O ciumento


                                                                                               
 
                        Já estava cansado de explodir, de ser um vulcão ambulante.  Ansiava, agora, pela paz eterna.  Não queria imitar o nosso universo, sempre se expandindo. Para quê?  Para nada, pensava ele. Essa nostalgia que sentimos pelo uno, pela totalidade, pela completude,  ele  não tinha mais dúvida:  era o sentimento primevo de união de toda a humanidade.  Sim, a angústia de querer voltar para aquele instante em que todo o universo era apenas um ponto. Estava tudo concentrado num mísero ponto. E já existíamos virtualmente naquele ponto único, mais espremidos que gente no trem da Central do Brasil.
                        Pensava nisso, meus amigos leitores, porque por toda a  vida só sabia ser explosivo, vulcânico, sempre querendo crescer mais e mais. E ao lado dessa impetuosidade, a relação com as namoradas era igualmente de muita impulsividade e de ciúme desvairado. Por isso aquela  vontade não  mais de explodir, mas sim de implodir, desparecer num buraco negro da galáxia,  para não mais aparecer.
                        Pensava assim pelo cansaço de tanto se expandir sem rumo certo, sem uma finalidade pelo menos aparente. Lembrava-se dos desvarios dos  ciúmes de outrora (e que permanecem no presente). Foi um autêntico personagem de um conto de Ítalo Calvino. Vou lhes contar, amigos e amigas. Primeiro, o do meu ciumento, depois o do genial contista Ítalo.
                        Despedia-se de sua  namorada à noite e a deixava no ponto do ônibus (ela morava muito longe- 50 quilômetros da casa dele). Ao invés de ir para a cama, dava um tempo para a namorada chegar em casa. Arrepiava-se com a  dúvida de que ela estaria em alguma boate com outro. Pegava seu carro e percorria o itinerário do ônibus da namorada. Ia parando em todas as boates existentes daquele  percurso. Chegava a entrar naqueles inferninhos escuros à procura dela. Depois de vasculhar o décimo inferninho, sem achá-la, retornava para  casa, exausto, física e mentalmente.
                        O contista Ítalo narra algo parecido, de um sabor que não poderia subtrair dos meus amigos e amigas:  dois namorados conversam pelo telefone, a namorada mora em  uma cidade distante 100 quilômetros.  Vamos combinar que a conversa final  tenha se dado assim: - “Marta, está tudo acabado entre nós!” – “Certo, Alberto, vou agora mesmo chamar o Alfredinho para vir na minha casa”.  Telefone desligado. (no tempo em que não existia ainda celular).
                        O que faz o Alberto?  De repente, vem a ideia sinistra de que Marta convide mesmo o Alfredinho para estar com ela. O Alfredinho era apaixonado pela Marta, que nunca lhe deu bola. Morava na mesma cidade do Alberto.     
                        Alberto, arrependido da briga com Marta, pega seu carro e vai para a estrada que o levará até sua namorada. Já era tarde da noite e o nosso Alberto vai pensando: “Tenho que chegar na frente do Alfredinho para dizer à Marta do meu arrependimento.” Cada carro que passa por ele, imagina ser o carro do Alfredinho (entusiasmado com o convite da Marta). Alberto faz um esforço enorme para distinguir os motoristas dos outros carros, mas não consegue, a não ser visualizar luzes amarelas e vermelhas. Além disso, começa a chover. Agora, só enxerga através daquele pedacinho do vidro da frente,  limpo pelo para-brisas. Corre o máximo que pode, bem angustiado. De repente, tem a ideia de parar num posto de gasolina. Pensava: -“ Talvez a Marta tenha saído de casa para vir ao meu encontro, arrependida também pelo término do namoro”  O nosso Alberto verifica que Marta não atende o telefone. Imagina, pois, que a namorada veio mesmo ao seu encontro. Alberto faz o retorno e se dirige para casa, desejando alcançar Marta, que nessa altura estaria igualmente na estrada. Alberto, cada vez mais nervoso, acelera o seu carro e imaginando que Alfredinho também tivera a mesma ideia e , talvez,  estivesse na cola dele. A imaginação do ciumento não tem tamanho. Agora, Alberto pensa outra coisa: - “ E se Marta parou em algum posto de gasolina e verificou que não atendo o telefone?  Lógico que ela irá voltar para sua casa, para esperar-me.” E nesse caso, o Alberto estaria retornando para sua casa e Marta, igualmente, voltando para a casa dela, em posições opostas.
                        Na verdade, observa o escritor Ítalo,  o ciumento Alberto gostaria que Marta fosse ao encontro dele, o que suavizaria um pouco sua insegurança. No entanto, o ciumento sofre de um dilema insuperável, porque se a namorada o procurasse, ele acabaria achando  que sua namorada era fraca. É um círculo vicioso,  do qual o ciumento não consegue sair, digo eu, o narrador. Só a implosão dá fim nisso...