AINDA A ESCRAVINHA _ EM BOCA FECHADA NÃO ENTRA MOSCA
A filha da Sinhá , muito bem cuidada , moça feita, cada dia uma fita diferente nos cabelos negros, contrastando com a pele branca e rosada, vestidos de rendas e sedas finas, vindas da França, andava sempre com o nariz pra cima e olhar altivo.
Se em algum momento, ela se dispunha a ir até à cozinha pra dar alguma ordem às escravas, estas, assim que a avistavam, já iam dizendo:
_ Lá vem a Maria cheira- nuvem!
E escondiam o riso por medo das punições.
Saía a passear no carro puxado a cavalos e conduzido pelo cocheiro da família. Visitava algumas amigas e voltava pra casa.
Esses passeios já estavam incomodando a Sinhá, pelos repetidos atrasos da filha.
Sempre arrogante com os mais humildes. Nem as idas à igreja, a tornavam mais humana.
Mas aquela postura orgulhosa tinha a ver com a natureza de seu pai , senhor prepotente com os escravos e empregados da sua fazenda de café.
A mãe compensava a sua condição de extrema submissão ao marido, sem a mínima contestação (fingia não conhecer as suas traições ), tratando com distância e rigor aqueles mais simples e os que estavam sob suas ordens.
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A vida transcorria pachorrenta e Ana Maria, a Sinhazinha, se distraía com os bordados ou com a leitura de algum livro. Mas, com tudo às mãos, naqueles idos de 188..., o tédio era inevitável.
Até que um dia... aquela moça tão senhora de si diante das escravas, tão cheia de saúde, começou a se mostrar diferente:
Já não saía como antes e se observava nela uma certa melancolia, assim como, uma preocupação que ela procurava disfarçar.
Quando à mesa para as refeições, mal podia olhar para
os assados e os mingaus fumegantes. Corria , voltando depois, pálida, desfigurada e já nem queria comer.
Era o momento de saber o que se passava. E assim,
depois de consulta ao médico da família , o pai severo e a mãe desgostosa, tiveram que enfrentar a notícia da chegada de um neto, sem genro.
Pedidos de segredo ao médico e completo silêncio dentro de casa sobre o assunto.
Dia do parto. Chega o médico à sorrelfa, porque, na verdade, ninguém na região poderia saber do ocorrido até que a família encontrasse uma saída que não a envergonhasse .
Mas eis que foi preciso mandar a escravinha até uma casa nas redondezas para algo que não poderia ficar pra depois. Contudo, as recomendações a respeito do nascimento da criança foram severas:
_ Nem um pio sobre o bebê, ouviu bem? É ir num pé e voltar no outro.
E assim, saiu a menina para cumprir a tarefa. Ia até saltitante, aproveitando a ocasião de correr e pular, longe dos olhares austeros e as ordens ásperas da Sinhá.
Só que ao chegar ao seu destino, não se conteve e disse para a dona da casa, bem rapidinho mesmo:
_ A fia da minha Sinhá pariu...( e pôs a mão sobre a boca , como para evitar a transgressão que estava a cometer) e ainda concluiu sussurrando:
_ Psit! É macho!
Quando a notícia se espalhou e , tendo sido ela a primeira a divulgar, ainda que tenha sido advertida para que não o fizesse, coitada!
Depois dos cocorotes, dos tapas e da surra com pontapés, encolhida num canto qualquer do quintal, a escravinha ainda pensava com revolta:
_ Arr! Por que não guardei minha língua dentro da boca?
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