O ENCONTRO DOS CAVALEIROS
O relógio do salão de jogos indicava onze horas e três quartos. O negrume da noite descia impiedoso sobre os telhados e o breu se confundia com a espessa névoa que lambia o chão. Era fase de Lua Nova e os lobos-guará uivavam por dentre o retorcido e seco arvoredo do cerrado. O silêncio impiedoso era cortado, também, pelo pio agourento das corujas e os morcegos esvoaçavam, aos bandos, ao embalo da dança da noite.
Nas torretas que encimavam as muralhas da cidadela medieval, os galhardetes jaziam inertes pela ausência do vento que não se atrevia a desafiar o frio cortante.
As luzes, de há muito, haviam se apagado em razão de um desarranjo nos geradores, na usina sediada em cidade distante. Aqui e ali, bruxuleavam algumas velas iluminando, apenas, alguns metros diante de si próprias.
Os hóspedes já se haviam recolhido, pois na ausência da energia elétrica, o gerador era utilizado para alimentar o necessário, nas instalações, ficando prejudicadas as áreas de lazer noturno como o bar, a piscina aquecida e o salão de jogos. Os cortes de energia eram constantes na região e as pessoas já se haviam acostumado criando alternativas para essas ocasiões.
No interior das casinhas da vila, alguns hóspedes assistiam a um ou outro programa de televisão, outros deles engoliam alguns tragos de bebida enquanto o sono não chegava e, finalmente, a maioria já estava entregue aos braços de Morfeu.
No restante do castelo, o silêncio reinava em todas as colunas. Tudo parecia paz e sossego até o momento em que os ponteiros do relógio indicavam que a noite e o dia estavam no momento exato do seu encontro; meia-noite em ponto.
Nesse exato momento, como num passe de mágica, vindo das bandas do Sudoeste, o vento começou a soprar, arrancando assobios das folhas das palmeiras e farfalhando as copas das arvores maiores espalhadas pelo terreno...
De repente, o casal cuja acomodação ficava bem em frente ao salão de jogos teve seu enlevo interrompido em razão de um ruído estranho que parecia vir de lá das bandas do tal salão.
Era uma sala de bom tamanho, construída em blocos de granito cinzento, ostentando nas paredes diversos símbolos medievos. Lanças, escudos, elmos, brasões, armaduras, espadas e outras peças dos antigos Cavaleiros ali estavam reunidos e expostos, como se à espera dos seus verdadeiros donos.
Ao centro, uma grande mesa redonda, de madeira maciça, com vinte e cinco cadeiras revestidas de couro cru, ostentando desenhos e adornos da época. Vinte e cinco cálices se mantinham postados, um diante de cada lugar, possivelmente, à espera dos partícipes de uma provável reunião. Ao centro, um cálice maior, de ouro, todo cravejado de preciosas. Tudo ali disposto indicava que um incrível acontecimento estaria por ocorrer.
O casal que havia interrompido o seu romance, em razão do ruído e movido pela curiosidade, abrindo uma pequena fresta na persiana da janela do aposento pode divisar, em parte, o que estava acontecendo no salão que, a essas alturas estava adequadamente iluminado por um enorme candelabro que pendia do teto, bem sobre a távola, ostentando grossas velas que desprendiam chamas das cores do arco-íris.
Sem acreditar, direito no que viam, os dois foram testemunhas da mais incrível cena que alguém poderia supor, ocorresse naquele pequeno castelo encravado no coração do cerrado.
Aos poucos, diante do lugar que parecia ser o segundo em importância na provável reunião, foi se plasmando uma névoa branca que se movia lentamente. Essa névoa tomando forma e, dentro em poucos minutos dava lugar a um ser em forma humana, com trajes completamente estranhos para alguém do século XXI.
Era um homem bem velho, mas esguio, vestindo uma espécie de túnica de um dourado levemente brilhante, toda ornada de símbolos cósmicos; corpos celestes vários, símbolos zodiacais, hieróglifos desconhecidos, bem como símbolos relativos à Tradição e à Magia.
