Morangos na sacada

Já são 10 horas da manhã e eu ainda estou na sacada escutando o movimento dos carros como faço a 26 anos desde que me mudei para cá, Edifício Balzac apartamento 119. Minha sacada, apesar de confortável, não é muito grande, nada de luxo, só o imprescindível. Tenho na minha sacada apenas um pequeno jardim onde cultivo morangos e hortelãs. Depois que minha mulher morreu, nunca mais tive vontade de trazer qualquer tipo de flor para casa como ela fazia sempre, até mesmo quando voltava da padaria, trazia sempre alguma planta para encher a casa de alegria, agora não é mais assim.Apenas plantei o hortelãs, os morangos nasceram sem que eu os plantasse. A hortelã eu tive de plantar em decorrência de um probleminha de estômago, coisa de velho. Oh Nanci, que falta você me faz.

Quando nos conhecemos, Nanci era uma adorável e inteligentíssima moça que cursava o 3 ano do curso de história na UFPR, me lembro bem, não tenho quaisquer fotos dela quando ainda moça mas sua fisionomia ainda me é bem clara na mente, vejamos, lindos cabelos pretos muito lisos e pele branca e delicada como a neve, sua voz parecia o entoar dos pássaros no inverno de Curitiba, em meio o crepúsculo e o frio, algo de bom emergia da sombria universidade, a voz de Nanci saindo pelos portões da frente, com aquela penca de livros velhos que ela dizia adorar, eu inclusive os guardo até hoje, de vez em quando eu os abro para ver as flores que ela colocava entre as páginas para que ficassem eternizadas ali. As flores nos velhos livros de Nanci estão como meu coração, frio e seco, quase sem vida.

Foi num dia frio e chuvoso quando nos casamos, foi uma cerimônia simples, realizada na igreja de Nossa Senhora do Pilar da Graciosa, em Antonina, às margens do Atlântico.

Tivemos três lindos filhos, hoje todos médicos, dois deles cardiologistas e uma neurologista,imaginem só, minha pequena e doce Raquel,uma neurologista renomada. Depois que nossos filhos se formaram, ficamos sós, eu e Nanci ,sós para envelhecermos junto até o fim de nossos dias, com promessa de viver cada um deles como se fossem os últimos, mas o destino não foi tão bom assim para mim, foi no inverno, às vésperas do nosso aniversário de casamento, Nanci adormeceu e não acordou mais. Agora estou só, minha companheira foi levada de mim, meus filhos nunca mais me visitaram. No começo, tentei me adaptar com os outros idosos do condomínio, nós nos reuníamos todas as terças para jogarmos baralho, porém essa rotina começou a me envelhecer mais ainda por dentro(pois não sou tão velho,tenha apenas 67 anos , não sou o que se diria velho, pois ainda estou são, pois para mim quando uma pessoas chama a outra de velha ela esta dizendo realmente “Nossa ,você esta começando a perder sua sanidade” .Enfim...neste momento estou como já disse na sacada,sendo queimado pelo sol e ouvindo o buzinar frenético dos carros que para mim já parecem até vozes,imaginem só,carros falando, bem dizer berrando, uns com os outros “Me deixe passar!” .Só consigo me distrair quando vejo algo que realmente me interessa, como por exemplo uma borboleta, uma linda borboleta amarela que Passa por mim como se estivesse querendo conversar, até parece que não sabe que esta a 45 andares do chão, mas vai saber, dizem que a natureza é perfeita. Olho para frente até onde a vista alcança, não consigo olhar para baixo, na verdade, dos 26 anos que morro aqui, eu nunca olhei para baixo, dizem que dá azar.

Depois que a borboleta se vai, começo a observar um grupo de andorinhas passando lá ao longe, minha campainha toca, porém, estou ocupado demais para atender, as andorinha conseguiram chamar realmente minha atenção, contudo, a maldita campainha insiste em tocar, por fim acabo me levantando para atender, enquanto enxugo uma lágrima que insistiram em rolar pelo meu rosto já cansado de chorar. Primeiramente, vi pelo visor da porta que se tratava de uma mulher de baixa estatura, então abro um tantinho da porta desconfiado, como sempre. É a síndica do condomínio, veio me cobrar o condomínio.

-Já disse, não tenho mais dinheiro, vá embora!

Do outro lado da porta pude ouvir a voz dela, parca e baixa, voz de cigana.

-Mas senhor, se não pagar a taxa do condomínio o senhor pode levar uma multa, ou pior, ser expulso.

-Eu não me importo e nunca me importei. Já disse, vá embora!

Eu sei que essa monstra irá telefonar para meus filhos como sempre, dizendo que estou ficando senil e caduco, e que já e hora de me colocar em um lar de idosos, odeio isso, porque não diz logo que me colocarão num asilo? Coisa de gente nova, querer passar os mais velhos para trás, só porque estão cansados demais para lutar. Então como sempre, um deles irá me telefonar dizendo :

-Papai, por que não usa o dinheiro que te enviamos para pagar o condomínio?

E eu direi (já até escrevei as mesmas palavras que eu digo sempre para não me esquecer):

-Não quero o dinheiro de vocês.

-Mas pai...

-Sem “mas pai”, vocês me abandonaram neste lugar solitário para morrer como um qualquer. Eu não tenho nada contra minha casa, eu a adoro .Depois que sua mãe morreu vocês começaram a me sustentar de longe, como se eu não tivesse meu próprio dinheiro para me sustentar. E MAIS...NÃO SOU UM ANIMAL PRA ME TRATAREM DESTA MANEIRA, NÃO SOU,OUVIRAM !

-Papai...

-... –Desligo. Não suporto quando essas conversas se arrastam por muito tempo. E pior, quanto mais eu envelheço, mais freqüentes ficam as malditas conversas. Malditas conversas, estão me matando aos poucos.

Não sou tão velho, mas também não sou novo o bastante para ficar ouvindo as pessoas falarem sabendo que não chegarão a lugar algum. Começo a chorar, e sei que do outro lado Do país meu filho também chora, eu sinto isso, pois afinal de contas, eu sou pai dele.

Agora vou até a cozinha para tomar meus remédios e talvez fazer um chá, já é quase meio dia, saio da cozinha e vou direto para sacada para junto de meus morangos, relembrarem os bons e velhos tempos. Como era bom ter Nanci ao meu lado, por mais que brigássemos, por mais que, às vezes, gostaríamos de nos separar; enfim, foi divertido. Sento-me em minha cadeira para observar demoradamente meus vermelhos e suculentos morangos, enquanto o pior dos advogados cumpre o seu ofício, o tempo: O pior de todos os advogados, cruel, porém justo.

Bego
Enviado por Bego em 08/06/2013
Reeditado em 29/07/2013
Código do texto: T4331408
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