O príncipe d/esperto e a perereca triste
O príncipe d/esperto e a perereca triste
Era uma vez, há muito tempo,
Em um reino mui desencantado,
No qual, as fadas não dominavam
E o grande amor foi expurgado
Que vivia a Perereca sem alegria
Com a sua vida baseada na aporia
E sonhando com um príncipe alado
Mas, justamente, nesse reino charco.
Onde não brilhava mais a luz do céu
E apenas se ouviam coaxos fracos
Que, de súbito, chegou vindo do léu
O sonho desejado da Perereca triste
Aquele príncipe de espada em riste,
Com a sua força jamais vista; inefável
Ele vinha voando em seus versos alados;
Colhendo estrelas pelos seus caminhos;
Deixando viúvas e donzelas sonhadoras
Com seu peito pleno de amor e carinho
Na esperança de encontrar uma princesa
A amada mais que pura e uma certeza
De preencher o seu leito tão vazio
Foi um alarde a chegada desse príncipe
Alvoroçaram bruxas, plebeias e fadas
Todas sabiam da aventura a que vinha
E a coroa começava a ser disputada
Todavia, mesmo com toda essa liça
Essa guerra não lhe causava cobiça
Queria apenas encontrar a amada
Tentaram-no seduzir com presentes
Bruxas com sopas mais que milagrosas
Fadas com feitiços cheios de promessas
Rainhas com todas as pedras preciosas
Mas nada o conseguia deixar ditoso
E o príncipe continuava lamurioso
Com um reino e um coração ás avessas
As moçoilas casadouras ficaram revoltadas
Uniram-se e jogaram-no um manipanso
Adormeceram seu coração e seus versos
E ao príncipe restou apenas o descanso
Viver sem vida a vida “esperando Godot”
Prostrado, ali mesmo, até um grande amor
Com um beijo desfizesse esse encanto
Vinham forasteiras de vários lugares
Com promessas de quebrar o encanto
Beijavam-no, cantavam e até mandinga
Faziam para quebrar o tal do quebranto
Mas o príncipe continuava estático
Com o coração e a poesia apáticos
Adormecido sozinho em um canto
Foi quando, sem esperança, da lagoa
Saiu a Perereca triste e seu coaxado
Sem nenhuma pretensão de nada
Viu o príncipe no canto abandonado
E deu-lhe o seu beijo mais profundo
Deixando transbordar bem do fundo
Toda lágrima e amor, há tempo, guardados
O beijo acordou os versos na poesia
A lágrima alardeou o silente coração
E o príncipe, por encanto, despertou
E na sua frente a sua grande paixão
A Perereca agora era uma princesa
E todos queriam comprovar a proeza
E averiguar de perto a tal situação
Perereca agora era a vossa Alteza
Com roupa de grife e gestos delicados
Cabelo de escovinha e progressiva
E um corpo esculpido pelo pecado
O príncipe estava muito satisfeito
Com a escolha e com o seu reino
Até que a vida deu o primeiro recado
Perereca gostava muito de se fartar
Gulosa de posses, de rancor e de tudo
Comia sem parar e desbragadamente
Até empanturrar todo o seu bucho
Não satisfeita em comer tudo enfim
Comeu da fruta mais azeda do jardim
Assim, estragou a rima da poesia; tudo
Ela se empanturrou de comer biribiri
E sorveu todo o azedume que tinha
O príncipe paciente tentava lhe adoçar
Mas o sabor da história já não existia
Ela passou a adorá-lo pelo avesso
Ele queria somente a volta do começo
E viver o amor dos primeiros dias
O príncipe bateu asas e voou para além
E Perereca continuou coaxando por aí
Dizem os sapos que ela ainda o quer
E as rãs que ela não aceitou esse fim
Ah, mas quem nasceu para ter asas
Jamais vai pousar em uma só casa
E nem achar que é doce o biribiri
Perereca viveu, enfim, dias de sonhos,
Mas não soube sonhar em Veneza
E como já dizia um sapo-boi filósofo
Sinônimo de perereca não é princesa
E o príncipe continuava a sua jornada
Deixando mais pererecas apaixonadas
Em sua busca amiúde pela companheira
Dizem as línguas sapeanas coaxando
Que a Perereca aprendeu a poetar
Escreve versos ao avesso para o príncipe
Maldizendo e amando para se vingar
Porém o príncipe é sujeito generoso
Não guarda rancor e fica sempre ditoso
Quando vê outra Perereca rebolar
MÁRIO PATERNOSTRO