Sobre a cabeça, uma espécie de mitra em forma de cone, igualmente ostentando simbologia compatível com a da túnica dourada. Na mão direita, uma espécie de bastão ou, mesmo, uma vara de condão com um “Crescente Radiante” na ponta superior.
À distância em que se encontrava, o casal estupefato, quase sem respiração, podia perceber os lábios do velho se movimentando como se estivesse proferindo palavras. À medida que o formulário ia sendo emitido, uma profusão de luzes aparecia e, em conseqüência, outras figuras iam se plasmando no vetusto recinto.
Primeiramente, um ruído de metal se entrechocando conduzia à visão de figuras humanas envergando polidas armaduras, cada qual com uma espécie de brasão no peito e com elmos encimados por plumas de cores diversas. Eram seis, todos vestindo guantes. Cada um deles conduzia na mão esquerda uma lança pontiaguda com uma espécie de machado e, na mão direita, uma espada desembainhada.
Seguindo gestos do “velho mago”, quatro deles tomaram lugar nos cantos da sala e os dois restantes se postaram lado a lado, na porta de entrada do salão.
Cientificado de que tudo estava de conformidade com o desejado, o “velho” brandiu mais algumas vezes o seu condão e o gesto mágico deu início a outra cena mais incrível ainda, do que a primeira.
Vários outros homens foram se materializando atrás do espaldar de cada cadeira e, aos poucos, suas fisionomias e roupagens podiam ser cada vez mais observadas em seus mínimos detalhes.
Não restava dúvida alguma que se tratava de alguma espécie de “cavaleiros templários”. Foi nesse momento que a moça chamou atenção do seu acompanhante.
-- Veja! Aquela mesa redonda é a Távola do Rei Arthur e o velho só pode ser o Mago Merlin!
-- É verdade! Você está absolutamente certa e os que estão chegando não são nada mais nada menos do que os “Cavaleiros da Távola Redonda”. Puxa! Quem vai acreditar nisso?
Os trajes dos chegantes eram os mesmos dos cavaleiros da Idade Média, com as cores das suas origens nobiliárquicas e linhagem familiar; cada qual com o seu brasão d´armas.
Em reverente silêncio cada um deles cumprimentou o “velho” com gesto indicativo de vênia a que o respeitável anfitrião correspondia. Em seguida, tomavam seus lugares aguardando o momento adequado de tomarem assento à mesa.
Pelo desenvolvimento dos acontecimentos cerimoniosos no interior do salão, evidenciava-se que estavam, todos, no aguardo da chegada de alguma outra personagem cuja importância na hierarquia se revestia de destaque. Em conseqüência, deveria ser o próprio Rei Arthur que ingressaria no recinto logo que o “velho” desse por completos os preparativos para tão solene ingresso.
Assim, ficaram todos os partícipes do fantástico evento, silentes, em profundo estado de meditação e reverência, aguardando o prosseguimento do cerimonial.
Não tardou muito e o “velho” fez outros gestos mágicos e, algo verdadeiramente espantoso aconteceu. Um raio de luz violeta partiu do condão em direção à uma cripta abaixo do salão, lugar em que era mantida uma adega repleta de vinhos finíssimos, guardada a sete chaves pelo proprietário do castelo, reservado apenas para servir em momentos especialíssimos e a pessoas de elevado destaque.
A magia realizara outro acontecimento verdadeiramente fantástico. Como não se permitia a entrada de pessoas estranhas na adega da cripta, havia uma aranha que por ordem do “velho”, mantinha-se acomodada em uma teia, de onde observava qualquer movimento inconveniente e, preparada para atacar com seu veneno letal. Essa aranha era a “guardiã da cripta”. Só permitia a entrada mediante à pronúncia de seis palavras de passe que remontavam a frases inscritas em textos do Antigo Testamento. Sem esse passaporte, o infortunado intrometido estava diante da morte certeira.
Para deixar bem claro essa possibilidade fatídica, além de um aviso escrito em linguagem clara repelindo qualquer tentativa de invasão, havia um “esqueleto” simbolizando a morte...
