção e o supernatural o fascinavam desde criança e por isso, sempre teve uma imaginação muito fértil. Seus pais diziam que quando criança, ele podia jurar que vira uma fila de monstros desfilando pela rua com lanternas em forma de abóboras na sexta-feira 13. Os dois riram da imaginação do filho e o mandaram dormir. Nos anos seguintes, ele continuava com a acusação, jurando pelo sagrado que tinha visto o tal desfile macabro, mas os pais se recusaram a acreditar nele, com o tempo ele próprio deixara de acreditar e o desfile sumira. Melhor, jamais prestara atenção nele novamente.

- Não é nada demais. – sussurrou. – É só o escuro. - Pisava firme para evitar seus joelhos de tremerem. Algo estava errado. Sentia os calafrios percorrendo sua nuca.

- Você está atrasado.

O rapaz pulou para o lado e soltou um grito. A responsável por assustá-lo somente riu.

- O que pensa que está fazendo?! – exclamou o rapaz irritado. Tinha o rosto corado e só podia pensar no quão ridículo ele devia ter parecido.

- Desculpe... – ela disse, depois continuou a rir.

Irritado, se sentindo humilhado e envergonhado, ele continuou a andar enquanto batia a mão pela jeans desbotada. Resmungou para si mesmo e ajeitou a camisa social branca.

- Você está indo pelo lugar errado.

- A minha casa é para esse lado. – Ele parou com o rosto corado e voltou-se para ela. . – Eu sei bem onde eu moro.

Ela lhe deu um pequeno sorriso.

- Mas você não vai para casa. Hoje é o dia do desfile.

- Desfile? – repetiu. Tentou se lembrar de alguma noticia sobre algum desfile referente ao dia 13, mas não conseguiu. – Não há desfile. Isso só acontece no Halloween. – explicou.

- Está errado. – ela colocou as mãos na cintura, o sorriso não deixava sua face, seus olhos – de cores diferentes! – brilhavam. – Você assistia ao desfile quando criança, Olhos Azuis.

“Olhos Azuis” era como seus amigos imaginários o chamavam. Inconscientemente, tentou ajeitar os óculos, mas quando não conseguiu, lembrou-se que usava lentes desde que entrara na faculdade.

- Quem é você? – indagou.

A garota não respondeu. Pegou a mão do rapaz confuso e começou a puxá-lo para o lado diferente.

- Logo será meia noite. – ela comentou, ansiosa. – O desfile deve ter começado, mas tudo bem, será bom mesmo assim. – virou-se para ele e sorriu.

Confuso, ele a seguia. Lembrava-se de quando, com medo, ele olhava pela janela enquanto aquelas criaturas estranhas andavam se divertindo. Era uma visão bonita, mas tão assustadora.

- Quem é você? – ele repetiu a pergunta enquanto a seguia – Como sabia do meu apelido? E que desfile é esse?

- Isso não é importante. Na verdade, nenhumas das suas perguntas são. Ah, vamos nos atrasar, temos que correr!

E sem esperar resposta, puxou o rapaz pelas ruas desertas de uma sexta-feira de madrugada. No centro, as ruas ainda estavam movimentadas com pessoas indo para baladas e festas, mas nos bairros, mais para o interior, não se via movimentos.

O rapaz, curioso, continuava seguindo a garota estranha vestida numa túnica branca. Franzia as sobrancelhas enquanto tentava fazer algum sentido naquela situação, até que ouviu o barulho. Eram tambores, depois flautas, depois muita conversa. Havia uma voz feminina cantando, mas era difícil reconhecer as palavras no meio de tantas vozes.

Saíram de um beco e entraram numa avenida.

- Mas o que...! – exclamou surpreso. Seus olhos arregalaram e suas pupilas dilataram.

Era o desfile! O mesmo desfile que via quando criança e que seus pais diziam que não era real. Devia ter medo, mas só conseguia ter fascínio ao ver todas aquelas criaturas estranhas, conversando entre si e andando ordenadamente. Ainda fascinado e bobo, examinou cada ser que via, tentando lembrar-se do nome de cada criatura que estudara nos anos de faculdade e mestrado.Mal percebeu quando a garota entrelaçou seus dedos e o puxou gentilmente para o meio do desfile.

- Duas aboboras para a senhorita! – uma carroça de madeira, cheia de aboboras e enfeites, passou pelos dois. Ele olhou a tempo de ver uma raposa, em duas patas, jogando as lanternas para eles.

Ela soltou as mãos e cada uma. Pareciam ser abóboras normais, sem brilho algum.

- Muito obrigada! – ela gritou e raposa respondeu com um rápido: “de nada”, antes de pegar mais aboboras e jogar para outros seres.

- É lindo. – ele conseguiu murmurar.

Não sabia o que pensar. Num momento estava indo para casa, depois estava andando num desfilo macabro cheio de monstros que ele julgava só existir na imaginação e nos livros. Estava em choque e uma parte de sua mente tentava se convencer de que aquilo de fato não acontecia.

- É sim, e quase perdemos. – ela respondeu novamente pegando a mão dele.

De mãos dadas, segurando a abobora- lanterna apagada, os dois iam andando, seguindo o desfile. Um Minotauro passou por ele; houve uma confusão mais a frente e um rapazinho negro com um estranho gorro vermelho saiu de perto, rindo; ao olhar para trás, ele viu uma sereia montada num equino sem cabeça; valquírias montadas em cavalos voadores cantavam hinos a Odin enquanto os cavalos trotavam no céu; criaturas imensas e com formas duvidosas se arrastavam tentando acompanhar o ritmo; Uma hidra vinha logo atrás, acompanhada de um ciclope e um gigante; uma cobra enorme se arrastava e um homem, quase nu com e um grande e enfeitado chapéu de penas, sentava na costa do réptil. Eram tantas coisas diferentes que era impossível descrever todas!

- Onde estamos? – olhou ao redor e não reconheceu as casas.

- Em lugar nenhum e em todo lugar ao mesmo tempo. – ela respondeu com um sorriso. – O desfile acontece em todo mundo nesse mesmo dia. Começamos no Japão e vamos percorrendo os mundos e as dimensões até o destino final.

- Qual seria?

- Ainda tentamos descobrir isso. – ela respondeu indiferente. – Logo, o sol vai nascer e seremos obrigados a voltar para onde viemos.

- Vocês nunca completaram o desfile?

- Não, devíamos ir ao começo, mas tudo começa o tempo todo e em todo lugar. Gostamos dessa noite por que andamos com outros como nós, em paz.

- Qual o sentido disso então?

Ela olhou o céu que ia clareando.

- Quem sabe um dia nós descobriremos isso? A maioria fica satisfeita quando chegamos a Árvore da Vida, mas outros, como eu, acham que o começo ainda não é lá. É difícil explicar.

- O que vocês fazem na Árvore da Vida?

- Você verá. – e não mais falou.

E ver, ele o fez. Saíram da estranha cidade e de repente, estavam num grande bosque. Uma imensa árvore, maior que os gigantes e a hidra, erguia-se até o céu e ele pôde veralgumas criaturas fazendo um caminho contrário com a abobora cheia de um líquido alaranjado e brilhante.

- O que é isso?

- Seiva da vida.

Ficou só observando. A felicidade daqueles seres com a tal seiva era impressionante e quando o sol dava indícios de nascer, chegoua vez deles. Ela encheu a própria lanterna e deu a ele, depois pegou a vazia e encheu para ela.

- O que eu faço com isso? – indagou enquanto desciam. Estava

convencido de que ou ficara louco ou estava sonhando. As abóboras brilhantes, que via na infância, não eram lanternas. Elas brilhavam por causa do liquído.

- Beba e dê para alguém que você ame. – ela sorriu. Muito feliz. – Eu sempre estive te esperando para ir comigo. Obrigada por cumprir esse velho desejo. Nos veremos de novo, logo.

Tal sussurro foi a primeira coisa que lembrou quando acordou na manhã seguinte. Estava com dor nas costas e debruçava na mesa de estudos da faculdade.

- Um sonho. – sussurrou. Os livros ao seu redor estavam bagunçados e suas anotações, no chão.

Levantou-se e espreguiçou. Coçou os olhos e pensou em pegar um café. Seus olhos observaram ao redor como se tentasse ter certeza de onde estava e com espanto viu, em cima da mesa e ao lado de sua pasta, uma abobora... Cheia de um estranho líquido.

Sorriu e pela primeira vez em sua vida, tudo fez sentido.

I Ferreira
Enviado por I Ferreira em 10/07/2013
Código do texto: T4380826
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