Pois bem! Obediente à ordem emitida pelo “velho”, a aranha foi se transformando em ser humano e, deu lugar a uma linda mulher, também vestida com trajes medievais que colocou em uma bandeja de ouro, três garrafas de um vinho especialmente reservado para esse tipo de comemoração ritualística; uma de vinho azul, outra de vinho dourado e mais outra de vinho róseo.
Ao ingressar na sala, todos ainda em silêncio, puderam perceber a profusão de luzes que tomava todo o salão e, à medida que a mulher abria as garrafas e ia colocando o seu conteúdo no “cálice maior”, ao centro da mesa, as luzes do arco-íris iam se expandindo pelo poder do três vezes três.
Cumprida sua parte no ritual, a mulher, com gestos delicados, e com leve flexão da cabeça, cumprimentou um a um os cavaleiros e, finalmente, despediu-se do “velho”. Silenciosamente, tal como entrou, saiu e voltou à adega, lugar em que retomou a forma de aranha guardiã, cuidando da vigilância do tão importante vinho que os destinava-se únicamente a ser vertido no “cálice maior”, que os convivas chamavam de “sangue real”, sangreal ou “Santo Gral”.
Segundos após, o “velho” fez outro gesto e nova profusão luminosa se fez sentir no interior do salão. Diante da porta de entrada, ladeado pelos dois cavaleiros de armaduras, com as lanças cruzadas, nada mais nada menos do que o Rei Arthur.
Trajava uma roupa de cor azul, com bordados a ouro e apliques de pedras preciosas. Na mão, um báculo cravejado de brilhantes e águas-marinhas. Na cabeça, uma coroa com os símbolos da realeza bretã.
O Rei entrou, ocupou o seu lugar destacado, ao lado do “velho” e, silenciosamente, tomando de uma concha foi retirando vinho do cálice maior para os dos cavaleiros enquanto proferia palavras ritualísticas:
“I Am that I Am!” – “I Am that I Am!” – “I Am that I Am”! Ao que o “velho” respondia: “To Be or not to be, this is the question!”- “To Be or not to be, this is the question!” – “To Be or not to be, this is the question!”.
Os dois hóspedes, diante de tão fantástica e inusitada visão e, ao mesmo tempo, sentindo-se participes da cerimônia, certificados de que teriam sido os únicos a serem testemunhar o ocorrido, saíram de seu alojamento e foram em direção aos aposentos do dono do castelo que, nessa ocasião não havia trazido a família como era seu costume.
Bateram à porta, comedidamente, a princípio. Não obtendo resposta, tornaram a repetir as batidas, dessa vez com mais veemência. Igualmente, não obtiveram resposta de dentro do aposento.
Desestimulados e frustrados, resolveram voltar para sua habitação.
Mal deram alguns passos viram um vulto que vinha, do escuro em sua direção. Aguçando bem os ouvidos e firmando a vista, perceberam que era uma pessoa que se aproximava do local, vindo das imediações do salão em que acontecera o assombroso fato.
-- Ah! É o senhor, seu João?
-- Sim, sou eu! Vocês querem falar comigo?
-- Queremos sim! É que viemos chamar o senhor para ver um fantástico e espetacular ritual que assistimos da janela da nossa acomodação!
-- Ah! Sim! Então vocês viram? Não se assustem isso acontece aqui, uma vez por ano em comemoração ao aniversário do Mestre El-Morya e seu inseparável amigo, o Mestre Saint-Germain.
-- Muito legal, Seu João! Mas, nós não vimos esses dois de que o senhor falou! Nós vimos mesmo, foram o Rei Arthur, o Mago Merlin e vários Cavaleiros da Távola Redonda!
-- Ah! Posso entender! Então, fiquemos assim, vocês se deliciem com as cenas do Rei, do Mago e dos Cavaleiros. Quanto ao Mestre El-Morya e o Mestre Saint-Germain, isso é uma longa história que não podemos contar em um dia somente. OK?
-- Voltem aqui outras vezes e poderemos conversar sobre o assunto... Boa Noite e durmam em paz! Até amanhã!”
-- Boa noite, Seu João! Até Amanhã!